"Talvez eu seja o negro que mais dirigiu filmes neste país. Consegui dirigir três longas-metragens e quinze curtas porque eu não sabia que era negro, na minha ingenuidade me julgava igual a todos, levava porradas, levantava e retomava o trabalho pacientemente. Pensava assim: 'o erro é meu, você tem que aprender mais, ler, trabalhar.'”
"O cinema brasileiro saiu dilacerado no pós-Embrafilme. Tentam já há muito tempo acabar com ele, mas acredito que vai ser difícil. Hoje os novos cineastas tentam levantá-lo. Vejo como positivo hoje a mesma ausência do ranço ideológico dos filmes pré-Embrafilme, que ainda ecoaram em grande parte nos anos 70 e 80. E vejo como negativo a ingenuidade de se moldar pelo desejo do mercado externo e do sonho do Oscar, ao invés de se lutar pra garantir o nosso mercado. Pode ser que eu esteja errado, mas acredito que a coisa é simples, a grande verdade é que enquanto formos estrangeiros em nossa própria terra, não acredito que possa haver uma evolução de nosso cinema. Tem que se reservar espaço para nossa indústria cultural e não deixá-la totalmente entregue ao que chamam de liberalismo econômico. Por que este liberalismo não existe lá? Lá eles defendem seus interesses com ameaças de retaliação. Este liberalismo nada mais é do que um neo-colonialismo disfarçado."
"As pessoas têm medo de suas bundas, de seus sovacos, de seus excrementos e até de suas lágrimas. E julgam que o colonizador não fede. Todo mundo tem medo das diferenças e todos sonham em ganhar um Oscar e ficar semelhante ao neo-colonizador, este ideal é o que é perseguido no momento. Fazer os filmes para ganhar o Oscar, vamos ver quem vai ser o primeiro a ser comprado, é o ideal dos cinemas do mundo todo. Filmes de planos rápidos e comerciais para evitar a reflexão, ou pastiches mal estudados de filmes antigos refeitos com glamour superficial. A coisa é muito simples e ninguém vê. É Marx, pois 'farinha pouca, meu pirão primeiro' e é Freud, 'tem que se descarregar o ódio em cima de alguém'. Esta é a época em que vivemos e isto ainda vai levar muitas décadas até ser modificado."
Dia desses acessei o site Estranho Encontro, e me deparo com a entrevista com o cineasta Afrânio Vital, até então sumido do mapa, mas muito bem guardado na minha lembrança, assim como são inesquecíveis outros diretores brasileiros de quem assisti tantos e tantos filmes nas décadas de 70 e 80. Vital, 56 anos, dirigiu somente três longas e vários curtas, mas o suficiente para demonstrar o talento de um diretor que sabia tratar com inteligência o tipo de cinema que se fazia na época, a comédia erótica, e que ficou cunhada pejorativamente de “pornochanchada”. A chamada "crítica especializada" sempre olhou enviezado para essa grande produção cinematográfica do Brasil, enquanto o público olhava diretamente para a tela.
Antes de estrear na direção de longas, Afrânio trabalhou com diretores já importantes como Carlos Hugo Christensen (1920 – 2000), Miguel Borges, Perry Salles, e foi assistente de direção de ninguém menos do que Walter Hugo Khouri (1929 – 2003), que dizia ser ele “um crítico de superior cultura e informação a nível dificilmente encontrado no país”, como escreveu no release do seu primeiro longa, “Os noivos”, de 1978.
O bom mesmo é ler a entrevista na íntegra e comprovar as palavras de Khouri, clicando http://estranhoencontro.blogspot.com/2006/03/biografia-entrevista-afrnio-vital.html.
Aliás, esse blog, da pesquisadora Andréa Ormond, é outro caso maravilhoso, que comentarei depois. Adianto que, pelo que eu saiba, é a única página na internet totalmente dedicada ao cinema brasileiro.
2 comentários:
Ontem, assisti ao filme, Abril sangrento, que, assim como Hotel Ruanda, não nos deixa esquecer sobre os limites da desrazão humana.
hábraços
claudio
Oi Nirton, obrigada por ter linkado a entrevista do Afrânio. Como já havia falado antes para vc, ele merece :) Um abraço!
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