quinta-feira, 16 de outubro de 2025

iminências do tempo


“Aqui divido os sertões que carrego com você, que me guiou nas primeiras luzes/sombras, e sempre me levou em seu trem da memória, de tantos cotidianos, com Marias, Gicélia e Valderez”.

Rubens Venâncio assim me dedicou seu livro Iminências, ensaio fotográfico iniciado em 2013 e tornado objeto palpável pelo tato das retinas em 2022. Uma nova leva de exemplares chega à mesa e às mãos próximas dos afetos.
Acompanhei de perto, dos rios e afluentes mais ternos do coração, a história de todo esse processo, as etapas dessa artesania que Rubens tão bem sabe lapidar os traços da memória. Seu trabalho com a fotografia é uma arqueologia no mais fiel significado do grego “anamnese”, quando a matéria prima é a recordação, a lembrança.
Fotografar é só o começo. O congelamento do clique é o início da memória. A fotografia tem esse poder de eternidade: ela atravessa a rua e o tempo.
Quando recebi pelos Correios a caixa com o meu exemplar de Iminências, eu ouvia uma faixa do disco Alambari, da banda ucranina DakhaBrakha. O grupo compõe canções cosmopolitas e vibrantes, tecendo com agudos fios instrumentais e vocais, harmonias, lamentos e esperança, num encontro primoroso do blues e gospel com os temas e ritmos étnicos de sua terra devastada por uma guerra, insana com todas elas.
O anímico da música me acompanhava enquanto abria a caixa e começava a folhear Iminências, trazendo à luz as imagens em polaroid que Rubens lapidou com minimalismo a textura do tempo. Por segundos pensei estar abrindo errado a primeira página, emocionado que estava, ansioso e disfarçadamente atrapalhado, perplexo com a beleza.
“Não tem erro, mas possibilidades”, disse-me Rubens depois. Cada um encontra as fotografias na arca de cada página a sua maneira, com o impulso nato, com a predisposição alquímica das mãos sem aprendizado prévio, sem manual que desfavoreça as curvas no caminho.
A música de DakhaBrakha que corre pelas raízes de seu chão originário, moldou-se como trilha no sertão do Cariri cearense onde Rubens reside, trabalha e sonha.

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