sábado, 27 de janeiro de 2024

o outro em mim


"Eu me chamo Felipe, nasci em 1995, numa família muito pobre em Porto Ferreira, interior de São Paulo. Minha mãe tinha apenas 15 anos quando nasci. Obviamente não fui planejado. Com 5 anos comecei a sofrer abusos sexuais de um irmão de minha mãe. As coisas foram assim durante anos. Além dele, alguns primos começaram a se aproveitar do meu jeito mais delicado. Eu não entendia muito bem o que era. Minhas primeiras paixões eram divididas entre meninos e meninas. Meninos porque eu os achava bonitos e meninas porque era certo. E sempre sonhava em ter uma família e dar orgulho para a minha família. Com 13 anos eu tive a minha primeira relação sexual com menino. E daquela vez eu quis e falei, então, com a minha mãe. Disse: Mãe, eu acho que sou gay. A resposta dela veio em forma de violência. Ela me bateu."

O texto faz parte do espetáculo Eu de você, monólogo idealizado e interpretado por Denise Fraga, com direção de Luiz Villaça.
A construção dramática é feita de várias histórias reais, depoimentos de pessoas que passam por nós e muitas vezes pouco sabemos. Denise colheu e colou no palco esses mosaicos que giram como um caleidoscópio com sua atuação fascinante, encantadora. O humor no espetáculo é um veio narrativo, sem perder a densidade do que é contado e cantado.
Nas revelações do cotidiano daquelas pessoas que não conhecemos de algum jeito nelas nos encontramos, por empatia e por acolhimento, por rima e por espelho.
Na apresentação de ontem à noite no Teatro da Caixa Cultural, em Brasília, Denise Fraga, na dinâmica que rompe a fronteira do tablado com a plateia, desce do palco, vem em minha direção na terceira fila e me pede para ler o texto acima. Eu que sempre quis tê-la como atriz em um filme meu, de repente sou por dois minutos por ela dirigido, com o mais terno dos olhares ouvindo-me enquanto emocionado fui Felipe.
É sempre urgente sermos o outro.

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