“O último dia de sol", de Nirton Venancio, é uma belíssima investida no cinema dos sentimentos e da memória. Rosselini redivivo, numa lição despojada de recursos, mas requintadíssima em sinceridade. Venancio, que havia realizado um poético e emocionante curta-metragem em 1988, "Um cotidiano perdido no tempo", prossegue revisitando o seu próprio passado com a segurança dos grandes veteranos do cinema da Península.
"Só é moderno aquele que soube ser antigo", disse Murilo Mendes. O olhar de Venancio e a luz de Miguel Freire jamais interferem de maneira grosseira na observação adulta dos sentidos aviltados do menino personagem; a opção pelo preto-e-branco se impõe na tentativa de detectar fragmentos dolorosos da memória de um país à deriva. "O último dia do sol" parece um episódio apócrifo de "Roma, cidade aberta" ou "Alemanha, ano zero".
Quem se amarra em firula, vai criticar o final em aberto, o tempo excedente de algum plano e a economia dos diálogos. Os amantes do fetiche vão detestar a decupagem clássica. Mas somente aqueles que odeiam o cinema como meio de aperfeiçoamento humano serão incapazes de enxergar que estão diante de um filme grandioso em sua generosidade. A evolução de Nirton Venancio o coloca além do cinema narrativo e mais próximo da poesia em estado seminal.
Eis, finalmente, um herdeiro insuspeito da dramaturgia prosaica, embora sempre universal, e imensa em afetividade, de Roberto Santos.
- Carlos Reichenbach (1945-2012), cineasta, em sua página na Internet, Cinema - Cartas do Reichenbomber, 23 de junho de 2000, sobre meu filme curta-metragem.
Na madrugada de 1º de abril de 1964, dia seguinte ao golpe militar no Brasil, um ativista político foge com a esposa e o filho pequeno. A ação, com roteiro baseado em fatos da minha memória, passa-se em uma pequena cidade do interior cearense.
Vivemos duas décadas de arbitrariedades, de prisões, de torturas, de mortes, de "suicídios", de corpos em valas comuns, sumidos, jogados ao mar. Há quase 60 anos que pais não têm seus filhos de volta, que filhos não conhecem seus pais, que brasileiros perderam o passado em cárceres e ainda ecoam em seus ouvidos a ira de seus carrascos. A tortura como instrumento do Estado, e não da lei, foi uma marca registrada do governo militar.
Filmado em película PB 35mm, com 18 minutos de duração, recebeu os prêmios de melhor fotografia (Miguel Freire) no 4º Festival de Cinema e Vídeo de Curitiba, melhor direção de arte (Jefferson De Albuquerque Junior) no 10º Cine Ceará, melhor filme nacional conferido pela Organização Católica Internacional de Cinema, no 23° Guarnicê de Cinema e Vídeo do Maranhão. Selecionado para Festival de Cine y Video de Derechos Humanos (Argentina), Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata (Chile) e Festival de Cine de La Habana (Cuba). E tantos festivais, mostras e debates sobre a ditadura militar. A jornalista, ensaísta, pesquisadora e professora Ivana Bentes, no programa Curta Brasil da TVE Brasil, lembrou que é o primeiro filme que tem enredo no dia do golpe.
Hoje, 59 anos de nada a comemorar. Só nosso coração civil a bradar "nunca mais outra vez!".
Disponível no meu canal no Vímeo.
(Cópia provisória, extraída de DVD, enquanto uma digitalizada a partir dos negativos é providenciada).
Na foto de Deise Jefinny, ao meu lado na câmera, o diretor de fotografia Miguel Freire e o assistente Pereira Sebastian Matias, à frente, o ator Joca Andrade.
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