- João, de onde você tirou esse “vento leste”?
- Ah, Luiz, de noite eu liguei o rádio na Hora do Brasil e ouvi: “Aviso aos navegantes: vento leste soprando pra sudoeste”.
João do Vale, de origem simples e semianalfabeto, achava que tinha que colocar umas “palavras difíceis” para impressionar em suas composições. E tudo fazia sentido. Muito espirituoso em seus comentários, dizia que “Parceria com gente que já tem nome não é bom, não”, referindo-se ao seu trabalho com Vieira. Sempre ouvia os locutores das rádios anunciando: “Ouviremos na voz de Marlene, o xote ‘Estrela miúda’, de Luiz Vieira”.
No começo da década de 50, quando trabalhava como pedreiro numa obra na rua Barão de Ipanema, no Rio de Janeiro, ouviu a canção vinda de um rádio numa casa vizinha. O sorridente operário da construção e da poesia, apressou-se e falou para o colega ao lado:
- Tá ouvindo essa música?
- Tô. É a Marlene que tá cantando.
- E sabe quem é o autor? Sou eu.
- Conversa, neguinho. Você tá é delirando. Faz mais massa aí, vai!
“Até 1964 quase ninguém sabia que as minhas músicas eram minhas”, revelou numa entrevista para o encarte de um exemplar da Nova História da Música Popular Brasileira, coleção da Abril Cultural de 1977. A pontuação da data é relevante, foi quando compôs Carcará para o Show Opinião, dirigido por Augusto Boal. Zé Kéti e João do Vale integravam o musical, mas a interpretação coube à estreante Maria Bethânia, que substituiu Nara Leão. É o momento marcante do show-manifesto que estreou nove meses depois do Golpe Militar, no Teatro de Arena, Rio.
João do Vale faleceu no começo da tarde de 6 de dezembro de 1992, aos 62 anos, em São Luis, depois de cinco anos numa cadeira de rodas, com fortes sequelas de locomoção e fala, consequentes de dois derrames cerebrais.
A foto abaixo, de acervo familiar, foi utilizada na capa do livro O jovem João do Vale, ótima pesquisa do seu conterrâneo Wilson Marques, jornalista. Lançada em 2013 pela Editora Nova Alexandria, a biografia narra a trajetória do compositor com foco em sua infância e juventude no povoado Lago da Onça, em Pedreiras, até largar tudo e partir para o Brasil dos contrastes e brincar no vento leste.
Nenhum comentário:
Postar um comentário