foto Regina Cunha, 2016
“O Brasil é um país muito grande. Tem que ser respeitado. Fizeram uma sacanagem com o Brasil. Uma fascistização, uma geração de ódio generalizado. Vivi a ditadura. Fui preso. Fiquei oito anos em Nova York. Quando voltei, pensei em sair de novo, mas aí encontrei a Nélida Piñon na rua e ela disse: ‘Fique, Jorge, nós precisamos de você’. Acreditei e estou aqui.”
- poeta, compositor e diretor de teatro Jorge Salomão, baiano-carioca, em entrevista ao repórter Arnaldo Bloch, no caderno Cultura de O Globo, em 9 de outubro de 2016.
Salomão é autor de cinco bons livros de poesia, parceiro em canções com Frejat, Adriana Calcanhoto, Marina Lima, Cássia Eller, criador ao lado do irmão Waly Salomão e Torquato Neto, da revista Navilouca, em 1974, expoente em poesia e arte de vanguarda, com apenas um número.
O poeta partiu no dia 7 de março do ano passado aos 73 anos, por complicações de uma úlcera perfurada no duodeno. Esteve por um mês hospitalizado, depois de sofrer um infarto, submetido a três pontes de safena, e uma luta contra pneumonia. Nesse período de convalescência, sempre que melhorava um pouco, ele pedia um livro para ler, como uma forma de se agarrar à vida, de resistência. Disse uma vez ao seu sobrinho Khalid Salomão, filho de Waly, que sempre o acompanhava, que queria escrever, compor, pois ideias não lhe saiam da cabeça.
A fascistização que ele apontou há quatro anos disseminou como uma praga, uma grande sacanagem, nesta era tosca que se instalou no país, concretizada com a eleição, em 2018, desse ser abjeto, essa alma sebosa, esse desprezível, essa cara de cão com seu desgoverno genocida e seu gabinete do ódio generalizado.
O último poema de Jorge Salomão, escrito entre a dor, a esperança e a saudade:
Tem horas que pareço eu
Tem horas que pareço Man Ray
Eu sou do tamanho da minha cor
Da cor da fita do Bonfim
Tem horas que me camuflo
Tem horas que sou molusco
Tem horas que nada sei
Tem horas que sou Man Ray
Tem horas Itapagipe
Tem horas Cubana
Tem horas curtindo cena
Tem horas olhando o mar
Tem horas que nada pareço, sem chão nem teto
Tem horas vários retratos
Tem horas que sou possível
Tem horas escuridão.
Tornamo-nos eternos no coração de quem nos quer bem. Fique, Jorge, nós precisamos de você.
foto Regina Cunha, 2016
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