O cineasta baiano Olney São Paulo morreu jovem, aos 41 anos, em 1978, de câncer no pulmão. Mas o laudo verdadeiro foi consequência do que sofreu na prisão quando detido pelos militares no final de 1969 por conta de seu filme, Manhã cinzenta, que teve os negativos e as cópias recolhidas. O então diretor da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Cosme Alves Neto, conseguiu esconder uma cópia, e assim o média-metragem foi exibido no ano seguinte em festivais na Itália, na Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes, e premiado no Festival de Oberhausen, Alemanha, em 1972.
Misturando poesia, alegoria e ficção-científica, com um narrativa não-linear e ousada, o filme mostra um casal de estudantes que é preso após uma passeata. São torturados e respondem a um inquérito comandado por um robô, em um país fictício da América Latina.
Mesmo tendo como pano de fundo o momento político da época, com cenas gravadas nas ruas durante manifestações estudantis e de trabalhadores, o que motivou a detenção do cineasta foi o fato do filme ter sido exibido durante o voo de um avião sequestrado pelo MR-8 e desviado para Cuba. Um dos membros era cineclubista, adquiriu uma cópia, e tinha o filme como exemplo de patriotismo.
Olney São Paulo foi acusado pelos militares de ligação com o grupo revolucionário, e como numa situação premonitória do enredo do seu filme, foi torturado durante doze dias. Após ser libertado, muito debilitado, foi internado com pneumonia. Mesmo absolvido pelo Superior Tribunal Militar, em 1972, das acusações de subversão, Olney não se livrou do trauma nem recuperou a saúde.
Vários tributos foram feitos como reconhecimento à história do cineasta. Em 1999, a jornalista Ângela José publicou a biografia Olney São Paulo e a peleja do cinema sertanejo, onde registra a vida do “artista extremamente preocupado em documentar a cultura e a luta do homem brasileiro diante das perspectivas sociais e políticas de sua época”.
Em 2011 o cineasta conterrâneo Henrique Dantas realizou o curta Ser tão cinzento, onde recria diversas passagens desse clássico, com depoimentos de pessoas que participaram da produção do filme e de amigos. Dantas estendeu sua consideração dois anos depois, com o longa Sinais de Cinza – A Peleja de Olney contra o dragão da maldade, um primoroso retrato biográfico, onde convergem as várias formas de visão da filmografia peculiar de Olney, que realizou três longas, três médias e nove curtas, deixando uma considerável influência sobre o cinema político que se faria mais tarde no país.
Glauber Rocha, que o chamava de "mártyr do cinema brasileiro", escreveu em seu livro Revolução do Cinema Novo, 1981, que “Olney é a Metáfora de uma Alegorya. Retirante dos sertões para o litoral – o cineasta foi perseguido, preso e torturado. A Embrafilme não o ajudou, transformando-o no símbolo do censurado e reprimido. ‘Manhã Cinzenta’ é o grande filmexplosão de 1968 e supera incontestavelmente os delírios pequeno-burgueses dos histéricos udigrudistas (...). Panfleto bárbaro e sofisticado, revolucionário a ponto de provocar prisão, tortura e iniciativa mortal no corpo do Artysta.”
Não há motivos para comemorações no próximo dia 31. 1964 nunca mais outra vez!
Nenhum comentário:
Postar um comentário