quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

as pedras pisadas do cais

Foto: Ierê Ferreira, 2011

Pedra do Sal e Cais do Valongo são locais históricos importantes na cidade do Rio do Janeiro. O primeiro é um monumento religioso localizado no bairro da Saúde, onde se encontra a Comunidade Remanescentes de Quilombos. O segundo é um antigo cais onde as pedras pisadas marcam o único vestígio material da chegada dos africanos escravizados, pedaço que o compositor Heitor dos Prazeres chamava de “Pequena África”.
Foi exatamente nesses dois espaços, onde pulsam as partículas arqueológicas da negritude subjugada e as divindades dos orixás que baixaram na alma dos escravos, que o ator e cineasta Zózimo Bulbul e sua esposa, a produtora e figurinista Biza Vianna, conceberam a exposição móvel Herança Africana – Intervenções Urbanas a Caminho do Porto para a programação paralela do 6º Encontro de Cinema Negro Brasil, África e Caribe, no final de novembro de 2012, no Cinema Odeon, evento criado por ele. Nessa edição, foi homenageado pelos 50 anos de sua carreira. Zózimo Bulbul foi o primeiro ator negro a participar de novela, fazendo par romântico com Leila Diniz em Vidas em conflito, 1969, na TV Excelsior.
Artes plásticas, dança, roda de conversa, degustação gastronômica do continente negro, formavam o belo cotejo, do Largo de São Francisco ao Jardim Suspenso do Valongo, reverenciando a cultura africana e sua influência na formação da identidade cultural brasileira. No meio da multidão, com a saúde debilitada – tratava de um câncer no intestino - o ator com o brilho de sua ancestralidade.
Dois meses depois, na manhã do dia 24 de janeiro de 2013, Biza Vianna estava ao seu lado quando sofreu um infarto em seu apartamento, na praia do Flamengo, falecendo aos 75 anos.
Sob o sol do meio-dia de 25 de janeiro, Zózimo Bulbul fez novamente o percurso das Intervenções Urbanas a Caminho do Porto. Foi enterrado no cemitério do Caju, na mesma zona portuária, no mesmo chão onde desembarcaram seus antepassados, “entre cantos e chibatas”, como escreveu Aldir Blanc sobre outro bravo feiticeiro reaparecido há muito tempo nas águas da Guanabara.
Acima, o diretor e uma cena de seu filme Alma no olho, 1973.

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