Em 1967 o cantor Ronnie Von pediu a Caetano Veloso uma música para o seu terceiro LP, algo que “seja ao mesmo tempo samba, bossa-nova, iê-iê-iê”, disse à época em entrevista ao Jornal dos Sports.
Ronnie vinha de sucessos estrondosos, como Meu bem (versão de “Girl”, de Lennon-McCartney, disco Rubber Soul, 1965) e A praça, de Carlos Imperial, gravados respectivamente nos LPs Ronnie Von, 1965, e O novo ídolo, 1967, e não pertenceu ao reinado da Jovem Guarda, apesar do título de Príncipe imposto pelas gravadoras, das canções de letras ingênuas e da linguagem musical do rock dos anos 50 e dos Beatles. O cantor flertava mesmo era com o psicodelismo, o que se confirmou com o disco A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre Contra o Império de Nuncamais, 1969, uma preciosidade pós-AI5 e efervescência tropicalista. Foi Ronnie Von quem batizou um grupo de dois irmãos e uma loirinha de voz linda, que se chamava-se Os Bruxos, de Os Mutantes, inspirado no título o livro do escritor francês de ficção científica Stevan Wul, O Império dos Mutantes.
Quando o cantor fez o convite a Caetano, queria mesmo algo diferente para romper com qualquer rótulo, alguma coisa que misturasse tudo e chateasse todos. Elis Regina quando soube que o baiano tinha topado a encomenda, ficou estarrecida e disse em uma entrevista que "Não é possível! Caetano Veloso está se corrompendo tomando uma iniciativa dessa! O cabelo encaracolado está se deteriorando fazendo fusão de duas frentes musicais completamente distintas e nunca se viram com bons olhos. Isso é incoerência.”
A “Pimentinha” estaria se referindo à turma do iê-iê-iê das jovens tarde de domingo de Roberto Carlos e aos vanguardistas da Tropicália. Nem meio bossa-nova nem meio rock'n'roll, muito menos um pierrot retrocesso, Caetano Veloso compôs “Pra chatear” e ainda fez duo na gravação. O disco, Ronnie Von n° 3, saiu no final do mesmo ano em que o cantor lançou o segundo. Quantidade à altura de qualidade.
A composição parte do refrão de A ciranda da rosa vermelha, motivo folclórico pernambucano, ”A rosa vermelha / é do bem querer / a rosa vermelha e branca / hei de amar até morrer”. Caetano desenvolve uma narrativa de enredo urbano com elementos bucólicos, “A minha casa é guardada / no oitavo andar do edifício / de onde eu vejo o jardim, / cresce guardado e difícil. / No jardim cresce outra rosa, rosa de rosa e jardim / que nasceu vermelha e branca, como se fosse pra mim", e lamenta a contradição de saber que na sala de sua casa tem um jarro sobre a mesa e “Não sei se a rosa é de rosa / matéria plástica ou pano”.
Assim como o compositor trouxe para um canto atual o folclore, a ciranda - dança popular de origem portuguesa que se espalhou em Pernambuco, mais precisamente na Ilha de Itamaracá, através das mulheres de pescadores que cantavam e dançavam esperando-os chegarem do mar – Caetano colocou na cidade o conflito da natureza de um jardim lá embaixo aos pés de um edifício onde as rosas são artificiais lá em cima sobre a mesa de um apartamento.
E juntou ele mesmo, Caetano, com ele mesmo, Ronnie Von. A musicalidade inventiva debaixo dos caracóis de seus cabelos com a cabeleira lisa daquele rapaz bonito que rejeitava título nobre da juventude e avançava a um trabalho de inovações sonoras, experimentais.
Em 1997, Alceu Valença adaptou a mesma Ciranda da rosa vermelha e estendeu a letra numa outra bela canção, com a gravação de Elba Ramalho no disco Baioque, 1997.
Como diz a versão de Caetano para Ronnie Von, a música brasileira sabe “fazer qualquer coisa / bonita pra chatear.”
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