sexta-feira, 29 de novembro de 2019

de clara ação

lançamento, dia 29, 19h
IV Festa Literária da Associação Cearense de Escritores
25 a 29 de novembro
Galeria BenficArte
Shopping Benfica
Fortaleza, Ceará

lírica

“Língua tão lírica, tão exatamente rica, que não dá vontade de sequer se tentar explicar essa tão conseguida beleza, mas de simplesmente desenhá-la do mesmo modo em que ela foi escrita...”
- Carlos Emílio Corrêa Lima, escritor, trecho do prefácio de Poesia provisória

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

os distópicos

“A imagem da queima de livros significa a supressão de ideias, e de como a televisão, à época ainda uma curiosa novidade, destruía o interesse pela leitura.”
- Ray Bradbury
“O poder não é um meio, é um fim em si mesmo”.
                                                                        - George Orwell

Fahrenheit 451, do norte-americano Ray Bradbury, foi publicado em 1953. O romance mostra uma América hedonista e anti-intelectual que perdeu totalmente o controle, e todos os livros são queimados e o pensamento crítico suprimido.
Bradbury escreveu o romance no porão de uma biblioteca, em uma máquina alugada. Era o começo da Guerra Fria, e isso lhe inspirou para criticar uma sociedade disfuncional e assustadora em seus conceitos.
O livro foi lançado quatro anos depois de 1984, do inglês nascido na Índia George Orwell, igualmente sobre uma sociedade oprimida por um regime autoritário. Mais do que um futurista, Orwell foi um vaticinador. O mundo em que vivemos é exatamente o que está no romance, ou pior, por ser dissimulado. A antítese da utopia, onde a tecnologia é utilizada como ferramenta de controle, usada pelo Estado, instituições e corporações.
As duas obras são sempre lembradas pelo tema angustiante, premonitório. Bradbury e Orwell escreveram ainda sob os escombros e traumas da Segunda Guerra, com o cenário político-econômico arrasado, desesperançado.
Acima, Oskar Werner no papel do bombeiro reverso que toca fogo, no filme homônimo baseado no livro de Bradbury, dirigido por François Truffaut em 1966, e 1984, de Michael Radford, lançado no ano do título, com John Hurt interpretando um humilde funcionário que comete o atrevimento de se apaixonar por uma moça, numa sociedade onde as emoções são consideradas ilegais.

caminhos da literatura


quarta-feira, 27 de novembro de 2019

retumbante coração

Querido Rodger Rogério, parafraseando sua canção com Clodo Ferreira, sabemos escrever teu nome na ponta fina do lápis, mas vamos repetir o que tu já sabes: nós te amamos!

botas de sangue nas roupas de Lorca *

"La poesía no quiere adeptos, quiere amantes.”
Uma das célebres frases do poeta espanhol Federico Garcia Lorca, que fez da poesia sua companhia por todos os seus curtos e intensos 38 anos de vida, até ser assassinado pelo regime fascista de Francisco Franco em 1936. Na Espanha católica reacionária e do machismo patriarcal da época, ele foi perseguido por suas posições políticas, pelo seu pensamento libertário e por sua homossexualidade.
Sua obra de beleza e resistência está magnificamente bem expressa em poesia, prosa e teatro, como, por exemplo, no ótimo Poeta em Nova Iorque, publicado postumamente em 1940, em que ele manifesta em versos cortantes a repulsa à brutalidade da “civilização mecanizada” da metrópole da América. Lorca estudou por nove meses, entre 1929 e 1930, na Universidade de Columbia. Foi o tempo suficiente que suportou viver na cidade que ele chamava de uma “Senegal com máquinas”, pois, como escreveu em carta aos familiares, “Paris causou uma grande impressão em mim, Londres muito mais e agora Nova York me atingiu como um golpe na cabeça."
Uma suposta foto de Lorca sendo fuzilado no pátio da cadeia, replicada há tempos pela internet, vai na contramão dos fatos que estudiosos, pesquisadores e biógrafos defendem. Nem sequer o físico do homem recitando o último poema antes de ser abatido condiz com o do poeta de Andaluzia. Para os historiadores é uma aberração com a história de Lorca.
Os franquistas não o expuseram como fizeram com outros intelectuais. Prenderam-no na surdina da madrugada, mataram-no e jogaram o corpo em vala comum para que a memória seguisse junto.
A foto acima é umas das colagens feitas pelo poeta, exposta na Fundação que leva o seu nome, em Madri. Presidida por sua sobrinha, Laura Garcia-Lorca de los Rios, a organização reúne mais de duas mil páginas manuscritas de poesia, prosa e drama, centenas de cartas, milhares de fotografias, uma biblioteca pessoal de 5000 volumes, e uma expressiva quantidade de recortes de jornais.
Ao contrário da vala comum onde devem os adeptos da estupidez, a poesia se eterniza no coração dos que amam.
* verso da canção Conheço meu lugar, de Belchior, gravada em seu disco de 1979, Era uma vez um homem e seu tempo.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

cofre

Quando quiseres
venhas
e gires com as pontas dos dedos

o meu coração.


Encontrarás
teus segredos nos meus olhos abertos.

Guardo no peito
o íntimo
de quem se achega.


Do livro Poesia provisória


Lançamento dia 29 

arrodeado de areias de todas as cores

O Abaeté Boteco é parte da minha vida em Fortaleza, de 2014 a 2017.
Desde a inauguração que boas horas de minhas noites estão ali, nas primeiras mesas da calçada, no quintalzinho onde se reunia a "diretoria", eu, Rogerio Freitas, Maninha, Renan Damasceno, Monica Morales, Luizinho Oliveira, e mais alguns fregueses afetivos do "alto clero" abaeteense, sempre com a atenção tão astral do 'jovem' Mauro Oliveira, mais do que um garçom, uma extensão de empenho, dedicação e gentileza que sustentam animicamente o bar.
Os 'bichos réis' Samuel Brandão e Adelrui Junio passaram dos violões improvisados às mesas na rua para o palco customizado apertado entre as cadeiras no primeiro piso, nos servindo mais de duas doses de cachaças musicais.
Às quartas-feiras o som digital de todas as aldeias da boa musica sob o comando do competente Albano Seletor.
Sugeri o DJ Alan Morais para discotecar seus vinis e foi logo aceito pelos manos Lu e Lucelmo Andrade, donos do pedaço da lagoa de nosso coração baiano, e assim nasceu a Abaeterça, e cristalizou-se em todos abaeteenses as noites mais animadas da ladeira Castro Alves, onde a rua é do povo como o céu é dos pássaros.
O Abaeté muda de endereço a partir do dia 1° de dezembro, ali pertinho de onde nasceu. Muda de CEP em nosso coração e seguiremos com nossa alegria e resistência a esses tempos esquisitos.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

bagagem

Dentro de mim
cabe uma cidade
outra cidade


e mais uma cidade...


dentro de mim
cabe o universo
e mais o vilarejo onde nasci.

IV Festa Literária da Associação Cearense de Escritores - FLIACE
Galeria BenficArte – Shopping Benfica
Fortaleza - Ceará

domingo, 24 de novembro de 2019

uma saudade acentuada


O piauiense-cearense Paulo Véras, foi um dos maiores poetas e contistas da literatura brasileira.
Seu primeiro trabalho publicado foi em Queda de braço – Uma antologia do conto marginal, organizada por Nilto Maciel e Glauco Mattoso, em 1977.
No ano seguinte obteve o 1° lugar no Concurso Nacional Pena Aymoré, de Belo Horizonte, com o livro O centro da pedra, poesia.
Em 1979 lança O Cabeça-de-cuia, pela Editora Moderna, onde os contos são quase todos tecidos a partir do fio da memória no sertão da Parnaíba.
Em parceria com a poeta carioca Leila Míccolis escreve em 1981 Maus antecedentes, pela Editora Pirata, uma sintomática narrativa de poemas em estilo irônico.
Poemágico é sua participação póstuma na Antologia de poetas piauienses, 1985, organizada por Assis Brasil, da Academia Piauiense de Letras.
Paulo Véras, assim como o sobrenome acentuado, era um intelectual destacado em postura, enfático em suas opiniões, tanto quanto sua doçura como pessoa nos seus quase 1,80 de altura.
Foi um dos criadores, junto comigo e mais 22 dois poetas, contistas e romancistas cearenses, do Grupo Siriará de Literatura, em 1978, além de parceiro de trabalho no Centro de Referência Cultural (CERES), da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará.
Formado em Letras pela UFC, Véras escreveu para diversos órgãos alternativos em São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, e em Fortaleza participou da revista O Saco.
No dia em que comemorava seu aniversário de 30 anos, 23 de março de 1983, sentiu-se mal e faleceu. Tinha cardiopatia congênita. Alterações do coração e dos grandes vasos, presentes ao nascimento. O coração cresce, cresce... Tantos afluentes de poesia em seu coração, Paulo.
Há dias em que uma saudade sublinha o domingo, por serem eternos em nosso coração os seres que amamos.
Para ele dediquei um poema, publicado em meu livro Poesia provisória, 2019.

ontem e hoje

foto Acervo Artístico Torquato Neto
POEMA DO AVISO FINAL
Torquato Neto
É preciso que haja alguma coisa
alimentando o meu povo;

uma vontade
uma certeza
uma qualquer esperança.
É preciso que alguma coisa atraia
a vida
ou tudo será posto de lado
e na procura da vida
a morte virá na frente
e abrirá caminhos.
É preciso que haja algum respeito,
ao menos um esboço
ou a dignidade humana se afirmará
a machadadas.


- escrito em 1964, publicado no livro póstumo O fato e a coisa, 2012.
foto Acervo Artístico Torquato Neto

sábado, 23 de novembro de 2019

saudoso Adoniran

foto Otavio Valle
Se o senhor não tá lembrado, dá licença de contar: hoje, 35 anos que o grande Adoniran Barbosa pegou o trem das onze e se foi para outros Jaçanãs cantando o samba do Arnesto...

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

black friday

o país em liquidação

leitura afetiva

Carol Capasso, poeta querida das canções de mar, minha gratidão oceânica por sua leitura afetiva, suas palavras tão líricas ao falar do meu coração na poesia.

santa música

Pela crença cristã, Santa Cecília, uma abnegada mocinha de família nobre romana, cantava para Deus quando estava morrendo. Em sua homenagem é considerada a Padroeira dos Músicos. Ou da Música Sacra, como preferem os estudiosos no assunto.
No calendário litúrgico da Igreja Católica, por uma possível data relacionada ao dia de sua morte, foi escolhido 22 de novembro para a festa em sua louvação.

No Brasil comemora-se o Dia do Músico. Parabéns a todos que são músicos todo santo dia! Só eles sabem quanta abnegação para afinar e sobreviver com as cordas que o demo amassou neste país.
Aacima, St Cecilia, óleo sobre tela de Guido Reni, 1606. O quadro encontra-se no Norton Simon Museum, Califórnia.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

aos homens de nosso tempo

um trecho de
POEMAS AOS HOMENS DE NOSSO TEMPO
de Hilda Hilst



Reis, ministros

E todos vós, políticos,

Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa rapacidade
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.

publicado no livro
Júbilo, memória, noviciado da paixão, 1974

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

silêncio no cinema

Faleceu há pouco o cineasta Fábio Barreto, aos 62 anos.
Filho mais novo de Luiz Carlos e Lucy Barreto, irmão de Bruno Barreto, desde 2009 ele estava em coma devido a um grave acidente de carro na cidade Rio de Janeiro.
Estreou como diretor com o ótimo Índia, a filha do sol, exibido no Festival de Cannes em 1982.
Em 1988 Fábio filmou no Ceará Luzia-Homem, baseado no romance homônimo de Domingos Olímpio, um clássico do naturalismo regionalista publicado em 1903.
Em 1995 seu filme O Quatrilho, 1995, foi indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro.
No mesmo ano do acidente, Fábio lançara seu último filme, Lula, o filho do Brasil.
Também ator, Fábio teve participações em Memórias do Cárcere, de Nelson Pereira dos Santos, 1984, interpretando o tenentista Siqueira Campos, e For All - O trampolim da vitória, de Luiz Carlos Lacerda e Buza Ferraz, 1998.
"Às vezes ele responde do jeito dele. Suspira, fica com a respiração diferente. Em determinados momentos acho que ele está ali. Em outros, não", disse uma vez a esposa, atriz Déborah Kalume.
Da "filha do sol" ao "filho do Brasil", ele esteve aqui. Deixou bons filmes e saudade em todos os momentos.

resistência dos Palmares

“Vou enfeitar o meu corpo no seu / eu quero este homem de cor / um deus negro do Congo ou daqui...”
- Trecho de Black is beautiful, de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, gravada por Elis Regina no disco Ela, 1971.

Hoje é celebrado o Dia da Consciência Negra, em lembrança à morte de Zumbi, do Quilombo dos Palmares, o maior da era colonial brasileira, localizado no estado de Alagoas.
Zumbi, pernambucano de origem bantu, morto pelas tropas do bandeirante Domingos Jorge Velho em 1695, foi o último dos líderes da luta e resistência contra a escravidão.
A data foi sancionada pela presidenta Dilma Roussef, em 2011.
Muitas são as referências ao grande líder quilombola: o filme de Cacá Diegues em 1985, Quilombo, o nome da banda de Chico Science, Nação Zumbi, em 1994, a denominação por lei, em 1999, do Aeroporto Internacional de Maceió - Zumbi dos Palmares, o disco de Gilberto Gil em 2010, Z: 300 Anos de Zumbi, além de tantas outras menções nas artes, reverenciam aquele que tornou-se símbolo de liberdade.
A luta se renova nestes tempos urbanos ameaçadores.
Na foto acima de Gonzalo Rivero, Estátua de Zumbi, na Praça da Sé, Salvador, de autoria da artista plástica Márcia Magno, inaugurada em 2008.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

se tudo não explodir antes

"O século XXI me dará razão, por abandonar na linguagem & na ação a civilização cristã oriental & ocidental com sua tecnologia de extermínio & ferro velho, seus computadores de controle, sua moral, seus poetas babosos, seu câncer que-ninguém-descobre-a-causa, seus foguetes nucleares caralhudos, sua explosão demográfica, seus legumes envenenados, seu sindicato policial do crime, seus ministros gangsters, seus gangsters ministros..."
- trecho do manifesto poético esparso O século XXI me dará razão (se tudo não explodir antes), escrito em 1984, do visionário poeta Roberto Piva (1937-2010), incluído em Mala na mão & asas pretas - Obras reunidas, vol. 2, 2006, organizado por Alcir Pécora.

profissão de fé

"Abro a esmo o belíssimo 'Poesia Provisória', de Nirton Venancio, e lá está em poucas palavras sua profissão de fé. Poetas, compositores, artistas são nossa melhor conexão com o viver! Viva Nirton!"
- Paulo Sidou

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

ao redor do sol

Vida de Galileu, de Bertold Brecht, teve suas primeiras anotações por volta de 1934-35, e os esboços desenvolviam os conceitos do astrofísico italiano Galileu Galilei, que no medieval século 16, contradisse a Igreja Católica ao afirmar que o Sol era o centro do Universo, e não a Terra.
A peça começou a ser escrita com sua estrutura dramatúrgica quando Brecht, com a subida de Hitler, passou um tempo exilado na Dinamarca, em 1938. Oficialmente é a primeira versão, então intitulada A Terra gira. A segunda é de 1944, que o autor remanejou tratamentos cênicos sob o período convulsionado da Segunda Guerra, e ganhou o título que conhecemos, Galileu Galilei, com apresentações nos anos seguintes em Nova Iorque.
O dramaturgo, porém, remexe na montagem apontando mais reflexões sobre o tema, quando em 1949 funda na Berlin Oriental, a Berliner Ensemble, companhia teatral, que, em parceria com sua esposa, a atriz Helene Weigel, traçou um perfil novo de construção de personagem, tendo como uma das principais características os longos e exaustivos meses de preparação. E foi graças aos princípios inovadores de teoria e prática de encenação da Berliner, com sentido social e político, que a peça teve sua versão definitiva em 1955. No ano seguinte, durante os ensaios, Brecht, doente, sentiu-se mal e faleceu meses depois.
Nenhuma de suas obras envolveu tanto Brecht quanto Galileu Galilei. As convicções do personagem, lutando com fundamentação para provar o óbvio, enfrentando o Tribunal da Santa Inquisição que o obrigava a negar sua tese, revestem como uma pele o pensamento do autor, que dissecava em sua criação as relações humanas no poder e no sistema capitalista.
Uma das falas da peça que se cristalizou ao longo do tempo, está na cena 13. Entre o tormento da condenação e a tutela da verdade, Galileu conversa com seu secretário Andreas, que lhe pede que não ceda aos inquisidores:
Andrea (em voz alta) — Infeliz a terra que não tem heróis.
Galileu – Não. Infeliz a terra que precisa de heróis.

Algumas traduções no Brasil colocam “povo” ou “nação” no lugar de “terra”. A citada é do crítico e professor de teoria literária Roberto Schwarz, numa edição de 1991.
O escritor francês Bernard Dort ao analisar Galileu Galilei em um ensaio, disse que Brecht escreveu a peça, pelo menos originalmente, “para servir de exemplo e de conselho aos sábios alemães tentados a abdicar seu saber nas mãos dos chefes nazistas.”
É uma colocação muito oportuna nestes tempos absurdos de teses terraplanistas. A arte, acrônica em sua essência, espelha e retrata o tempo e o homem por todos os lados.
Acima, Charles Laughton em Galileo, com direção de Brecht e do cineasta Joseph Losey, no Maxine Elliott's Theatre, NY, 1947. Laughton, além de sua magnífica interpretação, colaborou para a versão em inglês.

sábado, 16 de novembro de 2019

admirável Huxley

foto © Beaton, 1932
“O mal da ficção é que ela faz sentido demais. A realidade nunca faz sentido. A ficção tem unidade, tem estilo. A realidade não possui nem uma coisa nem outra. Em seu estado bruto, a existência é sempre um infernal emaranhado de coisas.”
- Aldous Huxley, através do personagem John Rivers, em O Gênio e a Deusa.
Publicado em 1955, é um dos seus melhores livros, pouco conhecido, uma obra-prima do autor mais lembrado pelo romance distópico Admirável mundo novo, escrito em 1931, sobre o futuro ambientado em 2540.
O Gênio e a Deusa resume bem o pensamento e estilo da escrita de Huxley, a reflexão que ele desenvolveu em seus livros sobre a linha tênue entre a ficção e a realidade. O que chamamos de “ficção científica” deve-se muito a ele. Sem o seu discernimento ao dissertar na literatura o que é palpável e real, o que não é e o que pode ser, não teríamos Matrix, por exemplo.
Questionando crenças e valores humanos, desejos mais urgentes e instintos mais secretos, o escritor inglês interpela em sua obra os avanços tecnológicos na imaginação e na ciência, o que ela é capaz de realizar como vida e destruição.
Visionário, Huxley influenciou e exerceu fascínio em gerações que chocalharam o mundo no percurso de mudanças, como os inquietos anos 60. A banda The Doors tem o nome tirado do lisérgico livro de ensaios As portas da percepção, 1954, que por sua vez é uma citação do poeta William Blake. Na icônica capa do clássico Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, 1967, os Beatles colocaram o rosto de Aldous Huxley como um dos seus ídolos (está lá com a cabeça inclinada abaixo de Mae West e acima de Marlon Brando), e o próprio Paul McCartney disse tempos depois em uma entrevista que a faixa Lucy in the sky with diamonds é uma citação às teses do escritor sobre LSD.
Huxley mudou-se para os Estados Unidos no final dos anos 30. Morava na Itália e largou um mundo nada admirável do autoritarismo pregado pelo pústula fascista Mussolini. Não à toa, permeiam em suas obras denúncias do emaranhado de coisas do poder, do arbítrio, da intolerância. A busca na ficção para expurgar o absurdo da realidade.
Atualizando o aplicativo da frase do personagem Rivers, nunca sentimos tanto o inferno, o emaranhado de absurdos diários, a falta de sentido do estado bruto e sombrio do Brasil que estamos vivendo. E o que virá, quem sobre o viver, verá.
Acima, o escritor fotografado por Cecil Beaton, 1932.

de olhos bem abertos



foto ©Fundação José Saramago
“O sentido de responsabilidade é a consequência natural de uma boa visão, mas quando a aflição aperta, quando o corpo se nos desmanda de dor e angústia, então é que se vê o animalzinho que somos.”
- José Saramago, em um trecho de Ensaio sobre a cegueira, possivelmente o livro do escritor português que melhor simboliza a imagem de um mundo imundo e bárbaro.
Saramago, que hoje faria 97 anos, dizia que foi uma das experiências mais dolorosas de sua vida o tempo que levou para as 300 páginas, e espera “que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo.”
Esse desejo do autor é uma consequência inevitável que a narrativa provoca, pelo incômodo e reflexão, a abstinência moral humana, a urgência de resgatar o afeto diante do caos e escuridão.
Lançado em 1995, adaptado para o cinema em 2008, por Fernando Meirelles, Ensaio sobre a cegueira é a atualíssima imagem aterradora destes tempos sombrios.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

infância perdida

Alana, Hugo, Fabiana, Ramon, João Roberto, Wesley, Ruan, Juliana, Bruna, Yasmin, Adrielly, Geovanna, Kayo, Lucas, Luís Felipe, Patrick, Larissa. Asafe Eduardo, Christian, Herinaldo, Ruan, Ana Beatriz, Taís, Caio, João Vitor, Ryan, Matheus, Kamylli, Miriam, Juan, Shayene, Sofia, Fernanda, Maria Eduarda, Paulo Henrique, Vanessa, Arthur, Renan, Caíque, Vítor Gabriel, Eduardo Henrique, Emily, Jeremias, Marlon, Benjamin, Larissa, Brenda, Marcos Vinicius, Guilherme Henrique, Thiago, João Victhor, Jenifer Cilene, Kauan Peixoto, Kauan Rosário, Kauê, Ana Clara, Jenifer Caroline, e mais recentemente Ágatha Vitória e Ketellen Umbelino...

Essas são as crianças, que, de um mês de idade a 14 anos, de 2007 a 2019, foram mortas por balas perdidas, tiroteio entre policiais e traficantes, tiroteio entre gangues rivais do tráfico, operações militares desastradas, na cidade e no estado do Rio do Janeiro, no Morro dos Macacos, Morro dos Telégrafos, favela do Muquiço, CIEP Rubens Gomes, Favela Danon, Nova Iguaçu, zona portuária Caju, Morro da Quitandinha, parquinho da comunidade Terra Nostra, Piedade, Belford Roxo, Cidade de Deus, UPP Camarista Méier, Complexo do Alemão, Manguinhos, favela Parque Alegria, comunidade Metrô Mangueira, Barro Vermelho, Morro dos Prazeres, Campo da Esperança, Morro do Cajueiro, comunidade da Lagoa, Morro do Juramento, Morro São Carlos, Irajá, Parque União, Acari, Lins de Vasconcelos, Duque de Caxias, Realengo...

Todos os dias são seus, em nossa memória, em nossa dor, em nossa indignação, em nossa luta, em nossa resistência, em nossa esperança.

Acima, ilustração da pintora argentina Nerina Canzi, 2019, que tem no universo infantil da América Latina sua fonte de inspiração, de denúncia, de encanto, de tristeza.
"Toda história me leva a um território diferente. As palavras me sugerem cores, imagens, atmosferas inesperadas ...", disse ao receber o Prêmio Nacional da América e da América Latina de Literatura Infantil e Juvenil por seu trabalho, em 2015.
Sua pintura acalanta com cores a infância.

15 de novembro

"A República foi proclamada pelos banqueiros que tinham vontade de ocupar o lugar da nobreza, e ter aqueles luxos e privilégios, mas que não conseguiram porque não tinham o sangue azul. Então, eles armaram a Proclamação para ocupar o espaço nobre e tiveram o cuidado de manter a mesma estrutura."
- A República e sua proclamação na visão do ativista social e filósofo Eduardo Marinho, 2016.
Acima, a República proclamada na visão em óleo sobre tela de Benedito Calixto, 1893.

similaridades musicais

Nos créditos finais do novo filme de Luc Besson, Anna – O perigo tem nome (Anna), 2019, sobe a música My beauty, da banda francesa Beauty Freak, gravada no álbum de estreia, Mon amour, deste ano, de autoria de dois dos componentes, os DJs Ludovic Piquemal e Stéphane Chenu.
Com interpretação da cantora MaLee, a faixa lembra de imediato algum hit de nossos baladões bregas da década de 70. A banda em suas composições mistura eletrônico com sinfônico e uns arranjos com atmosfera dos anos 60. Apresentam-se com o conceito musical electro-swing.
My beauty lembra também outro baladão com suingue jazzístico na voz da cantora holandesa Caro Emerald, A night like this, gravado em seu primeiro disco, Deleted scenes from cutting room floor, 2010. Composta por David Schreurs, Vincent Degiorgio, foi sucesso como single um ano antes, num comercial do drink italiano Martini.
E por sua vez, a música tem um refrão que remete ao frevo Banho de cheiro, do pernambucano Carlos Fernando (1937-2013), interpretada por Elba Ramalho em seu disco de 1983, Coração brasileiro.
Do frevo ao baladão, da cachaça ao Martini, do brega ao “cult”, as canções com suas similaridades.
Acima, o clipe oficial de “My beauty, filmado em uma mansão, recriando um clima de humor mórbido que faz referência à Família Addams, sobre o cotidiano de duas famílias opostas, ilustrando o que diz a letra.
Realizado antes do filme de Bresson, não tem nada a ver com o enredo. Só a ouvir.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

vinte meses

A interrogação feita pela vereadora Marielle Franco, um dia antes de ser executada há vinte meses hoje, remete ao canto de paz de Bob Dylan, Blown’ in the wind, composto em 1962 e gravado no seu segundo disco, um ano depois.
Numa única pergunta, assustada e resiliente, a lúcida e corajosa militante do Complexo da Maré resume a série de questionamentos que o compositor de Minnesota fez em plena guerra fria, “quantas balas de canhão precisarão voar até serem para sempre banidas?”, “quantas mortes ele causará até saber que pessoas demais morreram?”, “quantos anos algumas pessoas podem existir até que sejam permitidas ser livres?”
Marielle enfrentou a guerra fria da injustiça, da barbárie institucionalizada pelo poder, pisou o campo minado do mal que a força sempre faz, como apontava Belchior.
Até quando outras Marielles pombas da paz precisarão sobrevoar entre balas os rios de outros janeiros?

soy loco por ti, América

"A definição do poema como arma contra o dominador é uma imagem emblemática do papel que o poeta se propunha a desempenhar nos anos da ditadura militar (...) espanhol, língua que por si só já tem uma forte carga política, porque escrever em espanhol era uma forma de marcar um posicionamento histórico de adesão à problemática da América Latina. Num certo sentido, o espanhol era a segunda língua dos artistas politizados daquela época. Lembremo-nos de Caetano Velo­so cantando 'Soy loco por ti, América' (de Gilberto Gil e Capinam). O poema de Paulo Leminski se insere dentro de uma crença na eficácia da linguagem."
- Miguel Sanches Neto, escritor, crítico literário, professor universitário no Paraná, em artigo publicado no jornal Gazeta do Povo, 9/6/1994.
Poema publicado no livro Caprichos & relaxos, Editora Brasiliense, 1983

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

descobrindo Manoel

livro Poesia provisória

Nirton Venancio
Editora Radiadora, 2019


o tempo de Manoel

Em 2008 a revista Caros Amigos, edição 117, publicou uma entrevista com Manoel de Barros. Foi uma das raríssimas vezes em que o poeta recebeu jornalistas em sua casa... Com sua timidez de passarinho e simplicidade pantaneira, Manoel preferia atender às perguntas por escrito.
Quando um dos jornalistas perguntou o que achava sobre a duração da vida, ele respondeu em versos criados naquele momento:
“O tempo só anda de ida. A gente nasce, cresce, envelhece e morre. Pra não morrer, é só amarrar o tempo no poste. Eis a ciência da poesia: amarrar o tempo no poste! ”
Há cinco anos o tempo de Manoel soltou-se do poste.
desenho-poema do poeta

terça-feira, 12 de novembro de 2019

podres poderes

O ator Paulo Autran no papel de Porfírio Diaz, tecnocrata e político ultaconservador da fictícia República Eldorado no filme Terra em transe, do gênio visionário Glauber Rocha, 1967.
Golpistas policiais neopetencostais da não fictícia ultradireita boliviana, 2019.

"well you know that Iove to live with you... *

"Sabes Marianne, chegou este tempo em que estamos realmente tão velhos e os nossos corpos estão caindo aos poucos que acho que vou seguir-te muito em breve. Sei que estou tão perto de ti que se esticares a tua mão, acho que consegues tocar na minha."
Leonard Cohen escreveu essas palavras em uma carta, como antigamente, para Marianne Ihlen, ao saber que estava muito doente, com leucemia, e foi lida pelo cineasta Jan Christian Mollestad, que pouco tempo depois informou Cohen de sua morte, em julho de 2015, aos 81 anos.

A norueguesa Marianne foi a grande paixão da vida de Cohen, a musa inspiradora do hino de amor So Long, Marianne, entre outras tantas canções.
“Now so long, Marianne, it's time that we began …” *
Cohen faleceu há três anos, aos 88. Foi andar de mãos dadas com Marianne.
* versos da canção para Marianne, gravada no disco Songs of Leonard Cohen, 1967.
Acima, o casal na Ilha Hydra, Grécia, 1963.

o velho e o mar

"Fui esquecido. O país é muito grande e eu não apareço na TV. Não gosto de TV, acho um parto"
O ator Joel Barcellos fez esse desabafo em uma entrevista ao jornal O Globo, em 2006.
Marcante em filmes emblemáticos do cinema brasileiro, como Os fuzis, de Ruy Guerra, A grande cidade, de Cacá Diegues, A falecida, de Leon Hirszman, entre os mais de quarenta em que trabalhou, o ator ficou conhecido do grande público pelo papel de Chico Belo, na segunda versão da novela Mulheres de Areia, em 1993. Tinha feito antes Estúpido Cupido e algumas minisséries. Não gostava mesmo de televisão. Era um ator essencialmente de cinema, e seu último grande papel foi em O homem nu, de Hugo Carvana, 2012. Desde então, morava em Rio das Ostras, na baixada litorânea do Rio de Janeiro.
No final da década de 60, Joel Barcelos, por suas posições contrárias ao regime militar, teve que se exiliar na Itália, e só voltou em 74.
Interpretar o personagem Turíbio, criado por Guimarães Rosa no conto “O duelo” do livro “Sagarana”, e adaptado para o cinema no filme de Paulo Thiago, foi para o ator uma forma de enfrentar a escuridão de volta ao país no governo Geisel.
O aparentemente frágil, mas destemido Turíbio, enfrenta em um duelo simbólico o forte Cassiano, um caçador de cangaceiros, interpretado por Milton Moraes. Personagens típicos do sertão roseano em um Brasil num galope à beira-mar, enfrentando um dragão da maldade.
Figura simpática e presente em várias edições do Festival de Cinema de Brasília, Joel ganhou em 1968 o Candango de Melhor Ator pelo papel em Jardim de Guerra, de Neville d'Almeida.
Há sete anos, Joel sentiu-se mal enquanto curtia um mergulho no mar, e logo noticiaram sua morte. Mas foi desmentido, e Joel continuou caminhando na praia nos finais de tarde.
Mas na madrugada do dia 10 de novembro do ano passado, o ator mergulhou de verdade noutro mar. Tinha 81 anos. A causa da morte, consequência de dois AVCs.
Apesar de se dizer esquecido, Joel era muito querido onde morava. Sempre foi um astro no Rio das Ostras.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

pueblo alteño

La Levina Ilustraciones
"Después del primer día del golpe cívico-político-policial, la policía amotinada reprime con bala para provocar muertos y heridos en El Alto. Mi solidaridad con esas víctimas inocentes, entre ellas una niña, y el heroico pueblo alteño, defensor de la democracia."
- Evo Morales

ahí vienen otra vez


podres poderes

"às vezes tenho a sensação de que estamos presos num conto do garcía márquez, patinando num charco sem sair do lugar."
- Jose Geraldo Couto

domingo, 10 de novembro de 2019

la paz y la guerra

Golpe consumado na Bolívia


Os golpistas entraram no palácio presidencial com uma cruz e armas, e manifestando ódio à Mãe Terra, arrancaram a imagem de Pachamama, a deidade máxima dos povos indígenas dos Andes centrais.
Evo Morales encerra pronunciamento dizendo: "Aqui não termina a vida. Os humildes, os patriotas, vamos continuar lutando pela igualdade e a paz. Espero que tenha entendido minha mensagem, Mesa e Camacho, não prejudiquem os pobres, não causem danos ao povo. Queremos a volta da paz social. Grupos oligárquicos conspiraram contra a democracia. Foi um golpe de Estado cívico e policial. Dói muito o que se passou".