Uma reflexão urgente, oportuna para os dias atuais que estamos vivendo, ou sobrevivendo, nesse desgoverno, era bozolítica, página infeliz na nossa história.
O texto é do professor de Filosofia Elton Luiz Leite de Souza, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
“Espinosa dizia que há uma espécie de “trindade obscurantista” que reduz os homens e as sociedades ao pior deles mesmos, pondo em risco a pluralidade social, a educação e a democracia.
Essa trindade obscurantista é composta pelos seguintes personagens ou tipos: o escravo, o tirano e o sacerdote.
O escravo é aquele que se deixa dominar pelas “paixões tristes”. O escravo não apenas as sofre, o que é natural de acontecer tendo em vista a condição humana, porém ele se alimenta delas, como se isso preenchesse algum buraco em sua vida. O ódio, a ignorância, o medo, o ressentimento... são exemplos de paixões tristes.
Se uma serpente nos morde, é inevitável que em nós entre o veneno, cabendo-nos imediatamente buscar o antídoto. Mas a paixão triste pode fazer do homem um dependente do veneno que o enfraquece, ao mesmo tempo maldizendo quem traz antídotos.
O tirano é quem se vale das paixões tristes para dominar os ressentidos e ignorantes. O tirano canaliza as paixões tristes e as emprega a seu favor, inclusive politicamente. O tirano chega ao poder não por amor à coisa pública, mas tirando proveito das paixões tristes e as fazendo de arma contra os que ele estigmatiza como inimigos.
O sacerdote é aquele que passa a mão sobre a cabeça do escravo, bendizendo a ignorância. Em geral, os sacerdotes são pequenos, e só ficam maiores do que os escravos os mantendo ajoelhados. O sacerdote prega que a tristeza é melhor do que a alegria, que o obedecer é melhor do que o rebelar-se, que filosofia, ciência e arte são perigosas, “demoníacas”...
O tirano escraviza o corpo do escravo, o sacerdote escraviza a alma. “Sacerdote”, aqui, não é exatamente uma autoridade religiosa literal, mas um tipo que se aplica a várias espécies de homens. Espinosa chama de poder teológico-político a essa aliança abominável entre tiranos e sacerdotes, cuja força cresce quanto mais o escravo ignora sua escravidão.
O próprio Espinosa foi perseguido por essa aliança abominável. Tentaram queimar seus livros, bani-lo e até assassiná-lo...
Mas nunca Espinosa se calou diante desses inimigos do pensamento livre e digno. Hoje, mais do que nunca, vale sua perseverante lição: não devemos lamentar ou temer por uma situação adversa, seja ela qual for; devemos buscar compreender as causas que produziram tal situação, para assim mudá-la com a máxima potência que tivermos, nisso concentrando nossos esforços, unindo ideia e ação, não sem o amor e a alegria por estarmos lutando do lado certo.
Esse concentrar de esforços libertários tem um nome: filosofia prática.”
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A imagem ilustrativa acima é reprodução do quadro do maneirista Giuseppe Arcimboldo, Fogo, 1566, que está no Museu de História da Arte em Viena. Não por acaso, é capa do livro Spinoza and the politics of renaturatization, 2011, de Hasana Sharp, professora de História da Filosofia Política da McGill University, Montreal, Canadá.
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