quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

olhos que inspiram

Uma senhora de noventa e nove anos em um ônibus, a caminho de casa onde ninguém a aguarda. Ela tem olhos azuis, belos e inalterados, de onde ilumina ainda sua juventude. Seu chapéu revela o bom gosto de antes e sempre. Para descer do coletivo, é lento e torturante. Mas ela tem belos e inalterados olhos azuis que dizem o que ela queria ser quando crescer: sempre jovem.
É o que diz a letra de Blue eyes unchanged, canção da cantora, compositora e instrumentista canadense Michelle Gurovith, gravada em seu disco de 2014, Lets Part In Style.
Filha de imigrantes russos, a autora tem como marca em suas composições a cadência minimalista, que alguns críticos costumam rotular de “slowcore”, uma fusão do indie rock, rock alternativo, e outras nomenclaturas que muitas vezes colocam o trabalho autoral num subgênero. Michelle Gurovith é muito mais na cena musical contemporânea, mais autêntica do que essas classificações. A voz grave que conduz uma interpretação suavemente recitada, evoca influência do compatriota Leonard Cohen, um pouco de Serge Gainsbourg, uns arranjos inspirados no búlgaro Todor Kobakov e nas trilhas de Francis Lai e Nino Rota. Essas citações não tiram a genuinidade da cantora, que tem seis ótimos discos e turnês lotadas por onde passa.
O relevante e acentuado em suas letras é a observação do cotidiano, o flagrante e a reflexão do tempo nos transeuntes solitários, o irrefutável anônimo onde nos espelhamos com suas dores e esperança, a história que consegue captar em segundos sobre olhos azuis inalterados, como fez com a senhora que lhe deu inspiração em um ônibus em Toronto.
No vídeo, colagem de duas apresentações na Europa.

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