foto Steve Pyke, 1994
Filho ilegítimo, traumas da Segunda Guerra, quando quase foi executado por um jovem fascista, grave acidente de carro com Gina Lollobrigida ao volante, o cineasta Franco Zeffirelli logo cedo em sua vida deu conta de sua incômoda posição na sociedade.
Em A autobiografia de Franco Zeffirelli, lançada em 1986, o autor, sem autocomiseração, com extrema sinceridade, naturalidade narrativa e precisão dos fatos, expõe relatos que põem abaixo a falsa impressão que o cineasta teria para contar história de uma vida entre festas frivolidades e honrarias por filmes de grande repercussão, como Romeu e Julieta, 1968, Jesus de Nazaré, 1977, Irmão Sol, Irmã Lua, 1972, O campeão, 1972, que de alguma forma ofuscaram o reconhecimento de trabalhos mais consistentes como as versões cinematográficas das óperas de Verdi, La Traviata e Otelo.
No pouco citado Chá com Mussolini (Un tè con Mussolinié), de 1999, Zeffirell faz uma semibiografia, contando lembranças de sua adolescência em Florença, na turbulência da Itália dominada pelo fascismo. No episódio em que por pouco não foi abatido, soube tempos depois que o rapaz era seu meio-irmão, como conta no livro. O cineasta desde criança morava com uma tia, era chamado de “bastardinho” por uma mulher na porta da escola, que depois descobriu ser esposa de um comerciante que soube que era seu pai, e a tia que o criara na verdade prima. Por não poder ter o nome do pai na certidão, tiveram que inventar um, no caso extraído a partir da letra Z: seguindo uma tradição dos tempos medievais florentinos, e no rodízio alfabético aquela seria a do dia do seu nascimento. Uma parenta da mãe sugeriu Zéfiro, a personificação mitológica do vento que sopra do Ocidente, presente numa ópera de Mozart. Em italiano, Zeffiretti, e o tabelião esqueceu de cortar os Ts.
O cinema de Franco Zeffirelli possivelmente não passe essas pontuações trágicas, e algumas curiosas, da infância à maturidade, e na vida artística a relação amorosa e discreta, sob a ameaça do preconceito, com o cineasta Luschino Visconti, seu protetor, incentivador no início da carreira, e a quem o livro é dedicado.Na fascinação pelas obras operísticas Zeffirelli expôs mais de si, como se nos dramas recitativos de árias e coros, externasse uma purgação e libertação.
Contraditoriamente, o cineasta apoiou o governo de Silvio Berlusconi no final dos anos 90, e se tornou senador pelo partido fundado pelo magnata das comunicações.
Ele tinha 96 anos quando faleceu na madrugada deste sábado. "Sofreu durante um tempo, mas se foi de uma forma pacífica", segundo um dos filhos, Luciano, a quem Zeffirelli deu o nome em homenagem a Pavarotti.
foto Steve Pyke, 1994
Nenhum comentário:
Postar um comentário