Em 1960 Manuel Bandeira viu a cantora Maysa em um programa de televisão, que principiou a gostar pelo nome, “Maysa! Parece um amanhecer”, escreveu em uma crônica na revista A Cigarra, em 1961. Fascinado com a voz que, segundo o poeta, mais dizia do que cantava, não conseguiu dormir naquela noite depois que desligou o televisor, “quem disse que eu podia esquecer os olhos e a boca de Maysa?”.
Bandeira já tinha ido para Pasárgada em 1930, onde a existência era uma aventura, andou de bicicleta, teve a mulher que quis na cama que escolheu, e tomou banhos de mar. Tudo sob os auspícios do rei, de quem era amigo. Mas nada superava a beleza de Maysa, a boca e aqueles olhos que o perseguiam no seu pequeno quarto, “era tão pungente a expressão deles, expressão de amargura, a mais intensa que eu já tinha visto na vida ou na arte!”.
Como Maysa “continuava” com ele fora do programa, Manuel Bandeira decidiu “aplicar à obsessão o golpe da catarse”, fazer alguma coisa para poder ir dormir. “O artista leva esta vantagem sobre o não-artista: pode livrar-se das obsessões, reduzindo-as a poema, estátua, pintura ou desenho. Vou fazer um poema sobre Maysa”, esclareceu na crônica o que resoluto falou para si, entre um chá, o tinteiro e o papel em branco à espera dos versos de um poema que “pretendia ser absolutamente sincero, nada de galanteio, de orquídeas brancas, de marrons glacês.”
Naquele começo de década Bandeira tinha uma coluna no Jornal do Brasil, e o assunto que dominava as redações era a inauguração da nova capital federal. “Eu tinha que bater a minha crônica para o jornal, não achava assunto que me atraísse, só se falava, então, em Brasília, de súbito me deu o estalo”, e começou a teclar na máquina Hermes Baby: “Neste momento a mão é para Brasília / (Todos os caminhos levam a Brasília) / Mas eu gosto de tumultuar o trânsito / Vou louvacionar Maysa!”
Manuel Bandeira deixou de lado o sonho erguido de Dom Bosco onde “No princípio era o ermo”, como diz Vinicius de Moraes em Brasília, Sinfonia da Alvorada, e joga-se nos “dois oceanos não-pacíficos” dos olhos de Maysa. Eliminou os quatro versos-desculpa acima e o poema veio de um fôlego só, para o seu próprio espanto que nunca considerou definitivo o que escreve sem reler e refazer “a versalhada dez, vinte, trinta vezes.”.
Publicado originalmente na sua coluna, em 1960, o poema que tem como título o nome da musa, está no capítulo Louvações do livro Estrela da tarde, na reedição com novos poemas, da José Olympio Editora, de 1963 (a primeira é de 1960, da editora baiana Dinamene).
No começo dos anos 70, Maysa foi morar em Maricá, município na região metropolitana do Rio de Janeiro, a uns 60 quilômetros da capital. O clima rural de chácaras, fazendas, a brisa da praia de Ponte Negra, os resquícios históricos marcados nos trilhos da estrada de ferro, um túnel por onde o trem aparecia e sumia, tudo emoldurava o autoexílio da cantora em sua casa, livrando-se das encucações em que mergulhou nas noites de um samba-canção.
No final de tarde do dia 22 de janeiro 1977, ao voltar do casamento do filho, Jayme Monjardim, dirigindo a toda velocidade sobre a ponte Rio-Niterói, Maysa faleceu, aos 40 anos, ao bater o carro em uma mureta, quando tentava desviar de outro veículo.
Bandeira concluiu na referida crônica, Um poema e sua história que “Não sei se Maysa gostou ou não da louvação. Vinicius me disse que ela gostou. Maysa não me deu bola.”
Nos versos finais do poema, o poeta arremata seu fascínio e mote sentimental dizendo que “Essa é a Maísa da televisão / A Maísa que canta / A outra eu não conheço / Não conheço de todo. / Mas mando um beijo para ela.”
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Texto para o meu livro em preparação ©Crônicas do Olhar, a ser lançado pela
Editora Radiadora
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