Zózimo Bulbul foi o primeiro ator negro a participar de novela, fazendo par romântico com Leila Diniz em Vidas em conflito, 1969, na TV Excelsior. Sua atuação marcante ficou também como um símbolo da luta contra o racismo descarado e disfarçado.
Zózimo lutou a vida inteira pelos direitos nas questões da raça negra. Estreou como diretor no curta Alma do Olho, considerado subversivo pela censura na ditadura do governo Médici, em 1974.
Participou de mais de 30 filmes, entre eles Ganga Zumba, de Cacá Diegues, Terra em transe, de Glauber Rocha, O veneno da madrugada, de Ruy Guerra. Excelente ator, seguro nas suas interpretações, Zózimo chamava a atenção por sua elegância, de uma beleza ébano cativante.
Em meados de 2012 o cineasta Spike Lee o entrevistou para o documentário Go Brazil, go!. “Eu tinha morado em Nova Iorque quando a ditadura apertou por aqui. Fiz muitos contatos que me ajudaram na organização dos festivais de cinema. Spike esteve no Brasil e o único cineasta brasileiro que quis entrevistar foi a mim. Porque ele sabia do meu comprometimento com os irmãos africanos e em fazer com que o cinema seja ferramenta de luta”, disse em novembro daquele ano durante o 6º Encontro do Cinema Negro no Brasil, África e Caribe, evento criado por ele, ocorrido no Rio de Janeiro, quando foi homenageado pelos 50 anos de carreira.
No filme percebe-se que o artista falava com dificuldade. Zózimo Bulbul lutava contra um câncer no colo do intestino. Não chegou a ver o documentário. Um mês depois da homenagem, na manhã do dia 24 de janeiro de 2013, uma quinta-feira, sua esposa, a produtora e figurinista Biza Vianna, estava ao seu lado quando sofreu um infarto em seu apartamento, na praia do Flamengo, falecendo aos 75 anos. No final da tarde o salão da Câmara dos Vereadores estava lotado de artistas, parentes e amigos para o velório. “É um sentimento horrível, mas o que existe agora é um grande alívio, pois ele estava sofrendo muito. Ele lutou o tempo todo. É um guerreiro, um rei africano”, despediu-se a viúva.
Pedra do Sal e Cais do Valongo, são locais históricos importantes na história do Rio do Janeiro. O primeiro é um monumento religioso localizado no bairro da Saúde, onde se encontra a Comunidade Remanescentes de Quilombos. O segundo é um antigo cais onde as pedras pisadas marcam o único vestígio material da chegada dos africanos escravizados, pedaço que o compositor Heitor dos Prazeres chamava de “Pequena África”. O cronista João do Rio em seu livro As religiões do Rio, de 1904, descreve bem a relevância do que poderíamos chamar de “África carioca”. O escritor resgata em seu texto o lado negro e pobre com distorções de palavras ditas por um africano chamado Antônio, um nigeriano que lhe serviu de intérprete para a pesquisa.
Foi exatamente nesses dois espaços, onde pulsam as partículas arqueológicas da negritude subjugada e as divindades dos orixás que baixaram na alma dos escravos, que Zózimo Bulbul, extraindo como podia fôlego de sua saúde frágil, concebeu, juntamente com Biza Vianna, para a programação final do Encontro do Cinema Negro, a exposição móvel Herança Africana – Intervenções Urbanas a Caminho do Porto.
Artes plásticas, dança, roda de conversa, degustação gastronômica do continente negro, formam o belo cotejo que reverencia a cultura africana e sua influência na formação da identidade cultural brasileira.
Ao meio-dia de 25 de janeiro, Zózimo Bulbul foi enterrado no cemitério do Caju, na mesma zona portuária, no mesmo chão onde desembarcaram seus ancestrais, “entre cantos e chibatas”, como escreveu Aldir Blanc sobre outro bravo feiticeiro reaparecido há muito tempo nas águas da Guanabara.
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Texto para o meu livro em preparação ©Crônicas do Olhar, a ser lançado pela
Editora Radiadora
.foto ilustrativa para esta postagem: Acervo da família Zózimo Bulbul.
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