Na consideração do filósofo, ensaísta e teórico musical sul-coreano Byung-Chul Han, a sociedade moderna passou do “dever fazer” para o “poder fazer”. “Vive-se com a angústia de não estar fazendo tudo o que poderia ser feito”, e se você não é um vencedor, a culpa é sua. “Hoje a pessoa explora a si mesma achando que está se realizando; é a lógica traiçoeira do neoliberalismo”. E a consequência: “Não há mais contra quem direcionar a revolução, a repressão não vem mais dos outros”. É “a alienação de si mesmo”.
A dependência das redes sociais (cá estamos), e nelas a necessidade das pessoas de obterem uma maior quantidade de “likes” em postagens que expõem em praça pública virtual as vísceras de suas relações pessoais, dos namoros ao filho recém-nascido, os pratos preferidos na mesa posta, os comprovantes de check-in de viagens ao exterior, a selfie em frente ao espelho na academia, o abraço com a banca de aprovação de doutorado, da unha encravada e saída do podólogo ao resultado positivo e recuperação de Convid... É preciso curtidas e mais curtidas para que tudo ao final do dia seja “validado”. E assim existimos sem sabermos a que será que se destina.
Essas pontuações dos costumes do mundo moderno com a internet têm em Byung-Chul Han uma pertinente e necessária reflexão. O seu pensamento dissecador da sociedade do hiperconsumismo, faz, por exemplo, uma comparação inquietante com o romance distópico 1984, de George Orwell, publicado em 1948: naquele universo “a sociedade era consciente de que estava sendo dominada; hoje não temos nem essa consciência de dominação.”
O filósofo de 62 anos, residente na Alemanha, onde é professor na Universidade de Berlin, tem mais de dez livros publicados. Destaco Sociedade do cansaço, 2010, A topologia da violência, 2011, A agonia de Eros, 2012, Psicopolítica: Neoliberalismo e as novas técnicas de poder, 2014, Sociedade da transparência, 2017, onde encontramos temas como ética, filosofia social, política, fenomenologia, teoria cultural, estética, religião... sempre tratando do mundo em que vivemos, curiosamente visionário nestes tempos pandêmicos e de avanço da extrema-direita.
Realista sem ser fatalista - embora pareça -, Byung-Chul Han alerta a cada leitura. Em Sociedade da transparência ele observa e sobreavisa que “as coisas tornam-se transparentes quando abandonam toda a negatividade, quando se alisam e aplanam, quando se inserem sem resistência na corrente lisa do capital, da comunicação e da informação."
Um dos pontos interessantes no desenvolvimento do pensamento do filósofo, é o seu diálogo cogitativo, de correlação e equivalência de símbolos com o cinema. Agonia de Eros foi escrito a partir de um ensaio em que examina os personagens depressivos do filme Melancolia, 2011, do dinamarquês Lars Von Trier.
Em 2015 a cineasta e artista plástica alemã Isabella Gresser dirigiu o documentário Sociedade do cansaço (disponível no YouTube, com legendas em inglês) em que acompanha o próprio Byung-Chul Han em suas andanças em Seul e Berlin, trechos de palestras, suas análises sobre filmes, fotografias, artes plásticas, suas origens na Coreia. A proposta narrativa de Gresser, como recurso de metalinguagem, quando o filósofo caminha pelas ruas da capital alemã, é uma referência a Asas do desejo, de Wim Wenders, 1987. Como diz o título original, Der himmel über Berlin (O céu sobre Berlin), o cineasta faz, através dos personagens, dois anjos sobrevoando a cidade, um passeio sobre os pensamentos dos habitantes, analisando a utópica e desencantada ideia da condição humana. No documentário, que tem o subtítulo Byung-Chul Han em Seul/Berlin o caminhante filósofo configura-se, se estende e se espelha na ótica desses anjos pensadores.
O filme de Wenders foi rodado no sintomático tempo de dois anos que antecederam a queda do Muro de Berlin. Byung-Chul Han é como um terceiro anjo refletindo sobre os destroços e o que isso significou, significa e significará.
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