"Eu me chamo Felipe, nasci em 1995, numa família muito pobre em Porto Ferreira, interior de São Paulo. Minha mãe tinha apenas 15 anos quando nasci. Obviamente não fui planejado. Com 5 anos comecei a sofrer abusos sexuais de um irmão de minha mãe. As coisas foram assim durante anos. Além dele, alguns primos começaram a se aproveitar do meu jeito mais delicado. Eu não entendia muito bem o que era. Minhas primeiras paixões eram divididas entre meninos e meninas. Meninos porque eu os achava bonitos e meninas porque era certo. E sempre sonhava em ter uma família e dar orgulho para a minha família. Com 13 anos eu tive a minha primeira relação sexual com menino. E daquela vez eu quis e falei, então, com a minha mãe. Disse: Mãe, eu acho que sou gay. A resposta dela veio em forma de violência. Ela me bateu."
O texto faz parte do espetáculo Eu de você, monólogo idealizado e interpretado por Denise Fraga, com direção de Luiz Villaça.
A construção dramática é feita de várias histórias reais, depoimentos de pessoas que passam por nós e muitas vezes pouco sabemos. Denise colheu e colou no palco esses mosaicos que giram como um caleidoscópio com sua atuação fascinante, encantadora. O humor no espetáculo é um veio narrativo, sem perder a densidade do que é contado e cantado.
Nas revelações do cotidiano daquelas pessoas que não conhecemos de algum jeito nelas nos encontramos, por empatia e por acolhimento, por rima e por espelho.
Na apresentação de ontem à noite no Teatro da Caixa Cultural, em Brasília, Denise Fraga, na dinâmica que rompe a fronteira do tablado com a plateia, desce do palco, vem em minha direção na terceira fila e me pede para ler o texto acima. Eu que sempre quis tê-la como atriz em um filme meu, de repente sou por dois minutos por ela dirigido, com o mais terno dos olhares ouvindo-me enquanto emocionado fui Felipe.
É sempre urgente sermos o outro.
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