sábado, 29 de abril de 2023

portal do tempo


Foto: Acervo Instituto Moreira Salles

“Zuenir Ventura falou pra mim: ‘Tenho um trabalho aqui pertinho ali, dá uns 200, 300 metros, um homem te esperando, é um ex-presidiário, era o rei da Lapa, e tá te esperando pra ser fotografado. Esse é, nada mais, nada menos que o Madame Satã.’
Eu era da sucursal da revista VEJA, no Rio, e fui, me encontrei com ele.
E quando ele olhou pra mim, parecia uma fera, um olhar assim maligno, um olhar perseguido, em questões não muito conclusivas. E eu disse ‘Quero fazer uma fotografia de você, Madame Satã, saindo daquele portal ali’. Eu tinha visto tudo num raio rápido, porque não me interessava fotografar ele assim, parado, eu queria que ele fosse um ator da minha lira. E aí ele disse que sim, de uma forma calada, só fez com a cabeça sim. E eu disse 'Vá umas três ou quatro vezes'. Ele foi. Eu disse ‘De novo, vamos’, ele veio. Eu disse ‘De novo’... ‘De novo’, até que foi essa.”
- Walter Firmo sobre uma de suas fotos mais conhecidas, de 1976, a do transformista, figura emblemática e um dos personagens mais representativos da vida noturna e marginal da Lapa carioca na primeira metade do século XX.
Fotografar é o começo. O congelamento do clique é o início do descongelamento da memória.
A fotografia tem esse poder de eternidade: ela atravessa o portal, a rua e o tempo.
As linhas horizontais metálicas de prisão, as linhas verticais da camisa coração, o azul da porta e da calça feito céu com o pássaro branco do chapéu, tudo se liberta no pé direito que flutua, emoldura agora o olhar terno diante a lira fotográfica de Walter Firmo.
A foto faz parte da exposição Walter Firmo: no verbo do silêncio a síntese do grito, no CCBB Brasília. 

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