sábado, 27 de março de 2021


foto ©Renato Mangolim

No final de 2018 estreou no Rio de Janeiro, a peça A peste, baseada no romance homônimo de Albert Camus, dirigida por Vera Holtz e Guilherme Leme, seguindo depois para outras capitais.

Escrito durante a Segunda Guerra Mundial e publicado em 1947, a magnum opus do escritor franco-argelino, uma espécie de “versão romanceada da filosofia existencialista”, como bem definiu recentemente o professor Arnaldo Godoy, livre-docente pela Faculdade de Direito da USP, descreve a história que se passa em Oran, cidade no litoral mediterrâneo da Argélia, assolada por uma epidemia, devastando os habitantes progressivamente.
A excelente montagem teatral centraliza a narrativa no personagem principal, o médico Bernard Rieux, que, em um dia qualquer, ao sair de casa depara-se com um rato morto, e pede ao porteiro do prédio para retirá-lo. Outros aparecem, e ninguém se importa, até o mal chegar às pessoas.
Estruturado em um monólogo, com atuação perfeita de Pedro Osório, a peça desenvolve contornos contemporâneos para apontar e refletir o desmoronamento moral da sociedade e os avanços dos governos de ultradireita, pontuações que estão no original de Camus, na analogia que faz à ocupação nazista na Europa.
Assim como no livro, a montagem de Holtz e Leme espelha também a reavaliação de pequenos gestos que nos mantém juntos no cotidiano, a urgente solidariedade que precisamos ter como resistência diante os flagelos e o autoritarismo. Reflexão que cabe neste momento no mundo inteiro, e especialmente no Brasil, quando temos a infelicidade “no tocante a isso daí” dessa figura abjeta, cara de cão, alma sebosa na presidência da República, desdenhando a gravidade de uma pandemia, encarnando a brutalidade da peste ao tomar atitudes genocidas contra a população. Nos dados de hoje, 27 de março, 21.489 novos casos de Covid-19, muitos desesperados em macas, afogando-se no seco, nos corredores à espera de leitos. São mais de 3.650 mortos no intervalo das últimas 24 horas, já ultrapassando mais 300.000 famílias enlutadas, chorando seus parentes, amigos e vizinhos que não voltam mais.
A lembrança da peça baseada no livro de Camus é oportuna para a data de hoje, Dia Mundial do Teatro, em referência a inauguração do Teatro das Nações, em Paris, 1961. Também se comemora no Brasil o Dia do Circo, reverência ao dia de nascimento, em 1897, do paulista Abelardo Pinto, conhecido como palhaço Piolin.
Ao Teatro e ao Circo, àqueles que nos palcos entregam-se de corpo e alma aos seus trabalhos, e que de forma remota continuam nos colocando no peito insumos de beleza para viver, a todos a nossa mais terna gratidão.
Cuidem de si e dos outros. A vacina ainda é uma esperança em conta-gotas.

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