Um produtor de ficção científica B desaparece com os negativos durante as filmagens, em um hotel em Portugal. Sem dinheiro para continuar o trabalho, o diretor tenta achá-lo, partindo em um road movie e encontrando outros problemas.
A partir desse enredo, o cineasta alemão Wim Wenders realizou um dos seus melhores filmes, O estado das coisas (Der stand der dinge), 1982, (fotograma acima).
Desenvolvendo narrativas de metalinguagem, o diretor espelha-se em sua experiência quando tentou por um tempo, no final dos anos 70, fazer cinema nos Estados Unidos, fascinado pela cinematografia de John Ford, Nicholas Ray, Samuel Fuller e seu compatriota Fritz Lang.
Wenders queria fazer um "filme americano", ser um "cineasta americano". Hammett, uma história fictícia sobre o escritor Dashiell Hammett, de 1982, produzido por Francis Coppola, foi sua primeira experiência por lá. Desagradou completamente ao cineasta alemão. Dos 95 minutos na tela, apenas 30 estavam como Wenders fez. Coppola finalizou à maneira dele e fim de papo.
Filmado nos Estados Unidos, mas financiado com francos e marcos, Paris, Texas, de 1984, foi uma espécie de "vingança" de Wim Wenders. Ou, digamos, seu desejo realizado e "tchau, Hollywood, meu reino não é desse mundo."
Irônica e pretensamente com roteiro dos americanos Sam Sheppard e Kit Carson, trilha sonora do guitarrista Ry Cooder, elenco com atores de filmes controversos ao cinemão, como Harry Dean Stanton e Dean Stockwell, Paris, Texas chegou às telas com as 2h37min que ele quis.
Outdoors, grafites, néon, carcaças oxidadas, velhas linhas de trem, motéis em estradas que nunca terminam, e um homem maltrapilho e amnésico numa região desértica fronteira com o México, compõem o cenário físico e humano de um dos filmes mais significativos do olhar de um estrangeiro sobre a paisagem norte-americana.
Se O estado das coisas é a realidade em preto-e-branco da condição de um cineasta, Paris,Texas é um pesadelo minimalista em cores, pela angústia e letargia que se expressa na essência, pela desconstrução que Wim Wenders faz do "sonho americano". Aclamado pela crítica e bem recebido pelo público, e hoje carimbado como cult, o filme se insere na galeria do grande cinema contemporâneo.
Em entrevista para o livro Na Estrada - O Cinema de Walter Salles, de Marcos Strecker, 2010, Wenders diz que sua experiência traumática com Coppola foi como ter ido ao coração das trevas quando pensava estar a caminho do coração do cinema.
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