terça-feira, 2 de maio de 2006

Afrânio Vital, um cineasta brasileiro

foto Acervo pessoal

"Talvez eu seja o negro que mais dirigiu filmes neste país. Consegui dirigir três longas-metragens e quinze curtas porque eu não sabia que era negro, na minha ingenuidade me julgava igual a todos, levava porradas, levantava e retomava o trabalho pacientemente. Pensava assim: 'o erro é meu, você tem que aprender mais, ler, trabalhar.'”

"O cinema brasileiro saiu dilacerado no pós-Embrafilme. Tentam já há muito tempo acabar com ele, mas acredito que vai ser difícil. Hoje os novos cineastas tentam levantá-lo. Vejo como positivo hoje a mesma ausência do ranço ideológico dos filmes pré-Embrafilme, que ainda ecoaram em grande parte nos anos 70 e 80. E vejo como negativo a ingenuidade de se moldar pelo desejo do mercado externo e do sonho do Oscar, ao invés de se lutar pra garantir o nosso mercado. Pode ser que eu esteja errado, mas acredito que a coisa é simples, a grande verdade é que enquanto formos estrangeiros em nossa própria terra, não acredito que possa haver uma evolução de nosso cinema. Tem que se reservar espaço para nossa indústria cultural e não deixá-la totalmente entregue ao que chamam de liberalismo econômico. Por que este liberalismo não existe lá? Lá eles defendem seus interesses com ameaças de retaliação. Este liberalismo nada mais é do que um neo-colonialismo disfarçado."

"As pessoas têm medo de suas bundas, de seus sovacos, de seus excrementos e até de suas lágrimas. E julgam que o colonizador não fede. Todo mundo tem medo das diferenças e todos sonham em ganhar um Oscar e ficar semelhante ao neo-colonizador, este ideal é o que é perseguido no momento. Fazer os filmes para ganhar o Oscar, vamos ver quem vai ser o primeiro a ser comprado, é o ideal dos cinemas do mundo todo. Filmes de planos rápidos e comerciais para evitar a reflexão, ou pastiches mal estudados de filmes antigos refeitos com glamour superficial. A coisa é muito simples e ninguém vê. É Marx, pois 'farinha pouca, meu pirão primeiro' e é Freud, 'tem que se descarregar o ódio em cima de alguém'. Esta é a época em que vivemos e isto ainda vai levar muitas décadas até ser modificado."


Dia desses acessei o site Estranho Encontro, e me deparo com a entrevista com o cineasta Afrânio Vital, até então sumido do mapa, mas muito bem guardado na minha lembrança, assim como são inesquecíveis outros diretores brasileiros de quem assisti tantos e tantos filmes nas décadas de 70 e 80. Vital, 56 anos, dirigiu somente três longas e vários curtas, mas o suficiente para demonstrar o talento de um diretor que sabia tratar com inteligência o tipo de cinema que se fazia na época, a comédia erótica, e que ficou cunhada pejorativamente de “pornochanchada”. A chamada "crítica especializada" sempre olhou enviezado para essa grande produção cinematográfica do Brasil, enquanto o público olhava diretamente para a tela.

Antes de estrear na direção de longas, Afrânio trabalhou com diretores já importantes como Carlos Hugo Christensen (1920 – 2000), Miguel Borges, Perry Salles, e foi assistente de direção de ninguém menos do que Walter Hugo Khouri (1929 – 2003), que dizia ser ele “um crítico de superior cultura e informação a nível dificilmente encontrado no país”, como escreveu no release do seu primeiro longa, “Os noivos”, de 1978.

O bom mesmo é ler a entrevista na íntegra e comprovar as palavras de Khouri, clicando http://estranhoencontro.blogspot.com/2006/03/biografia-entrevista-afrnio-vital.html.
Aliás, esse blog, da pesquisadora Andréa Ormond, é outro caso maravilhoso, que comentarei depois. Adianto que, pelo que eu saiba, é a única página na internet totalmente dedicada ao cinema brasileiro.

2 comentários:

Claudio Eugenio Luz disse...

Ontem, assisti ao filme, Abril sangrento, que, assim como Hotel Ruanda, não nos deixa esquecer sobre os limites da desrazão humana.

hábraços

claudio

Andrea Ormond disse...

Oi Nirton, obrigada por ter linkado a entrevista do Afrânio. Como já havia falado antes para vc, ele merece :) Um abraço!