"Pensa que não entendo? O inútil sonho de ser. Não parecer, mas ser. Estar alerta em todos os momentos. A luta: o que você é com os outros e o que você realmente é. Um sentimento de vertigem e a constante fome de finalmente ser exposta. Ser vista por dentro, cortada, até mesmo eliminada. Cada tom de voz uma mentira. Cada gesto, falso. Cada sorriso uma careta. Cometer suicídio? Nem pensar. Você não faz coisas desse gênero. Mas pode se recusar a se mover e ficar em silêncio. Então, pelo menos, não está mentindo. Você pode se fechar, se fechar para o mundo. Então, não tem que interpretar papéis, fazer caras, gestos falsos. Acreditaria que sim, mas a realidade é diabólica. Seu esconderijo não é a prova d’água. A vida engana em todos os aspectos. Você é forçada a reagir. Ninguém pergunta se é real ou não, se é sincera ou mentirosa. Isso só é importante no teatro. Talvez nem nele. Entendo porque não fala, porque não se movimenta. Sua apatia se tornou um papel fantástico. Entendo e admiro você. Acho que deveria representar esse papel até o fim, até que não seja mais interessante. Então pode esquecer como esquece seus papéis.”
Esta é a principal fala do filme Persona, que Ingmar Bergman dirigiu em 1966. A enfermeira, que não por acaso se chama Alma (Bibi Andersson), dá uma espécie de diagnóstico a Elisabeth (Liv Ullman), uma atriz de teatro, que durante a apresentação da peça Electra, de Eurípedes, fica muda, e assim passa a viver, em silêncio diante de tudo, em atos comezinhos, em gestos minimalistas, sem nenhuma doença visível.
É uma das mais belas falas da história do cinema, com interpretações magistrais de Ulmman e Andersson (foto). Elas se entregam às suas personagens de forma anímica, uma retratando na outra o que seria o ser e a aparência. E no cinema de Bergman as aparências não enganam.
O cineasta sueco é o mais implacável dissecador da alma humana. Poucos diretores conseguiram adentrar com a câmera os mais secretos sentimentos que encantam e perturbam o homem em suas relações afetivas.
Os seus personagens não escapam de sondagem psicológica, seus roteiros não se livram de acepção filosófica.
Bibi Anderson, uma das musas de Bergman, com quem fez outros filmes marcantes, como O sétimo selo, Morangos silvestres e No limiar da vida, ficará merecidamente marcada como a alma de Persona. Sem trocadilhos.
A atriz partiu hoje para outros sets, aos 83 anos. Estava internada em um hospital em Estocolmo desde 2009, quando sofreu um AVC.
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