sábado, 31 de julho de 2021

envelhecer

 


Antes, todos os caminhos iam.

Agora todos os caminhos vêm

A casa é acolhedora, os livros poucos.

E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

- poema de Mário Quintana publicado no livro Sapato florido, 1948.

Em 1985 a fotógrafa Liane Neves aproximou-se do poeta e iniciou-se uma longa amizade. Passou a registrar o seu cotidiano em Porto Alegre, pelas ruas onde gostava de andar, pela ponte do Guaíba, na bucólica e histórica Travessa dos Venezianos, onde fez a foto abaixo, em 1986, com o poeta admirando os caminhos que vinham, os caminhos que iam...

Depois que Quintana faleceu, em 1994, Liane doou todo acervo fotográfico para a Associação dos Amigos da Casa de Cultura Mário Quintana. Em 2004 publicou A Porto Alegre de Mario Quintana, com as fotos dos lugares onde poeta eternizou em seus versos.

Ontem, 115 anos de nascimento do passarinho que nunca envelheceu.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

o descaso em chamas


foto Ariane Breyton

"O desgoverno é um caos calculado. Quase todos os dias é preciso plantar disparates, semear intrigas e gerar confusão. Essa lógica perversa é necessária para alimentar um incêndio sem fim, e fazer do fogo um prisioneiro da fogueira, como dizem os versos de João Cabral.”

- Escritor Milton Hatoum no início de 2019 sobre o desgoverno da alma sebosa que se instalava no país.
O incêndio que consome desde o início da noite de hoje o depósito com dois mil filmes históricos e documentos na Cinema Brasileira em São Paulo, faz parte do caos calculado desse desgoverno escroto, ordinário, vil, genocida.
Ao contrário do que o noticiário informa, que não há vítimas sob as chamas, há sim: somos todos nós.

o imaginário Buñuel


"A memória é permanentemente invadida pela imaginação e pelo devaneio, e como existe uma tentação de acreditar no imaginário, acabamos por transformar nossa mentira em verdade."

Luis Buñuel, cineasta espanhol que nos deu o prazer do devaneio e da imaginação em mais de trinta filmes ao longo de sua carreira.
Obras como Viridiana (Viridiana), 1961, O anjo exterminador (El angel exterminador), 1962, A bela da tarde (Belle de jour), 1967, O estranho caminho de São Tiago (La voie lactée), 1969, Tristana, uma paixão mórbida (Tristana), 1970, O discreto charme da burguesia (Le charme discret de la bourgeoisie), 1974, estão definitivamente registradas na história do cinema.
São indispensáveis, merecem sempre revisões e deleites. Buñuel viveu e trabalhou por muito tempo na França e também no México, onde fez um filme belíssimo sobre delinquência juvenil, Os esquecidos (Los olvidados), 1950. E foi lá que ele se exilou, já abatido pela surdez e considerando finalizada sua contribuição ao cinema, embora desejasse filmar A Casa de Bernarda Alba, última peça do compatriota Federico García Lorca, 1936.
Meu último suspiro, livro de memórias de uma sinceridade comovente, lançado um ano antes de sua morte, 29 de julho de 1983, foi ditado em longas conversas ao seu amigo, roteirista Jean-Claude Carrière.
Acima, Buñuel fotografado por outro grande amigo, cineasta Carlos Saura, década de 70.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

luz, câmera, imaginação!


"Existe algo mais importante do que a lógica: é a imaginação. Se pensamos primeiramente na lógica, não podemos imaginar mais nada."

- Alfred Hitchcock
Crianças de Gulu, cidade da Região Norte de Uganda, fazem cinema com uma ideia na mão e a câmera na cabeça.

terça-feira, 27 de julho de 2021

então eu escuto


A cantora, compositora, instrumentista e escritora carioca Luli é uma das mais autênticas artistas da música brasileira. Autenticidade que se manifestava pelo comportamento, pensamento e escolha de vida pessoal, em plena década de 70, quando os costumes mais avançados e libertadores eram vistos de viés pelo conservadorismo de uma elite afinada com o regime militar vigente.

Luli, que se destacou na dupla com Lucina, gravando ótimos discos independentes e conceituais, não só rompeu padrões de pressões de gravadoras e amarras estéticas da música, como ousou na prática o ideário da contracultura, ao viverem um casamento a três com o fotógrafo Luiz Fernando Borges (falecido em 1990) e os quatro filhos da relação.
É autora de mais de 800 canções, entre elas Fala e O vira, compostas com João Ricardo, e cristalizadas como mais tocadas do clássico disco do Secos & Molhados, 1973. Aliás, Ney Matogrosso tornou-se um intérprete particularmente emblemático, identificado com as canções da dupla. Pedra de rio, do seu primeiro disco solo, Água do Céu – Pássaro, de 1975, e Bandolero, do álbum Feitiço, 1978, dizem bem dessa alquimia entre intérprete e compositoras.
Em 2015 foi lançado Yorimatã, filme documentário biográfico em longa-metragem sobre as cantoras, dirigido por Rafael Saar, selecionado em mais de vinte festivais e premiado em cinco.
A natureza do mar, dos rios e das matas, é a matéria-prima, orgânica, das músicas de Luli, ou Luhli, como passou assinar nos anos 90. O sítio perto do mar em Filgueiras, em Mangaratiba, RJ, abrigou por muito tempo o coração e as composições da artista.
Luhli partiu para outros sítios no final da tarde do dia 26 de setembro de 2018, aos 73 anos, depois de internada por um mês, tratando-se de um quadro crônico de asma complicado por pneumonia.
Abaixo, uma das mais belas homenagens que o cinema fez a uma canção e sua autoria: o ator pernambucano Irandhir Santos interpreta, coreografa, dubla Ney Matogrosso em Fala, numa sequência do ótimo A história da eternidade, que Camilo Cavalcante dirigiu em 2014.
Na cena, as atrizes paraibanas Marcélia Cartaxo e Zezita Matos e a cearense Débora Ingrid.



um girassol da cor dos seus cabelos


Em dezembro de 1888, em um momento de forte depressão, o pintor holandês Vincent Van Gogh cortou com uma navalha um pedaço da própria orelha esquerda. Embrulhou em um lenço e levou para uma amiga, a prostituta Rachel, que desmaiou ao receber o mórbido presente natalino. "Guarde com cuidado", dizia um bilhete anexo.

Essa é a versão que conhecemos sobre o fato ao longo desses dois séculos. Em 2009, os historiadores suíços Hans Kaufmann e Rita Wildegans publicaram Van Goghs Ohr, Paul Gauguin und der Packt des Schweigens (A orelha de Van Gogh, Paul Gaugin e o pacto de silêncio), resultado de dez anos de pesquisa, e conta outra história para a atitude radical do pintor.

No bombástico livro, os autores apontam situações que em parte sabemos, a relação difícil de Van Gogh com o pintor francês Paul Gauguin. Morando juntos por um tempo, os dois discutiam muito sobre conceitos e formas de criação artística, e suas teorias eram sempre incompatíveis. Van Gogh, de temperamento instável, não se conformava com o plano do amigo sair do atelier nos arredores de Paris e voltar para a capital. Queria mantê-lo sempre por perto. Gauguin era um exímio esgrimista, e numa violenta discussão o fere acidentalmente. Diante da tragédia, sem quererem repercussão, os dois fizeram pacto de silêncio. Apaixonado pelo amigo, Van Gogh manteve a história de autoflagelo. Foi internado por um ano num hospício, e ao sair, no tempo que não se imaginavam as selfies, postou-se diante do espelho e pintou para a posteridade, e eternidade, o que se tornou uma de suas obras mais conhecidas, Autorretrato com orelha e tubo enfaixados, 1889. O quadro está exposto no Instituto de Arte Courtauld, em Londres.
Mas Van Gogh foi ao extremo: suicidou-se dois anos depois, no dia 27 de julho.
O livro de Kaufmann e Wildegans, em uma investigação preciosa, baseia-se em inúmeras cartas de amigos e dos próprios pintores, relatórios policiais, escritos de testemunhas, notas de jornais. A leitura joga novas luzes sobre os girassóis.

segunda-feira, 26 de julho de 2021

o iluminado Stanley Kubrick

 

"Se
algo pode ser escrito, ou pensado, pode ser filmado."

93 anos de nascimento do gênio que filmou o que pensou e escreveu.

síntese da flor


foto Missy Gaido Allen 

a nuvem que de ambígua se dilui
nesse objeto mais vago do que nuvem
e mais indefeso, corpo! corpo, corpo
verdade tão final, sede tão vária
e esse cavalo solto pela cama
a passear o peito de quem ama.
- tercetos do soneto Quarto em desordem, de Carlos Drummond de Andrade, publicado no livro Fazendeiro do Ar, 1954.

escreve em meu corpo


A jovem Nagiko procura incessantemente um amante ideal, alguém que satisfaça um desejo de cumplicidade entre o corpo e a escrita.

Esse curioso enredo é de autoria de Sei Shōnagon, uma dama que viveu na corte japonesa no distante século X.
Trazido do universo medieval e adaptado para a idade 'mídia' do século XX pelo cineasta britânico Peter Greenaway, Livro de cabeceira (The pillow book), 1996, é um belo filme sobre a analogia do poder sensual da escrita com o encantamento e elevação sexual.

domingo, 25 de julho de 2021

lavando as palavras


Em um trecho da entrevista concedida ao jornalista Joel Silveira, na Livraria José Olympio, no Rio de Janeiro, em 1948, Graciliano Ramos disse que "Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar.
Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."

Essa e muitas outras entrevistas, com enquetes e depoimentos, estão reunidas no livro Conversas: Graciliano Ramos, organizado por Thiago Mio Salla e Ieda Lebensztayn, publicado pela Editora Record, em 2014. Os autores compilaram um riquíssimo material de 1910 a 1952, dando um painel da vida pessoal, intelectual e política do grande escritor alagoano.
A precisão da palavra na obra de Graciliano é definição desse pensamento pontuado na entrevista.
Graciliano está para a prosa assim como João Cabral de Melo Neto para a poesia. A síntese da palavra, a palavra certa na síntese, é o ouro verdadeiro que brilha em seus livros. A secura de sua literatura não é aridez, é concisão, é métrica em diálogos, é a dissecação dos sentimentos dos personagens e desenho definido dos conflitos, sem rodeios, a fundo. Graciliano é um minimalista do sertão, se destitui de excessos para fixar no âmago. Por isso sua palavra diz.
Vidas secas, publicado em 1938, por exemplo, é uma espécie de romance-haicai, pelo texto e os diálogos sincopados. E essa objetividade e determinismo do escritor, faz o leitor partícipe do destino daquela família de retirantes.
Assim como o romance citado, todos os livros de Graciliano têm essa beleza e esse olhar determinado da escrita. São Bernardo, Angústia, Caetés, Insônia, os memorialistas Infância e Memórias do cárcere, tudo, até mesmo a bela obra de correspondências, Cartas de amor à Heloísa, é de um esplendor poético impressionante pelo rigor das palavras.
Comemora-se hoje no Brasil o Dia do Escritor. A data foi escolhida em 1960 durante o 1º Festival do Escritor Brasileiro, criado pelos integrantes da presidência da União Brasileira de Escritores, João Peregrino Júnior e Jorge Amado. O potiguar Peregrino Júnior, médico de formação, foi jornalista, autor de romances e livros em sua área acadêmica. O escritor baiano já tinha mais de dez obras publicadas, e foi o que mais manifestou, com a iniciativa do evento, sua preocupação em garantir maior visibilidade ao profissional de letras. O então ministro da Educação e Cultura da época, Pedro Paulo Penido, no governo Juscelino Kubitschek, oficializou a data por meio de uma portaria publicada dois dias antes do dia escolhido.
25 de julho, de Graciliano nas margens das águas alagoanas, da Bahia de todos os santos de Jorge Amado, das terras sem fim de todos os escritores brasileiros, hoje é dia também das lavadeiras, que nos ensinam tão bem a escrever.

sábado, 24 de julho de 2021

a visão do andróide


"Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque em chamas ao largo de Órion. Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portal de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer.'’

- Roy Batty, icônico personagem interpretado pelo ator holandês Rutger Hauer na cena final de Blade Runner, de Ridley Scott, 1982. A fala foi parcialmente improvisada na filmagem e aceita pelo diretor na edição, impressionado com o envolvimento de Hauer no monólogo diante a distopia.
O personagem morre em 2019, ano em que é ambientado esse que é um dos filmes de ficção científica mais inquietantes sobre o colapso da civilização.
Como uma coincidência que não imaginaríamos, o ator faleceu no dia 19 de julho de 2019, aos 75 anos, depois de uma curta doença não especificada. Sua hora de morrer só foi divulgada no dia do funeral, 24 de julho.
Lágrimas sob uma fina chuva no ritual de despedida em Opsterland, município dos Países Baixos onde Hauer morava.

sexta-feira, 23 de julho de 2021

o último show

 

"Todo dia em que eu levanto e subo num palco é como se fosse o último show pra mim."

A cantora estadunidense Sharon Jones, nascida na Georgia, na região sudeste ao lado Rio Mississippi, disse em uma entrevista quando esteve em 2015 no Brasil, para uma série de apresentações em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre.
Mesmo diagnosticada com câncer, a grande dama do rhythm and blues, do soul e do autêntico funk, não pronunciava como uma sentença, em tom fatalista, mas como um aprendizado diário para enfrentar as dificuldades e respirar as manhãs que a vida lhe oferecia. Dizia que seguia à risca a máxima de Horácio: “...carpe diem, quam minimum credula postero" / “...colha o dia de hoje e confie o mínimo possível no amanhã”. O verso do poeta e filósofo epicurista romano, direcionado a sua amiga Leucônoe, está em seu Livro I da trilogia Odes, 23 a.C., aconselhando-a a não procurar adivinhar o futuro.
Sharon Jones gravou seu primeiro disco, Dap Dippin' with Sharon Jones and The Dap-Kings, em 2002, aos 46 anos. Foi "redescoberta" quando Amy Winehouse declarou total influência de sua música. Não à toa, metade das faixas do já


antológico Back to black, 2006, tem a participação de The Dap-Kings, banda que acompanhava a cantora americana desde o início de sua carreira, e que se tornou uma marca indissociável de ritmo e voz, entre os arranjos metais e a vocalista.
Sharon se foi numa noite de novembro do 2016, aos 60 anos. Cinco anos antes, no final da tarde de 23 de julho, sua discípula Winehouse foi atendida por médicos em seu apartamento no bairro de Camden Town, em Londres. Não havia mais o que fazer diante do corpo encontrado pelo seu segurança. A cantora teve morte confirmada, oficialmente diagnosticada por parada respiratória provocada por excesso de bebidas alcoólicas depois de um período de abstinência.
Sharon Jones dizia que aproveitava cada dia como partisse em seguida. Amy, como uma Leucônoe às avessas na compulsão do século 21, revelava nos versos confessionais de Back to black, uma de todas de suas composições sobre o amor, seus sortilégios e outros precipícios, que “I died a hundred times”. Tinha morrido mil vezes, a cada noite, a cada show, a cada dia de sua curta e intensa vida. “He left no time to regret”. E nunca manifestou arrependimento por nada, decidiu trilhar seu caminho problemático. "They tried to make me go to rehab, but I said: no, no, no."
E entre Sharon e Amy, depois do último show de cada uma, apenas nos despedimos com palavras. We only said goodbye with words.
foto de Amy, Juan Medina, 2008
foto de Sharon Jones, Ebet Roberts, 2012

quinta-feira, 22 de julho de 2021

o mapa do coração

Nos demais – eu sei,
qualquer um o sabe –
o coração tem domicílio, no peito.
Comigo, a anatomia ficou louca.

Como diz o título do ótimo artigo de Larissa Drigo Agostinho, mestra e doutora em literatura, publicado na Folha de São Paulo em 16 de agosto de 2019, “Maiakovski cantava o amor como quem escrevia a revolução.”
O texto analisa, por ocasião do relançamento de Sobre isto, pela Editora 34, o livro-poema que Vladimir Maiakovski escreveu em estado de dilaceramento do coração, recluso em seu pequeno apartamento em Moscou, entre os angustiantes meses de dezembro de 1922 a fevereiro do ano seguinte. Ele se separara de Lília Brack, seu grande amor, depois de uma grave discussão, quando se viu ferido justo na garganta pela flecha preta do ciúme, como diz Caetano em sua caudalosa canção. Tudo sempre esbarra embriagado de seu lume.
“Sem você eu paro de existir”, escreveu o poeta em uma carta à amada concordando com o pacto de silêncio e distanciamento entre ambos. E partiu para o exílio entre quatro paredes. Político e lírico ao mesmo tempo, Maiakovski entregou-se a esse livro na mesma proporção que se entregava a uma causa do mundo. Se odiava a mesmice da vida burguesa, a inércia e a imobilidade, como aponta Larissa Drigo em seu artigo, o poeta canta e desencanta o amor porque esse é também doído e corroído pela miséria de todos os dias. Morto em 1930, desfazendo-se em ato extremo, aos 36 anos, Maiakovski considerava o livro sobre isto de graça e sortilégios do amor sua melhor obra. "Quero viver até o fim o que me cabe!", preconizou em verso-lápide no poema.
Sobre isto inspirou Caetano Veloso a compor O amor, fragmento adaptado, gravado pela interpretação magnífica de Gal Gosta no disco Fantasia, 1981. Nos versos mais cortantes Maiakovski pede que “Ressuscita-me, / nem que seja só porque te esperava / como um poeta, / repelindo o absurdo quotidiano!”, ao que o baiano arrematou com um risco de esperança, “Ressuscita-me ainda que mais não seja / porque sou poeta / e ansiava o futuro”.
Entre o mundo lá fora e o quarto cá dentro, entre as causas de dores externas e os causos de horrores internos, entre os amores e tantos outros precipícios, entre o cubofuturismo russo e o barroco recôncavo de Santo Amaro, os poetas auscultam os corações dos poetas.
O trecho no início da postagem é do poema Adultos, que Maiakovski escreveu antes, publicado em Antologia poética por volta de 1922. Mas o mapa do coração é o mesmo, sempre. O mesmo domicílio no mesmo peito. A anatomia ficou louca, como mostra abaixo a reprodução de um postal português de 1904, com relevo em almofada, postado por um amante a bordo do navio Congo, para que a amada além-mar pudesse apalpar a geografia da saudade ao recebê-lo.
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Texto, com adaptações para esta postagem, inserido num capítulo do meu livro ©Crônicas do Olhar, Editora Radiadora.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

vintage


"O eco de antigas palavras / fragmentos de cartas, poemas / mentiras, retratos..."

- versos da canção Futuros amantes, de Chico Buarque, gravada no disco "Paratodos", 1993.

terça-feira, 20 de julho de 2021

um verme passeia na lua cheia...*


 *Verso final de Flores astrais, do poeta e jornalista português João Apolinário, publicado no livro Primavera de estrelas, 1961.

Assim como vários outros, o poema foi musicado pelo seu filho João Ricardo, que integrou o já legendário grupo Secos & Molhados, de importância marcante na história da música brasileira. A canção está no primeiro e antológico disco, de 1974.
Apolinário foi um dos mais combativos intelectuais na luta contra o fascismo em sua terra natal, durante a ditadura salazarista, que assolou o chão português de 1932 a 1968, e teve, infelizmente, continuidade com o governo de outro fascista, Marcelo Caetano, até 1974.
O poeta foi perseguido, preso e torturado. Em 1963 exilou-se no Brasil e no ano seguinte caiu noutra ditadura, e aqui novamente perseguido pela policia política do regime, vigiado em seu trabalho de jornalista e crítico teatral. Apolinário voltou a Portugal somente depois da Revolução dos Cravos, vitorioso movimento popular que pôs fim a 42 anos de ditadura, e lá ficou até falecer em 1988.
O verso que aqui uso como título cabe muito bem quando se relembra hoje os 52 anos do pouso da Apollo 11 na Lua, embora tenha sido escrito oito anos antes. Premonitório.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

nove entre dez


Caetano Veloso considera Nine out of ten sua melhor música em inglês, de um dos seus discos preferidos, Transa, gravado durante o exílio em Londres, 1971, e lançado no ano seguinte no Brasil.

É realmente uma obra-prima, com arranjos de Jards Macalé, Tutti Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Sousa, que não estão creditados no LP, o que deixou Macalé chateado por um longo tempo com Caetano, que por sua vez esbravejou com o autor da capa e encarte, Álvaro Guimarães, "como é que bota essa bobagem de dobra-e-desdobra, parece que vai fazer um abajur com a capa, e não bota a ficha técnica?!".
O "dobra-e-desdobra" que ele fala era uma invenção bem no clima da época, que dava a opção de pegar as folhas do encarte, em formato tridimensional, e fazer uma espécie de origami tropicalista.

domingo, 18 de julho de 2021

fora do ar


A Rede Tupi foi a primeira emissora de televisão do Brasil, da América Latina e a quarta do mundo, criada em 1950, por Assis Chateaubriand.

Essa logomarca está na memória afetiva de muita gente.
Há 41 anos que a vinheta com o simpático indiozinho tupiniquim saiu definitivamente das tribos urbanas.

sábado, 17 de julho de 2021

a voz de Billie


Hoje, 62 anos de morte da grande cantora Bille Holiday, respostagem do texto incluído num capítulo do meu livro ©Crônicas do Olhar, a ser lançado pela Editora Radiadora.

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A VOZ DE BILLIE
“Southern trees bear strange fruit / Blood on the leaves and blood at the root / Black bodies swinging in the southern breeze / Strange fruit hanging from the poplar trees...”
- Versos iniciais da canção Strange fruit que a cantora Billie Holiday cristalizou numa interpretação lancinante, extraída vagarosamente de cada recanto onde o coração arfava cada palavra. A letra é um dos hinos mais doídos sobre o racismo nos Estados Unidos, considerada a primeira canção de protesto, mais explicitamente sobre o linchamento de negros.
Numa tradução livre, tentando aqui alcançar a essência da composição, Billie fala das árvores do sul que produzem uma fruta estranha, penduradas nos álamos, que derramam sangue em suas folhas e nas raízes. A referência é direta, o sentido mais do que alegórico: o grafismo nítido dos corpos de negros enforcados, balançando na brisa do sul.
De autoria do judeu branco Abel Meeropol, poeta e professor num colégio no Bronx, foi apresentada a Billie em 1939, no Cafe Society, um bar no porão de um prédio em Greenwich Village. A cantora ouviu e na mesma noite cantou. O impacto foi tão grande que por meses seguintes Billie ia ao local somente para interpretar Strange fruit.
Sua presença magnetizante no pequeno palco silenciava a plateia. Até os garçons paravam, evitando qualquer barulho, numa preparação de ambientação sacra. As luzes diminuíam, um único facho no rosto da cantora. Aquele pequeno universo subterrâneo tornava-se um útero onde pulsavam o lamento e a revolta contra a violência racial. Em um momento da letra, Billie Holiday torcia a boca, desenhando a expressão de rosto esganado numa árvore. Cantava e saía discretamente como entrava, e ia embora ouvindo os aplausos da calçada.
Em 2012 foi lançado o livro Strange fruit - a biografia de uma canção, de David Margolick, onde relata toda a história da emblemática composição.
Daquela data até os anos 2000, quase 100 versões foram gravadas de Strange fruit, de Carmen McRae a Nina Simone, de Diana Ross a Cocteau Twins, de Blue Spirit Blues a Sting, de Wynton Marsalis Quintet a Tori Amos, mas nenhuma tem os componentes de indignação e resistência tão genuínos como a anímica e elegíaca interpretação de Billie Holiday. Como disse William Duffy, coautor da biografia Lady Sings the Blues, 1959, “Billie não canta músicas; ela as transforma".
O que caracteriza o estilo de Billie Holiday é justamente o âmago da execução de cada nota em sua voz. A medula da alma na expressão melódica. Sua conturbada vida parece desfolhar-se em cada faixa dos quase 50 discos gravados, em estúdio e ao vivo.
Quando Billie nasceu, seu pai, um tocador de banjo, tinha apenas quinze anos de idade e sua mãe não mais do que treze. Ele abandonou a família, a mãe sumia nas noites, deixava a filha bebê com parentes. Negra, pobre, desamparada, a garota amargou infortúnios logo cedo. Foi violentada aos dez anos de idade por um vizinho. Internou-se em casa de correção, lavou chão de prostíbulo, e virou prostituta aos catorze anos. Isso na Nova York dos anos 20.
Na década seguinte começou como cantora, quando foi descoberta por um pianista em um bar do Harlem. Sua voz conquistou nomes como Benny Goodman, Count Basie, Artie Shaw, Duke Ellington e Louis Armstrong. Fez concertos com todos eles.
Nos anos 40, Billie entrou numa de ruim para pior. Relações amorosas humilhantes, agredida em três casamentos, surtos de depressão por não poder engravidar, descontrole dos rendimentos em seus shows, enganada por sócios, ludibriada por empresários.
Internada no começo de 1959 com agravamento de cirrose hepática, insuficiência cardíaca e edema pulmonar, faleceu meses depois, no final da tarde de 17 de julho.
Tinha 44 anos, dez quilos a menos, e o olhar triste no teto do quarto.
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Foto ilustrativa para esta postagem: Dennis Stock, 1958.
©Steven Kasher Gallery

o erro e o acerto do cinema brasileiro


fotógrafo e cineasta Walter Carvalho.

Trecho do documentário Iluminados, de Cristina Leal, 2007

sexta-feira, 16 de julho de 2021

sambista de valor


"Não tenho veia poética, mas canto com muita tática,
não faço questão de métrica, mas não dispenso a gramática"

Trecho com muita poética de O que vier eu traço, samba de 1926, de Alvaiade, batizado Oswaldo dos Santos, um dos maiores compositores brasileiros, carioca da gema, sambista de primeira ligado a Portela, exímio orador, tocava vários instrumentos, do cavaquinho a percussão.

A composição, em parceria com Zé Maria, ficou célebre com a ótima interpretação de chorinho apressado de Ademilde Fonseca, em gravação nos anos 40. As novas gerações conhecem a versão em “beat acelerado”, também admirável, de Baby ainda Consuelo, em disco que tem o título da música, de 1978. E, entre outras interpretações, a turma mais recente, das rodas de bamba e plataformas digitais, ouviu na simpática voz da sambista Teresa Cristina.
Clássicos como esse dignificam nossa rica música brasileira. E por trás de tanta beleza, métrica e gramática, muitos de nossos artistas do passado sobreviveram traçando com muita tática o que viesse de trabalho. Alvaiade segurava a onda e o tamborim do dia a dia, com um salário de tipógrafo.
Como bem cantou Paulinho da Viola em 14 anos, "sambista não tem valor nesta terra de doutor", quando faleceu em 1981, aos 68 anos, Alvaiade passava dificuldades, tinha uma aposentadoria mixuruca.
Seu corpo permaneceu dois dias no IML antes de ser reconhecido. E seu nome continua pouco reconhecido.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

a sereia de Rive Gauche


Vange Leonel, cantora e compositora, faleceu precocemente em 14 de julho de 2014, depois de vários dias internada num hospital na capital paulista, lutando contra um câncer no ovário. Tinha 51 anos.
Ela foi muito mais do que o sucesso que a projetou no começo dos anos 90, a música Noite preta, tema de abertura da novela Vamp.
Na década de 80, formou a banda pós-punk Nau, uma das mais expressivas e autênticas da cena musical paulistana, com um ótimo disco homônimo lançado em 87. Um ano antes, Vange participou do álbum Cadê as armas?, de As Mercenárias, banda com fortes influências do rock inglês de Siouxsie and the Banshees.
E além da música, o grande legado de Vange Leonel é sua postura admirável na luta pelos direitos de cidadã, como ativista LGBT. Seu pensamento, suas ideias, e, sobretudo, sua poesia em prosa, se manifestou em quatro ótimos livros de temática GLS, assim como em duas peças teatrais e, mais nos últimos anos de vida, como colunista em jornais e revistas.
O impressionante talento de Vange Leonel vem de muito tempo. Bem antes mesmo de mostrar sua criatividade no grupo e disco Nau, formou com seu primo, o então desconhecido Nando Reis, a banda Os Camarões.
A escritora Cilmara Bedaque, companheira de Vange por quase 30 anos, parceira em dezenas de composições, até o último momento, em seu colo, é referência e reverência em sua vida.
O título da postagem é uma menção à peça As sereias da Rive Gauche, que Vange escreveu em 2002, levada aos palcos pela diretora Regina Galdino. O texto faz uma interessante pesquisa e reconstituição sobre o lesbianismo no começo do século passado, mais precisamente em 1928, através de duas escritoras da época que publicaram livros temáticos, a inglesa Radclyffe Hall e a americana Djuna Barnes.7
Acima, seu primeiro disco solo, lançado em 1991.

a aparência do ser


"Pensa que não entendo? O inútil sonho de ser. Não parecer, mas ser. Estar alerta em todos os momentos. A luta: o que você é com os outros e o que você realmente é. Um sentimento de vertigem e a constante fome de finalmente ser exposta. Ser vista por dentro, cortada, até mesmo eliminada. Cada tom de voz uma mentira. Cada gesto, falso. Cada sorriso uma careta. Cometer suicídio? Nem pensar. Você não faz coisas desse gênero. Mas pode se recusar a se mover e ficar em silêncio.”

Essa é a principal fala do filme Persona, que Ingmar Bergman dirigiu em 1966. A enfermeira Alma dá uma espécie de diagnóstico a Elisabeth, atriz de teatro, que durante a apresentação da peça Electra, de Eurípedes, fica muda, e assim passa a viver, em silêncio diante de tudo, em atos comezinhos, em gestos minimalistas, sem nenhuma doença visível.
O sueco Bergman é o mais implacável dissecador da alma humana. Poucos cineastas conseguiram adentrar com a câmera os mais secretos sentimentos que encantam e perturbam o homem em suas relações afetivas.
Os seus personagens não escapam de sondagem psicológica, seus roteiros não se livram de acepção filosófica.
Em Persona, Liv Ullman e Bibi Andersson entregam-se às suas personagens de forma anímica, uma retratando na outra o que seria o ser e a aparência. E no cinema de Bergman as aparências não enganam.
Hoje 103 anos de nascimento do ser Bergman.

terça-feira, 13 de julho de 2021

a bandeira do rock


foto News Group Newspapers

Em 13 de julho de 1985, o irlandês Bob Geldof, ex-vocalista da banda Boomtown Rats, organizou o show Live Aid, que ocorria simultaneamente em Londres e Filadélfia, reunindo vários nomes famosos não somente do rock, como Led Zeppelin, The Who, Rolling Stones, Black Sabbath, também do blues, como B. B. King, e figuras emblemáticas da contestação política nos anos 60, como Joan Baez.

O objetivo era chamar a atenção para a miséria no continente africano, a partir da Etiópia. Muita música, discursos engajados, pressão em cima dos governos ricos para perdoar dívida externa dos países pobres. Se a intenção deu resultados práticos ao longo desses anos, é discutível. Pelo menos, por ocasião do show, e uma segunda edição em 2005, angariou fundos para a causa.
Desde então comemora-se neste cabalístico 13, o Dia Mundial do Rock.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

o poeta e a canção


"Aceite uma ajuda do seu futuro amor
pro aluguel.
Devolva o Neruda que você me tomou
e nunca leu.”

- Versos de Trocando em miúdos, de Chico Buarque, gravada no disco com o seu nome, 1978, uma enviesada rima de combinação de vogal oral com uma nasal na canção para a amada separada.

Musicada por Francis Hime, a composição por pouco não foi liberada pelos censores da ditadura, naquele último ano do governo Geisel, que viram na menção a Neruda, que pertencia ao Partido Comunista Chileno, uma grave ameaça de subversão. Chico Buarque achou um absurdo, argumentou que não havia perigo nenhum na citação. Era um livro de poesia, "apenas".
Afinal, a letra fala de uma separação amorosa, de uma partilha afetiva-cultural, resolvida ali mesmo na sala, longe do desgaste da Vara de Família. Em comum acordo que ele ficaria com o disco do Pixinguinha, o peito dilacerado estava aceitando sem maiores questionamentos a impressão que já ia tarde, nem bateria o portão fazendo alarde quando saísse, ela ficaria protegida com a medida do Bonfim, que para ele não funcionou.
Em última instância, o compositor explicou que a moça nem sequer leu o livro, até pediu para devolvê-lo. Não se sabe se de fato o exemplar foi restituído ao ex-marido, mas o guardião de plantão do Serviço de Censura, diante da argumentação de Chico Buarque, carimbou e devolveu a letra liberada.
Trocando em miúdos - com a licença do trocadilho - o que foi resolvido com o casal na letra da música, não foi tão amigavelmente com os censores. Contenda litigiosa mesmo. Chico Buarque precisou de advogado para intermediar o imbróglio.
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Na foto ilustrativa para esta postagem, Neruda em sua casa em Isla Negra, onde escreveu tantos poemas, muitos que estão no tal livro vai e vem do casal separado.
117 anos hoje de nascimento poeta.

domingo, 11 de julho de 2021

poesia nos bastidores

                                         


O estender do mar é como o impossível:

o lado de cá
é
sempre
o infinito do lado de lá.

E entender de amar é como o impossível:
o meu lado de cá
é
sempre
o infinito do teu lado de lá.

Simetria, do meu livro Poesia provisória, Editora Radiadora, 2019.

Uma conversa hoje com o poeta Mauro Rocha, de Brasília, sobre os bastidores do meu fazer poético nas letras e no cinema.

sábado, 10 de julho de 2021

a última hora de Elvira


Na manhã do dia 10 de julho de 2017 faleceu em São Paulo uma das maiores escritoras da literatura contemporânea, Elvira Vigna, aos 69 anos. Reconhecida e premiada, é autora de romances, contos, ensaios, livros infantis, além de jornalista, tradutora, artista plástica e roteirista de cinema.

Estreou aos 41 anos, com o belíssimo e oportuno Sete anos e um dia, de 1988, ambientado na época da abertura política. Uma obra-prima como narrativa e preciosidade contextual. Seu último livro, Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, Prêmio APCA 2016 de Melhor Romance, é outro exemplo de vigor na estrutura formal descritiva.
Em 2012, quando foi diagnosticada com câncer de mama, recolheu-se e dedicou-se a escrever enquanto se tratava, publicando sete livros no Brasil e exterior. Soube-se depois que ela preferiu manter em segredo sua luta contra a doença, por receio que não fosse mais convidada para eventos literários.
Seu legado é um testemunho, um relato do homem e seus conflitos e esperanças, inserido em interrogações do mundo moderno, da vida social e política. E soube muito bem descrever essas inquietações, como modestamente abre o primeiro parágrafo do seu último livro:
"Faço hora, o que pode ser dito de muitos outros momentos da minha vida.
Mas nessa hora que faço, vou contar uma história que não sei bem como é. Não vivi, não vi. Mal ouvi. Mas acho que foi assim mesmo.”

já que sou brasileiro


A música não é dele, foi composta por sua esposa Almira Castilho e seu amigo Gordurinha, mas Chiclete com banana ficou como uma espécie de marca registrada de Jackson do Pandeiro.

O simpático e franzino paraibano já fazia sucesso no rádio e em shows, nas décadas de 40 e 50, com Sebastiana, A mulher do Aníbal, O canto da ema, e outros forrós aloprados, mas foi quando começou a mascar chiclete com banana que estourou definitivamente, e, pode-se dizer, criando de uma forma avessa e brincalhona o primeiro samba-rock.
Gravado em 1959, Chiclete com banana expressa em letra bem humorada e irônica a necessidade de manter a pureza da nossa música, sem influência de ritmos estrangeiros, mais exatamente da terra do Tio Sam, que só vai botar o bebop em nosso samba "quando ele tocar o tamborim / quando ele pegar no pandeiro e no zabumba / quando ele aprender que o samba não é rumba". Eles têm chiclete, e nós, yes! temos banana, que engorda e faz crescer. Então, cante lá, que eu canto cá.
À época da composição, o rock'n'roll reverberava pela América Latina e Ocidente, refletindo não somente um gênero, também como comportamento de uma geração pós-Segunda Guerra, que veio explodir como um caleidoscópio cultural na década 60. As influências eram inevitáveis. Tanto é que o próprio Jackson do Pandeiro, batizado José Gomes Filho, logo no início da carreira adotou o "Jack" em homenagem a um ator de faroeste que ele adorava, Jack Perrin. O acréscimo do "son" foi ideia de um produtor, o Pandeiro, por ser o instrumento que ele começou a tocar, presente de sua mãe.
Alceu Valença costuma dizer que Luiz Gonzaga é o Pelé da nossa música, e Jackson, o Garrincha. E faz sentido essa analogia: os dribles e o domínio que o paraibano tem com os ritmos, ao longo de mais de trinta discos, é impressionante. Ele vai do forró ao samba, passando com a mesma verve de interpretação e personalidade, pelo baião, xote, xaxado, coco, arrasta-pé, quadrilha, marcha, frevo... Não à toa, ficou conhecido como "O Rei do Ritmo".
Em 1982, após um show em Brasília, Jackson sentiu-se mal no momento do embarque no aeroporto. Era diabético. Passou uma semana internado, faleceu em decorrência de embolia cerebral, no dia 10 de julho, em um hospital na W3 Sul.
E nosso samba ficou assim: "tururururururi bop-bebop-bebop / tururururururi bop-bebop-bebop /tururururururi bop-bebop-bebop..."