“Quem é essa mulher/que canta sempre esse estribilho/só queria embalar meu filho/que mora na escuridão do mar”
Essa mulher é Zuzu Angel. Esses versos são da música “Angélica”, que Chico Buarque compôs para ela, logo após sua morte em 1976, e está no disco “Almanaque”, de 1981. O filho que deixou de ser embalado pela mãe, era Stuart Angel, estudante de Economia, preso em maio dos anos de chumbo de 1971, por agentes do Centro de Informação da Aeronáutica, torturado e assassinado, e o corpo possivelmente jogado na escuridão do mar. Tinha 26 anos, era militante do Movimento Revolucionário 8 de outubro, o MR-8. Há relatos horríveis de testemunhas que estiveram com o rapaz na prisão, como Alex Polari, que disse ter visto ele ser arrastado por um jipe, com a boca no cano de descarga.
A mãe, estilista reconhecida no Brasil e no exterior, dedicou sua vida a denunciar a morte do filho, enfrentando com coragem os generais da ditadura, apontando-os nominalmente, criando peças com estampas que representavam o período de repressão em que se vivia. Ela sempre foi uma estilista ousada, fazendo roupas com pedras e rendas do Nordeste, desvinculando-se da maneira colonizada de se vestir. Em abril de 1976, Zuzu Angel morreu misteriosamente em “acidente” de automóvel na saída do túnel Dois Irmãos, na Estrada da Gávea, Rio de Janeiro, local que hoje tem seu nome.
O cineasta Sérgio Rezende lançou nesta semana o filme “Zuzu Angel”, sobre a vida dessa mulher que usou a moda para denunciar a ditadura militar no Brasil. Antes, Walter Salles e Roberto Gervitz (que fez recentemente “Jogo subterrâneo”), tentaram lá pelo anos 80 passar para a tela essa história singular. Pelo que se sabe, a jornalista Hildegard Angel, filha de Zuzu, não gostou muito dos roteiros apresentados. Era uma “personagem fictícia”, dizia.
O novo roteiro, escrito por Rezende e Marcos Berstein (diretor de “O outro lado da rua”), aborda a trajetória de sofrimento não somente no aspecto biográfico, mas do período difícil dos anos 70.
Patrícia Pillar vive a estilista no filme. A atriz que foi a primeira escalada para interpretar “Olga”, numa produção que não seria digirida por Jaime Monjardim, mas por Luiz Fernando Carvalho ("Lavoura arcaica"), teve a oportunidade agora de viver o papel de outra heroína de nossa história recente.
Um nome de destaque no elenco é Daniel de Oliveira, ele mesmo, o que encarnou com perfeição Cazuza no filme de Sandra Werneck e Walter Carvalho. Desta vez ele é o filho desaparecido de Zuzu.
3 comentários:
Amigo Nirton: Fico encantada com seu blog, na forma como voce o organiza.
Ele tem todos os assuntos que gosto na melhor estrutura,numa diagramação
estimulante prá devorá-lo.
Obrigada por dividir comigo essa pesquisa.
Meu caro, assim como Zuzu, outras tantas mulheres exerceram essa força para subverter a realidade e não aceitar o dito e o feito. Ainda hoje, seja aqui ou em outro lugar, a história continua forjando pessoas de fibra e coragem.
p.s: recebi um email seu, Uma vergonha, mas, não consegui abrir.
hábraços
Assisti Zuzu Angel numa sessão especial de Encontros O Globo de Cinema, com direito a debate após a projeção com a atriz Patrícia Pillar, o diretor Sérgio Rezende e o produtor Joaquim Vaz de Caervalho. Tudo aquilo que tinha visto de errado em Olga (para mim, uma das maiores decepções do cinema nacional), dessa vez foi trabalhado de forma brilhante por Sérgio Rezende. O filme é uma obra-prima (acho difícil que outra produção cinematográfica nacional este ano mereça mais do que esta concorrer a uma das vagas ao Oscar de melhor filme estrangeiro). O trabalho de Patrícia Pillar como Zuzu e o de Daniel de Oliveira como Stuart Angel são soberbos. Sem contar a fotografia exuberante e a trilha sonora (que só por conter Angélica, já dá uma mostra de seu teor forte de denúncia). Uma explosão de imagens mescladas a um forte desejo de indignação por parte do espectador. Abraços do crítico da caverna cinematográfica.
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