sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Saci


 

o itabirano


 

metonímia de um povo


"sua gula e jejum
sua biblioteca..."
- Versos da terceira estrofe de José, de Carlos Drummond de Andrade, no livro de título homônimo, originalmente publicado na coletânea Poesias (Editora José Olympio, 1942), que reúne também suas três primeiras obras, Alguma poesia, Brejo das almas e Sentimento do mundo.
José, o livro, com apenas 12 poemas, expressa e mescla a solidão do homem na metrópole e as questões pessoais do autor.
José, o poema, especificamente, é a mais pura elocução de abandono e desesperança do indivíduo na cidade, personificado no nome mais comum da nossa língua e que tem sentido coletivo.
Estruturado na verticalidade de versos livres, linguagem popular e ambiente cotidiano, Drummond repete o refrão “E agora, José” como um mantra de identificação, abraço e compartilhamento de sentimentos. Foi escrito no contexto e cenário dos escombros da Segunda Guerra e o Brasil do Estado Novo ditatorial de Vargas. O passado era refúgio, “quer ir para Minas, / Minas não há mais”; o futuro para onde se marcha não existe porta, “José, para onde?”.
Hoje, 123 anos de nascimento do poeta.
Você não morre, você é duro, Drummond.  

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

o nosso estrangeiro



O antropólogo e etnólogo belga-francês Claude Lévi-Strauss, aquele que "detestou a Baía de Guanabara: pareceu-lhe uma boca banguela", como lembrava Caetano Veloso na música O estrangeiro, no disco homônimo de 1989, foi um grande pesquisador e entusiasta da história brasileira.
A citação do compositor baiano teve inspiração no livro Tristes trópicos, clássico lançado em 1955, um ensaio etnográfico romanceado, onde estão as bases do estruturalismo e da antropologia moderna.
Em uma entrevista ao jornal O Globo em 2009, Caetano diz que “Lévi-Strauss pediu desculpas por discordar de todos que acham o Rio bonito e declara que, para ele, a cidade não tem nenhum encanto e as proporções entre a baía e as rochas que a circundam (Pão de Açúcar, Corcovado, Urca e pedras menores) dão a impressão de uma boca desdentada: os promontórios seriam muito pequenos para o tamanho da baía”.
A obra de 500 páginas é um tratado sobre o processo civilizatório, um extraordinário relato com sinceras reflexões sobre a viagem que fizera ao Brasil nos anos 1930. Lévi-Strauss conviveu com os índios bororo, nambiquaras e cadiuéus nas matas amazônicas, observando os mitos e rituais, o que lhe deu a certeza de que não se tratavam de selvagens, e sim donos de uma lógica complexa e sofisticadas estruturas sociais, fazendo uma análise comparativa das religiões do velho e do novo mundo. Também fotografou muito o dia a dia da nossa realidade, os costumes, as cidades e seu povo.
Claude Lévi-Strauss faleceu a poucas semanas de completar 101 anos, na madrugada de 30 de outubro de 2009, em Paris.
Acima, o antropólogo em seu escritório em São Paulo, 1935. Foto: Acervo Biblioteca Nelson Foot, Jundiaí, SP.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

o homem que amava os livros


Foto: Acervo Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, USP

O Dia Internacional do Livro é comemorado em 23 de abril, referência da UNESCO às datas de falecimento de Miguel de Cervantes e William Shakespeare, em 1616.
No Brasil, o Dia Nacional do Livro é celebrado hoje, 29 de outubro, em homenagem à fundação da Biblioteca Nacional, em 1810, com a transferência da Real Biblioteca Portuguesa para cá.
Reverencio a data ao bibliófilo José Mindlin, criador da mais importante biblioteca privada do país. Quatro anos antes de falecer, aos 95, em 2010, ele doou sua coleção para a Universidade de São Paulo, com mais 30 mil volumes.
“A gente passa e os livros ficam. Então, é preciso que esse conjunto seja mantido e aumentado com o tempo. Sentirei saudades dos livros…”, disse durante a assinatura do termo de doação no auditório do Conselho Universitário.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

a palavra precisa


Desenho: Cícero Rodrigues

Em um trecho da entrevista ao jornalista Joel Silveira, na Livraria José Olympio, no Rio de Janeiro, em 1948, Graciliano Ramos disse, sobre o ofício de escrever, que "A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso, a palavra foi feita para dizer".
Essa e muitas outras entrevistas, com enquetes e depoimentos, estão reunidas no livro Conversas: Graciliano Ramos, organizado por Thiago Mio Salla e Ieda Lebensztayn (Editora Record, 2014). Os autores compilaram um riquíssimo material de 1910 a 1952, dando um painel da vida pessoal, intelectual e política do escritor alagoano.
A precisão da palavra na obra Graciliano Ramos é definição desse pensamento pontuado na entrevista.
Graciliano está para a prosa assim como João Cabral de Melo Neto para a poesia. A síntese da palavra, a palavra certa na síntese, é o ouro verdadeiro que brilha em seus livros. A secura de sua literatura não é aridez, é concisão, é métrica em diálogos, é a dissecação dos sentimentos dos personagens e desenho definido dos conflitos, sem rodeios, a fundo. Graciliano é um minimalista do sertão, se destitui de excessos para fixar no âmago. Por isso sua palavra diz.
Vidas secas, publicado em 1938, por exemplo, é uma espécie de romance-haicai, pelo texto e os diálogos sincopados. E essa objetividade e determinismo do escritor, faz o leitor partícipe do destino daquela família de retirantes.
A literatura de Graciliano tem essa beleza e esse olhar determinado da escrita. São Bernardo, Angústia, Caetés, Insônia, os memorialistas Infância e Memórias do cárcere, tudo! A elegante obra de correspondências "Cartas de amor à Heloísa" é de um esplendor poético impressionante pelo rigor das palavras.
Hoje 133 anos de seu nascimento. 

domingo, 26 de outubro de 2025

o iracundo

 

Darcy Ribeiro dizia que os escritores se dividem em dois grupos, os áulicos e os iracundos, e que com muita alegria se colocava na segunda lista.
Os aúlicos são os que vivem à sombra do poder, com ideias verdadeiras, mas irrelevantes, que não deixam nenhuma marca no mundo.
Os iracundos são intelectuais indignados, desafiadores, que não se limitam a ilustrar com exemplos do Hemisfério Sul as teorias importadas do Hemisfério Norte.
Na imagem acima, Darcy com rosto pintado por índios Kadiwéu, em Matogrosso do Sul, 1947, fotografado por sua esposa, Berta Gleizer Ribeiro, também antropóloga e etnóloga.
Nunca o Brasil foi tão brasileiro na existência de Darcy Ribeiro.
Hoje, 103 anos de seu nascimento.


sábado, 25 de outubro de 2025

duas guerras

“Este livro é uma tentativa de reconstituição de um tempo ruim. Centrado nos tumultuados dias de outubro de 1975, quando a fúria dos agentes do lado mais escuro da ditadura militar golpeou a fundo a categoria dos jornalistas, ele mostra os acontecimentos do ponto de vista de quem os viveu intensamente. Eu, por exemplo, que não tenho dúvidas de que aqueles foram os dias mais angustiantes da minha vida”,
- Audálio Dantas (1929-2018), poeta, jornalista, autor e um dos protagonistas de As duas guerras de Vlado Herzog (Editora‎ Civilização Brasileira, 2012).
Livro imprescindível sobre uma parte infeliz de nossa história e para conhecer a trajetória do jornalista Vladimir Herzog.
O ponto de partida é a saga da pequena família Herzog em fuga desesperada da Iugoslávia para a Itália, durante os dias de horror da Segunda Guerra Mundial. Corriam da guerra que despedaçava a Europa e da perseguição nazista aos judeus. Para trás ficou o que restava da família, em sua maior parte assassinada nos campos de concentração.
Para sobreviver, o menino Vlado aprendeu dolorosas lições de como escapar. Vivia a sua primeira guerra. A segunda foi no Brasil, quando chegou aos 9 anos. A paz que ele e seus pais acreditavam ter encontrado aqui, terminou um dia na escuridão de uma sala de tortura.
50 anos hoje que Vlado Herzog foi “suicidado” nas dependências do DOI-Codi.


 

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

o Brasil na câmera de Vladimir

Foto: Acervo CineMemória

"O mundo físico tem me fascinado, como seria natural a qualquer ser humano, desde a mais recuada fase da existência. E me parece que, em meio a toda a elaboração das imagens da terra que compulsoriamente marcam os filmes que tenho feito, posso identificar etapas em progressão desse tropismo em direção à natureza.
Até consigo recuar na minha memória, a ideia mais substantiva de terra que tenho era viva e concreta, embora às vezes confusa e incipiente. Na tenra idade do meu burgo interiorano, a imagem da terra que eu captava naturalmente era cheia de vida, uma vida que vim descobrir depois desigual e injusta para muitos dos que lidavam com ela.
(...)
Foi essa imagem de terra de meu país que busquei passar no meu ofício de trabalhador de cinema, num humilde e despretensioso gesto de solidariedade a todos aqueles homens da terra, da minha primeira e já longínqua visão do mundo e da natureza".
- Trechos do texto de apresentação do catálogo Retrospectiva dos 70 Anos do Cineasta Vladimir Carvalho, escrito pelo homenageado.
A mostra aconteceu no Centro Cultural Banco do Brasil, Brasília, de 18 a 24 de abril de 2005, depois seguiu para o Rio de Janeiro.
Durante uma semana revi seus filmes curtas, médias e longas; acompanhei as palestras; conversei com Vladimir nos corredores do Centro, no café, nos jardins. O cinema diante de mim. O imenso ser humano diante de mim. Mais que admiração, devoção.
Hoje faz um ano que ele partiu. A saudade como retrospectiva.

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

à francesa


 

só o coração pode entender


Foto: páginas de Luiz Galvão nas redes sociais

A tropical minimalista sincopada canção Acabou chorare, letra de Galvão, musicada por Moraes Moreira, tem uma história interessante.
Gravada no disco homônimo dos Novos Baianos, em 1972, o ano em que vivíamos em perigo com a ditadura Médici, o letrista conta na página 98 de sua biografia Anos 70: Novos e baianos (Editora 34, 1997), que um dia telefonou para João Gilberto contando que estava escrevendo uma letra sobre uma abelhinha, a natureza de polinização do doce inseto voador.
“Fenomenal!”, admirou o bruxo de Juazeiro, no alto de seu banquinho e violão.
E João contou ao conterrâneo a coincidência que só o coração pode entender: “Eu estava justamente falando com o poeta Capinan, e ele lembrava que a abelha beija a flor e faz o mel, e eu gostei e completei: E ainda faz zum-zum-zum”.
- Posso usar isso na minha letra? – perguntou Galvão.
- Deve – aprovou o mestre.
A inusitada parceria não parou por aí. João Gilberto contou que sua filha Bebel quando pequena levou uma queda. O pai preocupado correu para acudi-la. A menininha curiosamente reagiu com coragem e tentou acalmar o pai aflito, falando uma língua em formação: “Não, acabou chorare”.
E assim, a clássica canção de um dos melhores discos da história da música brasileira, tem o zum-zum-zum de João e o auto consolo surpreendente de Bebel Gilberto.
Lembrei-me dessa história porque hoje faz três anos que Galvão partiu. Naquele 2022, sob um céu que não nos protegia de um desgoverno, o poeta vivia uma situação financeira difícil, fazendo campanha nas redes sociais, vendendo suas relíquias autografadas para custear o tratamento de saúde.
Era domingo de um outubro tenso quando li a notícia. “De manhã cedinho / tudo cá cá cá cá, na fé fé fé / no bu bu li li...” e nada ficou lindo. Comecei chorare. Quase dois meses depois de internado, Galvão não resistiu a uma hemorragia gastrointestinal. Tinha 87 anos e muita saudade do Brasil brasileiro.
Uma abelhinha faz zum-zum-zum em meu coração.

chorare


 

terça-feira, 21 de outubro de 2025

pé na estrada

Jack Kerouac escreveu On the road (1957) em ritmo ininterrupto de três semanas, numa pequena máquina com folhas de papel manteiga emendadas para não perder tempo em trocá-las, movido a benzedrina, xícaras de café e ouvindo jazz.
A entrega de emoção é tanta, num contrafluxo de transgressão e lirismo, que em cada página podemos ouvir as sonoridades das ruas e ver as planícies das estradas por onde Kerouac passou.
O livro atravessa os Estados Unidos, a partir da lendária Rota 66, e nos atravessa por completo a partir de uma prosa de reflexão pelo lado sombrio do sonho americano. “A sua América inteira... como uma densa colmeia balzaquiana em um grão de joia”, como ele aferiu em Doctor Sax (romance escrito em 1952, publicado em 1959).
On the road é uma obra-prima que influenciou todos os movimentos de vanguarda e o comportamento da juventude da metade do século XX.
Abaixo, a mochila que o escritor usou nas viagens e guardava as anotações que serviram de base para o livro, vista na exposição Sur La Route de Jack Kerouac : L'épopée, de L'écrit à L'écran, no Museu de Letras e Manuscritos de Paris, em 2011.
Hoje, 103 anos de nascimento do mochileiro que não voltou aos 47.

Kerouac


 

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Rimbaud

Por delicadeza
perdi minha vida.
- Arthur Rimbaud no poema Canção da mais alta torre.
O poeta com sua alma inquieta, um dos mais forte do Simbolismo francês, se foi aos 37. Aliás, não foi, continua nas paredes da memória, reinventando-se em cada verso lembrado, traficando sonhos.
Hoje 171 anos de seu nascimento.
Acima, arte urbana com a imagem do poeta, de Ernest Pignon, Paris, 1978.


 

Rimbaud nas ruas


 

domingo, 19 de outubro de 2025

versos em alto mar

Em 1938, o jovem de 24 anos Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes, o futuro 'poetinha', ganhou uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford.
Em setembro daquele ano, a bordo do navio Highland Patriot, escreveu o belamente dolorido Soneto da separação", motivado pela saudade da namorada Tati, que se tornaria sua primeira esposa.
Os versos partem de uma ausência, e não exatamente de uma ausência que nos parte quando tudo, “de repente, não mais que de repente”, se faz “triste o que se fez amante”. Mas por licença poética, e desespero de causa mesmo, se conjuga nas duas ausências... quando se faz “da vida uma aventura errante”.
Vinicius saltava sem rede de proteção em todos seus relacionamentos. E tornava-se afetivamente dependente e incurável. Toda sua poesia cauciona essa dedicação e arrebatamento. Afinal, aquela a quem se ama “é como o pensamento do filósofo sofrendo”, delineia no poema A brusca poesia da mulher amada, também de 1938.
Quando morava em Itapuã, nos anos 70, o poeta chegava às vezes amuado e deprimido ao atelier do amigo Carlos Bastos. O artista plástico, preocupado, via naquele sessentão um adolescente apaixonado. Dizia para não se entregar tanto, “se distancie um pouco para amar melhor”. Mas Vinicius queria apenas ser ouvido, com carinho, não escutar conselhos. A obstinação sentimental do poeta era parte essencial do amor, como insumos para amar “muito e amiúde” e “morrer de amar mais do que pude”.
E no amor, como no samba, é preciso um bocado de tristeza, senão, não se faz um samba não.
Hoje, 112 anos de seu nascimento. Imortal, posto que é chama.
Ilustração: intervenção sobre logomarca criada pela Agência 6D. 

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

iminências do tempo


“Aqui divido os sertões que carrego com você, que me guiou nas primeiras luzes/sombras, e sempre me levou em seu trem da memória, de tantos cotidianos, com Marias, Gicélia e Valderez”.

Rubens Venâncio assim me dedicou seu livro Iminências, ensaio fotográfico iniciado em 2013 e tornado objeto palpável pelo tato das retinas em 2022. Uma nova leva de exemplares chega à mesa e às mãos próximas dos afetos.
Acompanhei de perto, dos rios e afluentes mais ternos do coração, a história de todo esse processo, as etapas dessa artesania que Rubens tão bem sabe lapidar os traços da memória. Seu trabalho com a fotografia é uma arqueologia no mais fiel significado do grego “anamnese”, quando a matéria prima é a recordação, a lembrança.
Fotografar é só o começo. O congelamento do clique é o início da memória. A fotografia tem esse poder de eternidade: ela atravessa a rua e o tempo.
Quando recebi pelos Correios a caixa com o meu exemplar de Iminências, eu ouvia uma faixa do disco Alambari, da banda ucranina DakhaBrakha. O grupo compõe canções cosmopolitas e vibrantes, tecendo com agudos fios instrumentais e vocais, harmonias, lamentos e esperança, num encontro primoroso do blues e gospel com os temas e ritmos étnicos de sua terra devastada por uma guerra, insana com todas elas.
O anímico da música me acompanhava enquanto abria a caixa e começava a folhear Iminências, trazendo à luz as imagens em polaroid que Rubens lapidou com minimalismo a textura do tempo. Por segundos pensei estar abrindo errado a primeira página, emocionado que estava, ansioso e disfarçadamente atrapalhado, perplexo com a beleza.
“Não tem erro, mas possibilidades”, disse-me Rubens depois. Cada um encontra as fotografias na arca de cada página a sua maneira, com o impulso nato, com a predisposição alquímica das mãos sem aprendizado prévio, sem manual que desfavoreça as curvas no caminho.
A música de DakhaBrakha que corre pelas raízes de seu chão originário, moldou-se como trilha no sertão do Cariri cearense onde Rubens reside, trabalha e sonha.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

a moça que passa


Foto Acervo IMS

O carioca de ascendência francesa Marc Ferrez (1843-1923), foi um completo cronista visual das paisagens e dos costumes da segunda metade do século XIX e do início do século XX.
Não somente o Rio, todas as regiões do Brasil fazem parte da sua valiosa obra iconográfica. Construção de ferrovias e tuneis, movimentos de rebelião no início do governo republicano, escavações de minas. Foi o primeiro a fotografar os índios botocudos no sul da Bahia.
Mas a graça da moça que passa de minissaia na Avenida Rio Branco, em 1910, é de um lirismo transgressor encantador.
Sempre que vejo essa foto, e a tenho em um ponto inevitável na minha estante, remeto-me a uma passagem de O amanuense Belmiro, romance de Cyro dos Anjos ambientado na Belo Horizonte dos anos 30:
“A vida não se conforma com o vazio, e a imagem da moça encheu-me os dias”.
Entre panorama urbano carioca e a provinciana capital mineira, entre a reflexão do amanuense em seu diário e o flagrante do cotidiano de Ferrez, não há necessariamente uma ligação. Apenas minha particular simetria no tempo à procura de encher de dias e significados a semana que começa.

sábado, 11 de outubro de 2025

amar, verbo intransitivo


De todas as ótimas atuações de Diane Keaton no cinema, a interpretação de Sonja em Love and death (no Brasil, A última noite de Boris Grushenko, de Woody Allen, 1975), é particularmente marcante pelos diálogos precisos, afiados, filosóficos. E muito mais no jeito de falar, com sua beleza fulgurante.

Numa das sequências finais, sua prima Natasha expõe a intranquilidade do amor em relacionamentos dela e de pessoas próximas. Depois de ouvir aquele relato que lembra o poema Quadrilha de Drummond, fulano que amava sicrano que não amava beltrano, Sonja tranquilamente diz que “está ficando tarde” e arremata para que a moça compreenda de uma vez por todas o sentido do amor, seus abismos e sortilégios.
O que pode parecer um aforismo verborrágico e engraçado do roteiro de Woody Allen, é muito mais do que um jogo de palavras. O diretor usa diálogos e ambientações que de forma engenhosa parodiam clássicos da literatura russa. Estão lá Dostoiévsky e Tolstoi. E Diane Keaton para dizê-los.
A atriz faleceu hoje aos 79 anos. Tudo sempre fica tarde com a ausência.
Acima, o trecho de amor e dor.

manhã de sábado


 

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

poesia na rua


 

no meio da rua


“Um livro de poesia na gaveta / não adianta nada / lugar de poesia é na calçada”, começava Sérgio Sampaio sua belíssima composição Cada lugar na sua coisa, de 1976.
O poeta cearense Paulo Fraga-Queiroz ouviu o brado inquieto do compositor capixaba e botou nas ruas o bloco do genial projeto Poesia Em Cartaz: pegou 80 autores com respectivos versos curtos e estampou em 80 outdoors pelas ruas de Fortaleza!
E aí me lembrei de um verso de Paulo Leminski que disse por trás de seus óculos e bigode: "Belo seria se os anúncios luminosos não fossem comerciais". Fraga-Queiroz, que também é publicitário, satisfez o desejo do poeta curitibano.
Seu projeto reflete na paisagem urbana a desmercantilização da beleza e da arte. Poesia publicada na pele da cidade, a céu aberto, por suas esquinas e ruas, como registra a sinopse de sua ideia. Uma oportuna reflexão sobre o que é verdadeiramente belo, sobre o impacto da publicidade na sociedade através da poesia e na percepção da realidade na leitura de versos rápidos e tocantes.
Parabéns, Paulo, pelo seu imenso, urgente e necessário trabalho de divulgar poesia nas dimensões 9m x 3m de um outdoor.
Sinto-me honrado por estar na segunda temporada de 20 poetas.
E escolhi um verso que indicasse minha perplexidade e timidez sertaneja.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Zélia Sales


 "...as duas se afastaram como se fossem bem ali salvar o mundo"

A poesia e o cinema na prosa de Zélia Sales.
Imensa!

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Jane Goodall


 

Poesia em Cartaz


"É com grande alegria que damos início à segunda edição do projeto Poesia em Cartaz.
E para abrir essa jornada, temos mais 20 poetas, letristas, romancistas nesta edição.
Destacamos a poesia de Nirton Venancio.
Poeta reconhecido, Nirton foi premiado em vários concursos nacionais de poesia. Publicou os livros Roteiro dos pássaros (prêmio Filgueira Lima de Poesia), Cumplicidade poética, Poesia provisória e Trem da memória. Além disso, é um dos fundadores do Grupo Siriará de Literatura e editou a revista Comboio de Literatura, ambos em Fortaleza.
Cineasta festejado, seu curta-metragem Um cotidiano perdido no tempo recebeu o prêmio Margarida de Prata da CNBB, além de melhor filme e melhor fotografia na Jornada da Bahia. E O último dia de sol foi premiado nos festivais de Curitiba, Cine Ceará e no Maranhão recebeu o Troféu Jangada da Organização Católica Internacional de Cinema.
Senhoras e senhores, com vocês, Nirton Venancio, um mestre da palavra e da imagem.
Nirton, pra mim, você é um dos grandes responsáveis por incendiar a cena cearense de literatura. Que honra ter você com a gente neste projeto, amigo! Arre-égua, macho! Evoé!
Serão 20 outdoors, 20 poetas, 20 poemas pelas ruas de Fortaleza. Uma miscelânea de vozes para dar conta da poesia nos dias de hoje.
A segunda edição vai acontecer de 06 a 19 de outubro. Ou seja, todos os participantes, a seu tempo, terão o momento de ver seu trabalho na rua e repercutindo nas redes sociais".
- Paulo Fraga-Queiroz, poeta e publicitário