sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

os estatutos do poeta


Em 1964, o poeta Thiago de Mello era nosso adido cultural no Chile, então governado pelo conservador independente (sem partido) engenheiro Jorge Alessandri. Aqui, os latifundiários, a elite empresarial, as forças armadas e os interesses norte-americanos preparavam o golpe.

No dia 30 de março, Thiago de Mello completou 38 anos de idade. Festejou na Casa La Chascona, do poeta Pablo Neruda, onde morava, ao lado de brasileiros e amigos chilenos, entre estes o médico Salvador Allende.
Neruda e Allende estavam ao lado do poeta quando, no dia 1º de abril, ouviu no rádio o pronunciamento do deposto Jango sobre o golpe militar do dia anterior.
“O que sinto é que esse golpe militar no Brasil desencadeará uma onda de revoltas nos países da América. E até o Chile pode ser alcançado”, comentou - e vaticinou - Salvador Allende, como lembrou o poeta em entrevista à revista do Movimento Humanos Direitos, em 2009.
Como esperado, Thiago de Mello renunciou ao cargo na Embaixada. Na condição de exilado, cheio de indignação e saudade do seu país então marcado pelos Atos Institucionais que cerceavam a liberdade e suprimiam direitos, o poeta escreve um de seus mais belos poemas, Os Estatutos do Homem, o seu Ato Institucional Permanente, descrito em 14 artigos utópicos, que simbolizam a crença em leis que iluminam o coração dos homens que resistem.
O poema é o segundo, página 19, no livro publicado depois do golpe, o sintomático Faz escuro, mas eu canto: porque a manhã vai chegar, 1965, Editora Civilização Brasileira. Em 1980 a Martins Fontes lançou somente o poema, em formato livreto 21x21, e ilustrações do cearense Aldemir Martins.
Traduzido por Pablo Neruda, Os Estatutos do Homem teve várias edições no Chile, Uruguai, Argentina, Peru, Cuba, além de Portugal e versões para Estados Unidos e Alemanha, onde foi lançada em 1977 a Cantata dos Estatutos do Homem, composição para coral e orquestra, de autoria de Peter Janssens (1934-1998), um alemão apaixonado pela cultura da América Latina. Viveu na Argentina e musicou poemas do nicaraguense Ernesto Cardenal.
Desde 1978, quando retornou ao Brasil, Thiago de Mello morava à beira do rio Andirá, em seu Amazonas natal. De lá partiu hoje aos 95 anos.
E nestes tempos sob nuvens escuras em que vivemos, de vermes no poder e vírus no ar, canto o Artigo I dos Estatutos do Buda Nagô das águas de Andirá:
Fica decretado que agora vale a verdade,
que agora vale a vida,
e que de mãos dadas
trabalharemos todos pela vida verdadeira.

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