quinta-feira, 24 de outubro de 2024

ao grande mestre com imenso carinho


Há quase um ano eu conversava com o cineasta Vladimir Carvalho numa das Quintas Literárias da Associação Nacional de Escritores, em Brasília, quando ele me perguntou: “E o seu documentário sobre o Pessoal do Ceará?”. Disse que estava concluído e expliquei os motivos da demora, as dificuldades de finalização, a extensa negociação para a liberação de direitos autorais de músicas e imagens.

- Eu sei o que é isso. Minha vida toda foi negociar músicas e imagens, mais as imagens, para terminar meus filmes. – Disse-me, com conforto e parceria colocando a mão em meu ombro.
- Nirton, me diga uma coisa, você tem meu livro Jornal de Cinema?
Falei que não tinha mais, emprestei a um amigo que nunca me devolveu. “Ah, vou lhe dar outro. Passamos lá em casa depois daqui”.
E assim, generosa e surpreendemente, foi feito.
O amigo José Anchieta nos deu carona. O carro estacionou no bloco da 104 Sul. “Esperem aí que vou pegar”, pediu, saindo apressado.
Fiquei ali no enquadramento de janela 4:3 mesmo, como nas câmeras com que ele filmou O país de São Saruê, admirando aqueles passos de um dos maiores documentaristas indo pegar um livro para mim. Eu, eterno aprendiz de cinema diante daquele monumento.
Passaram-se mais de vinte minutos quando eu e Anchieta nos entreolhamos preocupados com a demora. E de repente lá vem ele com o exemplar. Saio do carro e chega se explicando: “Demorei porque não achava uma caneta pra dedicatória e não queria acordar minha mulher.”


Abri o livro e li o que com tanto carinho escreveu. Dei-lhe um abraço comovido e ele me flagrou com os olhos molhados: “Ei, gosto de você, conterrâneo velho de paz”, brincou, fazendo um trocadilho com o título de um de seus filmes.
E hoje, menos de um mês para completar um ano daquela noite em novembro, Anchieta me liga dando a notícia de sua partida. Agora subiu para outros sets e não volta mais.
Guardo essa dedicatória num dos lugares mais ternos do meu coração. Parafraseando o poeta Antonio Cícero, que partiu ontem: guardo olhando, fitando, mirando por admirar, iluminando e ser por Vladimir iluminado.

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