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Em 1977 Jorge Luis Borges deu sete palestras no famoso Teatro Coliseo de Buenos Aires. A cada noite abordava um tema. Falou sobre clássicos da literatura, a natureza da poesia, budismo, cabala... A semana de conferência foi publicada em livro, Sete noites, pela Editora Max Limonad, 1980, e Companhia das Letras em 2011.
No último dia Borges falaria sobre professores religiosos gnósticos em Alexandria. Desistiu ali mesmo na mesa e preferiu conversar sobre sua cegueira, decorrida de problemas hereditários. A avó e o pai morreram cegos, “sorridentes e corajosos”, lembra. O poeta perdeu a visão em 1955. Tinha 56 anos, 19 livros publicados, entre poesia, contos e ensaios, e dirigia a Biblioteca Nacional da Argentina.
Intitulado La cegueira, o capítulo final é o mais tocante. Borges ficou cego aos poucos. O “lento crepúsculo começou quando comecei a ver”, diz, referindo a quando nasceu. “Um crepúsculo lento que durou mais de meio século”, arremata num parágrafo. Mesmo vivendo num mundo incômodo e indefinido, o poeta processou e guardou várias cores, o amarelo, o azul, o verde, o branco que se confunde com cinza, “já o vermelho desapareceu completamente, mas espero que algum dia (estou em tratamento) melhorar e poder ver aquela cor ótima, aquela cor que brilha na poesia e que tem nomes em vários idiomas.”
Borges não aprendeu braile. Quando estava em uma livraria, ou na Biblioteca onde trabalhava, dizia que “ouvia os livros e os ambientes”. A luz do que as páginas narravam brilhava cores em sua audição, em sua percepção. Aquele era o universo do poeta. E assim Borges imaginava a quantidade de livros ao seu redor e o que eles contavam.
“Aos poucos, comecei a entender a estranha ironia dos acontecimentos. Sempre imaginei o Paraíso sob uma espécie de biblioteca. Outras pessoas pensam em um jardim, outras podem pensar em um palácio. Lá estava eu. Era, de alguma forma, o centro de novecentos mil volumes em vários idiomas”, disse no início da palestra.
37 anos hoje que Borges partiu para ouvir os livros no Paraíso que imaginou. Tinha 86 anos, morava em Genebra. No epitáfio, um verso de Battle of Maldon, poema heróico do século X: “Não tenhas medo de nada”.
A foto é de Daniel Mordzinski, cena do documentário Borges para milhões, de Ricardo Wullincher, 1978.
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