“A noite com seus sortilégios”, como dizia Manuel Bandeira, levou o cineasta Maurice Capovilla neste final de sábado. Capô, como todos carinhosamente o chamávamos, tinha 85 anos e não resistiu às complicações de uma doença pulmonar.
Capovilla tem seu nome ligado a diversos filmes significativos na história do cinema brasileiro, não somente como diretor, também como roteirista, produtor e ator.
Destaco três por ele dirigidos:
Bebel, garota propaganda, seu primeiro trabalho, de 1968, baseado no romance Bebel que a cidade comeu, de Ignácio de Loyola Brandão, um retrato sarcástico de um período de repressão política, de uma geração de jovens sonhadores e idealistas, como a garota do título, que foi afetada e engolida pelo sistema.
Em O profeta da fome, de 1970, na configuração de um circo pobre, a simbologia do país naquela virada de década sob recrudescimento da ditadura com o AI-5, o povo representado na figura de um faquir que é crucificado como parte do espetáculo, e ao ser preso descobre que seu sucesso é passar fome de verdade. E no contraponto, sob o mesmo ambiente da lona rasgada e empoeirada, o domador malvado, estigma do poder e controle. Curiosamente, interpretados por José Mojica Marins e Maurice do Vale, icônicos atores que viveram em filmes daquela década do golpe militar os personagens do mito do horror tupiniquim Zé do Caixão e o caçador de cangaceiros Antonio das Mortes, contratado por latifundiários.
O jogo da vida, de 1977, é baseado no ótimo livro Malagueta, Perus e Bacanaço, do paulistano João Antonio, reconhecido como criador do conto-reportagem no jornalismo. Escrito no sintomático ano pré-golpe, 1963, e o filme produzido no ano do governo Geisel, com os esboços de abertura política articulada por Golbery, a história mostra três personagens emblematicamente brasileiros, um sem-teto que teve seu barraco derrubado por ordem judicial, um operário de uma fábrica de cimento, insatisfeito com as condições de trabalho e em constantes brigas com a esposa, e um malandro boa vida explorador de mulheres e preso por ser atuante do jogo bicho.
No cinema de Maurice Capovilla o Brasil é o grande personagem.
Convivi com o cineasta quando no final dos anos 90 morou em Fortaleza, e junto com Orlando Senna, trabalhou no projeto original do Instituto Dragão do Mar, núcleo cinematográfico de formação criado pelo governo do estado. Na imagem daquele homem sempre atencioso, seguro e convicto de seus conhecimentos e ensinamentos como cidadão e artista, o personagem de um Brasil do tempo da delicadeza.
Abraço e gratidão, mestre Capô.
Nenhum comentário:
Postar um comentário