terça-feira, 19 de dezembro de 2023

quem é você para derramar meu mungunzá?


Almério e Juliana Linhares são referências do imenso talento da nova geração de compositores e intérpretes da música brasileira. Ele pernambucano, com três discos, ela potiguar, com o álbum Nordeste ficção. Em 2022 gravaram um show no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, dentro do programa Cultura em Casa.

Disponível no YouTube, a apresentação magnetiza pela sintonia alquímica, sem artifícios cênicos, sem aparato de extensa condução instrumental, somente o acompanhamento elementar da guitarra de Juliano Holanda, preciso em uma trilha minimalista que segue os afluentes que os dois fazem no cancioneiro nordestino.
O repertório é uma cartografia afetiva da riqueza musical do Nordeste. Destaco as personalíssimas versões de dois forrós: Tareco e Mariola, de Petrúcio Amorim, de 1995, gravada pelo autor e por diversos sanfoneiros, e Rabo do jumento, de Elino Julião e Dílson Doria., sucesso na voz de Coronel Ludugero, em 1968.
A composição de Amorim trata de uma situação desagradável que passou no início da carreira. Tentando participar de um show promovido pela Fundação Cultural de Recife, o responsável do órgão recusou alegando a programação fechada, quando não era.
Julião narra uma tristeza em sua vida de compositor morando na roça: o dono de umas terras cortou a cauda de seu animal por ter entrado na plantação e comido um pezinho de coentro. Poetas da canção manifestando indignação com quem detém o poder, mesmo o pequeno poder de quarteirão e várzea.
No recorte que faço, minha leitura do trabalho da postura de dois artistas como Almério e Juliana, que com lucidez e encanto avançam na contramão do que a mercantilista idade mídia vende como talento e lota estádios em pirotécnicos shows milionários.

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