foto © Beaton, 1932
“O mal da ficção é que ela faz sentido demais. A realidade nunca faz sentido. A ficção tem unidade, tem estilo. A realidade não possui nem uma coisa nem outra. Em seu estado bruto, a existência é sempre um infernal emaranhado de coisas.”
- Aldous Huxley, através do personagem John Rivers, em O Gênio e a Deusa.
Publicado em 1955, é um dos seus melhores livros, pouco conhecido, uma obra-prima do autor mais lembrado pelo romance distópico Admirável mundo novo, escrito em 1931, sobre o futuro ambientado em 2540.
O Gênio e a Deusa resume bem o pensamento e estilo da escrita de Huxley, a reflexão que ele desenvolveu em seus livros sobre a linha tênue entre a ficção e a realidade. O que chamamos de “ficção científica” deve-se muito a ele. Sem o seu discernimento ao dissertar na literatura o que é palpável e real, o que não é e o que pode ser, não teríamos Matrix, por exemplo.
Questionando crenças e valores humanos, desejos mais urgentes e instintos mais secretos, o escritor inglês interpela em sua obra os avanços tecnológicos na imaginação e na ciência, o que ela é capaz de realizar como vida e destruição.
Visionário, Huxley influenciou e exerceu fascínio em gerações que chocalharam o mundo no percurso de mudanças, como os inquietos anos 60. A banda The Doors tem o nome tirado do lisérgico livro de ensaios As portas da percepção, 1954, que por sua vez é uma citação do poeta William Blake. Na icônica capa do clássico Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, 1967, os Beatles colocaram o rosto de Aldous Huxley como um dos seus ídolos (está lá com a cabeça inclinada abaixo de Mae West e acima de Marlon Brando), e o próprio Paul McCartney disse tempos depois em uma entrevista que a faixa Lucy in the sky with diamonds é uma citação às teses do escritor sobre LSD.
Huxley mudou-se para os Estados Unidos no final dos anos 30. Morava na Itália e largou um mundo nada admirável do autoritarismo pregado pelo pústula fascista Mussolini. Não à toa, permeiam em suas obras denúncias do emaranhado de coisas do poder, do arbítrio, da intolerância. A busca na ficção para expurgar o absurdo da realidade.
Atualizando o aplicativo da frase do personagem Rivers, nunca sentimos tanto o inferno, o emaranhado de absurdos diários, a falta de sentido do estado bruto e sombrio do Brasil que estamos vivendo. E o que virá, quem sobre o viver, verá.
Acima, o escritor fotografado por Cecil Beaton, 1932.
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