O escritor Graciliano Ramos era louco por cinema. Não perdia os filmes de Charles Chaplin, sua atriz predileta era Katherine Hepburn, e se divertia como uma criança de sua alagoana Quebrangulo com os desenhos da Disney.
Mas sua preferência forte, que o faziam ficar sem piscar os olhos na tela, eram as comédias sarcásticas de Frank Capra, que diametralmente denunciava, com humor, simplismo e idealismo, o que escritor dissecava com angústia a vida seca dos seus personagens. Imagino a preciosidade do sentimento desse encontro do cinema apólogo do cineasta hollywoodiano com o arcabouço literário do “Dostoievski dos trópicos”, como chama o biógrafo Dênis de Moraes.
Em Memórias do cárcere, obra póstuma, 1953, entre as agruras que relata, há uma passagem em que Graciliano conta como ele e a colega encarcerada Nise da Silveira, a médica psiquiatra, ficavam horas em planos quiméricos com vontade de assistir a um filme:
“Ociosos e ausentes do mundo, precisávamos fazer esforços para não nos deixarmos vencer por doidos pensamentos. Causavam-me espanto os devaneios dos outros, às vezes me sentia resvalar numa credulidade quase infantil, e era doloroso notar os escorregos do espírito. Nise ficava uma hora a matutar nos programas de cinema, exigia a minha opinião, grave. Entrávamos a escolher fitas, enfim nos decidíamos:
– Vamos ao Metro.
Esse exercício estava sempre a repetir-se, e nem sei se era apenas brincadeira, se não chegávamos a admitir a possibilidade maluca de atravessar paredes e grades, sair à rua, tomar o ônibus, entrar nas lojas, nos cafés, nas livrarias e nos cinemas".
Na foto de autor desconhecido, o Cine Metro Passeio, RJ, aguardando Graciliano.
Hoje, 132 anos de seu nascimento.
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