sábado, 3 de outubro de 2020

tempo partido


Durante os 28 anos de existência, o Muro de Berlim, com seus quase 70 km de extensão, separou não somente um país, mas polarizou o mundo, o que Drummond chamou de "tempo de homens partidos" no seu poema Nosso tempo, do livro A rosa do povo.
Publicado em 1945, os 55 poemas de sua obra expressam o mais profundo e lúcido lirismo social. A escrita modernista de Drummond reflete na sua angústia pessoal, a agonia de um tempo sombrio com os horrores da Segunda Guerra Mundial. O tempo evidenciado no poema de certa forma é visionário, um prenúncio do período de tensão geopolítica ao aludir a época com a construção do Muro em agosto de 1961.
Na onda agitada e reformadora que se propagou no Bloco do Leste, em 1989, o Muro foi destruído, cortina de ferro rasgada, com a euforia de multidões de alemães dos dois lados, que se reencontraram, e dessa forma simbolizando e manifestando um novo tempo, porque, "os lírios não nascem das leis" - recorrendo mais uma vez ao poeta de Itabira.
Hoje é feriado na Alemanha, comemora-se a reunificação oficial da antigas Oriental e Ocidental, o Dia da Unidade Alemã, quando foi assinada em 1990 a adesão das duas Repúblicas. A celebração nacional seria 9 de novembro, data da queda do Muro, mas o dia remete também à fatídica Noite dos Cristais de 1938, quando os nazistas atacaram sinagogas, lojas e residências de judeus.
O filme Adeus, Lênin! (Good bye, Lenin!), de Wolfgang Becker, 2003, ilustra bem os efeitos iniciais sobre a reunificação do país. Com narrativa de comédia dramática, o enredo, quase uma fábula, conta a história de uma professora que sofre um infarto durante as manifestações contra o regime socialista, recupera-se, e ao despertar oito meses depois, não sabe que a Alemanha agora é uma só. O filho, ciente que a mãe é “casada com a pátria socialista”, e temendo por sua saúde, cria em volta um mundo artificial da Berlim Oriental, exibindo programas antigos da televisão como se fossem atuais.
Há muros e "muros" ainda para serem derrubados, dentro de nós e lá fora. "Tudo tão difícil depois que vos calastes... / E muitos de vós nunca se abriram", citando outra vez Drummond, em seu preciso e precioso poema.

Nenhum comentário: