sexta-feira, 9 de outubro de 2020

vida e morte cabralina

foto Bob Wolfenson

"O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte."

Trecho da fala final do personagem Joaquim, do poema Os três mal-amados, publicado no livro homônimo, 1943, de João Cabral de Melo Neto, o mais milimétrico de nossos poetas.
2020 é o centenário de seu nascimento, 9 de janeiro.
E num mesmo dia 9, na sequência do mês 10, em 1999, o poeta partiu para a pedra do sono. Tinha 79 anos.
Mais do que uma sucessão de datas, uma aliteração numérica, é uma arquitetura de um poema a palo seco, com o mesmo rigor estético de sua poesia. É um poema avesso como um cão sem plumas, uma rima toante de versos feito lâminas, o dia e a noite de sua vida, o inverno e o verão de sua existência nos agrestes de Recife, o começo de tudo e o fim do nada.
Há 21 anos João Cabral livrou-se de uma vez por todas das aspirinas que tomava diariamente, desde a juventude, para uma dor de cabeça do medo morte.

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