segunda-feira, 18 de junho de 2018

o diligente cineasta

No tempo das diligências (Stagecoach), 1939, é um dos principais filmes de John Ford, ao lado de Paixão de fortes (My darling Clementine), 1946, Rastros de ódio (The searchers), 1956, e o drama sobre a Grande Depressão Econômica norte-americana, Vinhas da ira (Grapes of wrath), 1940, baseado no romance de John Steinbeck.
Stagecoach em si é um filme emblemático sobre o velho oeste americano, apesar (e talvez por isso) da predileção de Hollywood em massacrar os índios. A diligência, como uma representação alegórico na narrativa, atravessa a fascinante paisagem desértica do Monument Valley, serpenteia ao som envolvente da música de Louis Gruenberg, compositor nascido na Rússia, e não à toa especializado em grandes arranjos dramáticos, afinando-se bem com o cinema de imagens e condução operísticas de John Ford.
Na diligência embarcam um médico alcoólatra, uma prostituta, um banqueiro, um jogador, uma mulher grávida e um pistoleiro, Ringo Kid, interpretado por John Wayne. Esses passageiros simbolizam um retrato da sociedade norte-americana da época e até mesmo dos dias de hoje. Durante a viagem, ameaçados pelo perigo dos Apaches, cada um dos viajantes revela aos poucos suas peculiaridades, seus desejos, mesquinharias, medos e contradições. E é justamente no bandido que eles depositam a segurança no percurso pelo deserto.
Orson Welles dizia ter assistido Stagecoach mais de 40 vezes, antes de produzir sua obra-prima, Cidadão Kane, em 1940. Do outro lado da América, o mestre japonês Akira Kurosawa afirmou que era um de seus filmes favoritos e o influenciou quando fez Os sete samurais, em 1954. E no sertão da Paraíba o nosso grande documentarista Vladimir Carvalho, quando jovem, não perdia os westerns de John Ford, admirado com os enquadramentos dos planos abertos de outras distantes terras áridas.
O crítico Luiz Carlos Merten em seu livro Cinema – entre a realidade e o artifício, 2003, compara o cineasta a um criador de epopeias, como, digamos, um Homero das pradarias. O próprio John Ford admitia sua preferência pelos westerns como um território de criação de lendas.
E à propósito de histórias que se confundem com lendas, lá pelos anos 50, quando o macarthismo com seu sectarismo e repressão atingiu cineastas, roteiristas, atores, atrizes, e todos artistas pensantes, o diretor foi convocado a uma reunião capitaneada por Cecil B. Mille, um dos fundadores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, com o intuito de saber de seus pares uma posição de apoio ao famigerado plano de caças às bruxas nos estúdios. Ford, do alto de seus quase dois metros e segura visão monocular de tapa-olho, levantou-se e pediu a palavra: “Meu nome é John Ford e eu faço westerns”, disse, retirando-se, pegando sua diligência e demolindo a proposta de delação de De Mille.
Acima, o cineasta nos intervalos das filmagens de Rastros de ódio. Foto Winton C. Hoch.

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