domingo, 9 de fevereiro de 2020

ouvindo suas asas sobre mim

Ao contrário de uma letra, que é poesia, quando escrita diretamente para uma melodia, um poema musicado ganha uma outra dimensão quase como uma recriação. A melodia possivelmente esteja lá, na narrativa de cada verso, no fôlego de cada palavra, na rima de uma emoção colocada na estrutura do poema. O poeta não se dá conta. A escrita é uma canção embutida. Vem o músico e encontra as notas, porque só a ele cabe o sol que ilumina dó-ré-mi-fá-lá-si.
O cantor, compositor e ator Rubi, goiano criado em Brasília, residente em São Paulo, é uma das vozes mais belas da música brasileira. É da geração de Cássia Eller, Oswaldo Montenegro, Renato Russo e tantos outros que despontaram no começo dos anos 80 na capital federal, em shows no palco aconchegante do bar Bom Demais e outros palcos tão bons quanto demais.
Cria da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, Rubi vem de uma trupe de talentosos, como Ricardo Torres, Dora Gorovitz, Deo Garcez, Ademir Miranda, Anastácia Custódio, Fernanda Pelosi, Reinaldo Vieira, Cristina Pereira, Antonio Fabio, Áurea Liz, Emerval Krespi, Ivan Marques...
Com três discos gravados, Rubi canta e encanta as noites paulistanas em uma nova lira, incorporando em suas apresentações o cerne da poesia, a medula da voz e o desenho cênico do corpo. Como bem disse o poeta Paulo Kauim, Rubi é a compreensão abissal do significado e significante das palavras numa canção.
Por reconhecimento e afinidade, Rubi recebeu o convite de Elza Soares para integrar a turnê de shows de lançamento do disco A mulher do fim do mundo, em 2015. Ver os dois interpretando Benedita e Malandro, por exemplo, é a mais perfeita emoção que hipnotiza, imanta a plateia e nos faz ter esperança na vida.
Pois eis que sou presenteado com uma composição de Rubi, musicando o meu poema Asas, do livro Poesia provisória, lançado ano passado.
A sua interpretação, acompanhada somente de um minimalista violão, numa primeira gravação caseira, fez do poema um voo que eu não sabia que existia dentro de mim, e em cada verso o reverso de um espelho onde me reconheço, com sua voz à capela revelando o volume de uma sinfonia de sentimentos que expressei ao escrever, inspirado num momento de reflexão existencial, de inquietação e perplexidade.
Imensa gratidão, Rubi, joia rara em meu coração.

Nenhum comentário: