A tropical minimalista sincopada canção Acabou chorare, letra de Galvão, musicada por Moraes Moreira, tem uma história interessante.
Gravada no disco homônimo dos Novos Baianos, em 1972, o ano que vivíamos em perigo com a ditadura Médici, o letrista conta na página 98 de sua biografia Anos 70: Novos e baianos, lançada pela Editora 34, em 1997, que um dia telefonou para João Gilberto contando que estava escrevendo uma letra sobre uma abelhinha, a natureza de polinização do doce inseto voador. “Fenomenal!”, admirou o bruxo de Juazeiro, no alto de seu banquinho e violão. E contou ao conterrâneo a coincidência que só o coração pode entender: “Eu estava justamente falando com o poeta Capinan, e ele lembrava que a abelha beija a flor e faz o mel, e eu gostei e completei: E ainda faz zum zum zum”.
- Posso usar isso na minha letra? – Perguntou Galvão.
- Deve – aprovou o mestre.
“Não parou por aí”, continua Galvão, “João contou-me que Bebel, sua filha, quando eles moraram no México, levara uma pancada [...] e ele, preocupado, acudiu com a aflição de pai nessas horas, mas Bebel reagira corajosamente e, na sua inocência de criança, falava uma língua em formação, acalmando-o: Não, acabou chorare.”
E assim, a clássica canção de um dos melhores discos da história da música brasileira, tem o zum zum zum de João e o auto consolo surpreendente de Bebel Gilberto.
O fundador dos Novos Baianos, como disse Jorge Mautner na apresentação do livro Geração baseada (Editora Codecri), que Galvão lançou em 1982, foi um “profeta moderno, batalhador de modernidades e testemunha religioso-social-poética de uma geração importante porque foi a ela entregue o significado de fazer um novo Brasil.”. Desejo tão necessário neste país, neste Brasil pandeiro que vem descendo a ladeira no desgoverno que estamos vivendo.
Desde agosto deste ano, o baiano mantinha em sua página no Facebook o Bazar do Poeta Galvão. Atravessando uma fase difícil, “tem horas que o bicho pega”, justifica-se na postagem inicial, a campanha colocou à venda preciosidades da vida do artista: “Adquira relíquias autografadas pelo poeta Luiz Galvão e ajude nos tratamentos e cuidados que esse gênio da poesia brasileira precisa para levar uma vida digna.”. Com um número chave de PIX, uma das últimas postagens apelava: “Precisamos de você, para acabar chorare e tudo ficar lindo.”
Neste domingo de um outubro tenso, “de manhã cedinho / tudo cá cá cá, na fé fé fé / no bu bu li li...”, nada ficou lindo. Começamos chorare. Internado no início de setembro em um hospital em São Paulo, com suspeita de hemorragia gastrointestinal, o velho novo baiano Galvão faleceu aos 87 anos.
Que as meninas Bebel do Brasil brasileiro que precisamos nos confortem. Urgentemente, abelha abelhinha faz zum zum zum em nosso coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário