- A poesia brasileira precisa de dinheiro. Precisa de uma estrutura econômica estável como alicerce. Precisa de que o Brasil seja rico e autoconfiante e independente em todos os sentidos. Precisa de universidades, enciclopédias, dicionários, editores, cultura humanística, museus, bibliotecas, público inteligente, críticos de verdade, agitação, coragem. Precisa de contar com uns poetas que leiam grego, com outros perseguidos pela polícia e com uns terceiros que leiam provençal e ameacem a sociedade. Isso sem contar com uns dois ou três cuja poesia fale à alma do povo.
Resposta do poeta piauiense Mário Faustino à pergunta de um hipotético leitor de seus poemas.
O trecho está na página 265 de Mário Faustino – Uma biografia, da poeta e professora de Literatura da Universidade Federal do Pará, Lilia Silvestre Chaves.
Resultado de sua tese de doutorado, o livro foi publicado em 2004, pela Secretaria de Cultura do Pará, em tiragem limitada. Raridade em sebos literários, o exemplar vai de 200 a 400 reais na Estante Virtual.
Até o momento é o único estudo biográfico de um dos mais autênticos poetas brasileiros, de relevância singular na terceira geração do Modernismo, autor de um único livro, O homem e sua hora, 1955. Também jornalista, tradutor e crítico literário, Faustino morreu precocemente, aos 32 anos, em acidente aéreo nos Andes peruanos quando viajava a trabalho para Cuba e México, em 1962.
A tarefa de Lilia Silvestre, que pela natureza de pesquisa acadêmica desenvolveria mais para um estudo crítico, segue naturalmente por outro lado, meandros e labirintos da vida do poeta: fotos, cartas, as relações familiares, principalmente com uma das irmãs, que teria vendido todos os seus pertences e desaparecido, a homossexualidade assumida e discreta, e seu grande amor Oswaldo, com quem conviveu no período em que trabalhou na ONU, como correspondente do Jornal do Brasil, sua dedicação à traduções de grandes nomes da literatura mundial, como Dylan Thomas e Ezra Pound.
No enleio da narrativa é também natural e evidente o poeta Mário no profissional Faustino em tudo que fazia. Em cada gesto e iniciativa, colocava o seu lema “repetir para aprender, criar para renovar”, característica de uma revolução estética com sua página Poesia-Experiência no Suplemento Dominical do JB, em meados dos anos 50.
Três anos antes de falecer, decepcionado com os rumos de seu trabalho de pesquisa e reflexão sobre a poesia, Faustino dedicou-se mais ao jornalismo. É desse período a resposta ao leitor hipotético.
Uma lembrança oportuna para hoje quando se comemora o Dia do Leitor, hipotético ou não.
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