sábado, 3 de novembro de 2018

Solar da resistência


A música, o teatro, o cinema, a literatura, o Tropicalismo, a ressonância do movimento antropofágico de Oswald de Andrade, tudo que se configurava nos agitados anos 60 como resistência pensante contra o conservadorismo e a Ditadura Militar, esteve representado no lendário Solar da Fossa, um casarão no bairro carioca de Botafogo, que de 1964 a 1971 abrigou boa parte de grandes nomes da cultura brasileira, e foi demolido para a construção do Shopping Rio Sul.

Resistência pautada, sobretudo, pela alegria, pelo deboche, mas focado em mudanças. Eram jovens que amavam e seguiam outros jovens que amavam e seguiam Engels, Marx, Marcuse, Glauber, José Celso Martinez... Jovens que amavam a Bossa Nova, e também os Beatles e os Rolling Stones.
A lista dos moradores do Solar, à época não tão ilustres, é extensa: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Paulinho da Viola, Tim Maia, Paulo Coelho, Torquato Neto, Betty Farias, Darlene Glória, Tânia Scher, José Wilker, Paulinho da Viola, Zé Keti, Abel Silva, Maria Glayds, Naná Vasconcelos, Zé Rodrix, Guarabira, Claudio Marzo, Ruy Castro, e, entre tantos, o carnavalesco e cenógrafo Fernando Pamplona, que batizou o local quando foi morar depois que separou-se da esposa. Mas não conseguiu se manter arrasado por muito tempo, tamanha a energia de muitos inquietos e criativos artistas, que conviviam no aconchego comunitário com estudantes, bancários, prostitutas, travestis... Os que lá não moravam, por lá passavam horas e dias com a turma de pensamento pulsante.
Obras-primas do nosso cancioneiro foram compostas naquele templo de brio e pertinácia, como Sinal fechado, de Paulinho da Viola, que posou ao lado de um dos portais do Solar para a capa do seu terceiro disco, de 1971. Caetano compôs a emblemática Alegria, Alegria no seu quarto de pensão. Os intermináveis oito anos que Leminski se dedicou ao seu alucinado livro de prosa experimental, Catatau, foi dada a largada dos rascunhos entre as paredes e corredores do casarão. Chico Buarque e Marieta Severo se conheceram em uma das festas malucas nos jardins da colonial hospedaria. E muitas outras histórias que foram impressas por não serem lendas.
Parte importante desse latifúndio cultural de resistência está muito bem revisitado, refletido e incentivado no livro Solar da Fossa, de Toninho Vaz, 2011. Uma biografia de corpo e alma do casarão.

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