quarta-feira, 30 de junho de 2021
quem abre os braços
Belchior (D) ao lado de seu amigo Galba Gomes, no alto do Corcovado, RJ, 1970.
Quatro anos e dois meses hoje de como é perversa a saudade no coração.
a música cearense em cartaz
Para cobrir de forma analítica um recorte de dez anos na história da música cearense, de 1969 - pontuando a gênese do que viria a se chamar Pessoal do Ceará, a geografia histórica e afetiva do Bar do Anísio e Estoril - a 1979 - destacando o evento de quatro dias no Theatro José de Alencar que ficou conhecido como movimento Massafeira -, foram igualmente dez anos de pesquisa, elaboração do projeto, tentativas de financiamento, e filmagens, que ainda estão acontecendo no meio dos cuidados e perplexidade de uma pandemia.
Com entrevistas, vasto material de arquivo, registros de imagem e som da época, o documentário, com produção executiva de Clebio Viriato, fotografia de Alex Meira e Leo Mamede, edição de Rui Ferreira, estará pronto em novembro próximo, com lançamento a ser marcado.
Assim como Belchior, Ednardo, Fagner, Rodger Rogério, Teti, Amelinha, Fausto Nilo, Brandão, Petrúcio Maia, Stelio Valle, Jorge Mello, Augusto Pontes, Claudio Pereira, Ricardo Bezerra, Sergio Pinheiro, Wilson Cirino, Manassés de Sousa, Pekin, Dedé Evangelista, Ieda Estergilda, Chico Pio, Mona Gadelha, Lucio Ricardo, Calé Alencar, Angela Linhares, Francisco Casaverde, Gracco, Caio Silva, Rogério Soares, Régis Soares, Vicente Lopes, Pachelli Jamacaru, e mais dezenas de nomes, entre compositores, musas, escritores, produtores, jornalistas e pesquisadores do tema, são personagens do filme.
segunda-feira, 28 de junho de 2021
metamorfose ambulante
Raul Seixas nasceu em 1945. "Metamorfoseou" a idade para poder ser membro do fã clube do seu ídolo Elvis. Foi fácil chegar a um objetivo num instante.
Hoje ele faria 76 anos. Mesmo! Ou não. Ou o oposto do que ele disse antes.
a nave vai à montanha
"Precisamos dos poetas para dar coerência aos sonhos", disse mago Cotrone, personagem principal de Os gigantes da montanha, peça inacabada em dois atos do grande dramaturgo italiano Luigi Pirandello.
A fábula narra a chegada de uma companhia teatral decadente a uma vila isolada do mundo, cheia de encantos, governada pelo mago.
Em 2013 o Grupo Galpão, de Minas Gerais, fez uma belíssima montagem do texto, com direção de Gabriel Villela. Pirandello ficaria realizado se tivesse visto a encenação, pela forma como o ato final, originalmente inconcluso, ganhou solução a partir de indicações que o autor deixou nas entrelinhas. Ainda no leito de morte, em 1936, Pirandello chegou a relatar a seu filho uma sugestão para o terceiro ato.
Como resume a fala acima, a peça discute o lugar da arte e da poesia num mundo dominado pelo pragmatismo e pela técnica. O Grupo Galpão discorreu no palco que a poesia mais do que remove, comove a montanha.
Hoje 154 anos de nascimento de Pirandello, um dos gigantes renovadores do teatro.
E para ilustrar esta postagem, uma cena do filme E la nave va, 1983, de outro visionário, Federico Fellini, que soube muito bem dar coerência aos sonhos.
somewhere over the rainbow
No começo da madrugada de 28 de junho de 1969, oito policiais, alguns deles à paisana, entraram no bar The Stonewall Inn, em Nova Iorque, e aos gritos anunciaram que estavam tomando o lugar, ocupando o território, com a violência característica da arbitrariedade e preconceito. Predominante gay, o local era constantemente alvo de batidas policiais.
O ataque daquela noite, porém, teve repercussão inesperada e histórica. Motins reverberaram seguidamente entre os frequentadores, como reação às represálias, à discriminação e cerceamento da liberdade.
Os protestos desencadeados culminaram com a marcha ocorrida no dia 1º de julho de 1970. O evento tornou-se precursor das atuais Paradas do Orgulho LGBTQI+
Renato Russo lançou em 1994 o seu primeiro disco solo, intitulado The Stonewall Celebration Concert, LP e CD, em comemoração aos 25 anos dos motins. Com 21 belíssimas canções em inglês, de clássicos de Irvin Berlin e Leonard Berstein ao pop-folk da alemã-britânica Tanita Tikaram, passando por Bob Dylan, Madonna e Billy Joe, o disco é precioso pelo repertório e pontuação ao histórico acontecimento.
A bela capa do álbum é uma referência ao sexto e último disco de John Lennon, Rock n' Roll, de 1975, onde interpreta clássicos do gênero do final da década de 50 e início dos 60, que ele mais ouvia quando adolescente. Um curiosidade: a foto de Lennon é de 1961, feita pelo alemão Jürgen Vollmer, numa rua em Hamburgo, Alemanha, durante uma turnê da banda. As pessoas que aparecem desfocadas no lado direito são George Harrison, Paul McCartney e Stu Sutcliffe, primeiro baixista do grupo, falecido no ano seguinte, e, segundo consta, autor, juntamente com Lennon, do nome Beatles, a partir da palavra “beat”.
Renato Russo fez a foto em frente ao prédio onde morava, na rua Nascimento e Silva, em Ipanema.
O cantor doou parte dos rendimentos dos direitos autorais do disco para a campanha Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, criada por Herbert de Souza, o Betinho, falecido em 1997, um ano depois de Renato.
Há dias que a vida é um arco-íris de esperança no coração de tanta gente bonita.
domingo, 27 de junho de 2021
domingo com Rosa
No começo da década de 60, o escritor Guimarães Rosa trabalhava no Itamaraty, como diretor do Serviço de Demarcação de Fronteiras.
Entre protocolos bilaterais de países, sinos dos cilindros de máquinas de escrever descendo os papeis, e conversas sobre inspeção de marcos, Rosa sentiu aproximar-se um sopro pela sala, uma aragem cordisburguense banhando-lhe os sentidos, um fluido tirando-lhe daquele ambiente e levando-o para outras margens. Não teve dúvida, era uma inspiração, vinha-lhe um conto! Vestiu o paletó, saiu às pressas, desceu e pegou o bonde para casa, nas imediações do Posto Seis, em Copacabana.
Otto Lara Resende em seu livro de crônicas O príncipe e o sabiá (publicado postumamente em 1994, organizado pela escritora Ana Miranda), diz que “durante a viagem, o conto delineou-se e surgiu inteiro, irretocável. Rosa o conduzia com o maior cuidado, para que não fugisse, nem se evaporasse. Levava-o – a imagem é dele – com a cautela de uma criança que leva um balão colorido que pode arrebentar.”
E assim surgiu o belíssimo A terceira margem do rio, incluído em Primeiras estórias, publicado em 1962, seis anos depois de Grande Sertão: Veredas. A beleza dessa imagem que Guimarães Rosa deu ao momento de inspiração, a força que tem quando vem para ficar e a fragilidade que tem para ir embora, é de uma beleza impressionante. Rosa é grandioso nas veredas e nas margens de todos os sertões da literatura brasileira.
Comemorando neste domingo 113 anos de seu nascimento.
sábado, 26 de junho de 2021
meu caminho pelo mundo
No dia 26 de junho de 1968 mais de 100 mil pessoas marcharam na Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro, em protesto contra a ditadura militar, sob o comando do general Costa e Silva.
A manifestação, inicialmente estudantil, foi incorporada por vários segmentos da sociedade civil. Políticos, intelectuais, artistas, aderiram à passeata tornando uma das mais significativas expressões populares do Brasil.
Muitos fotógrafos cobriram o acontecimento, muitas imagens ficaram marcadas, como as de Evandro Teixeira, à época do Jornal do Brasil. Entre tantos nomes famosos na multidão, o cantor e compositor Gilberto Gil, que hoje completa 79 anos, naquele dia comemorava na avenida seu aniversário de 26 anos. Assim como Chico Buarque comemorou seus 77 anos no último dia 19 gritando com a multidão na avenida "fora!" o verme que está na presidência da República.
Na foto, ao lado esquerdo de Gil, a cantora Nana Caymmi, com quem era casado, na ponta esquerda, Torquato Neto.
sexta-feira, 25 de junho de 2021
podres poderes
“O mundo nos abraça, entra em nosso corpo, e nós o devolvemos com as imagens que conseguimos fazer. Essa experiência de influência, de contaminação, de infecção do mundo ao redor faz parte da vida e não é possível escapar dela, sob o risco de se trancar num manicômio ou se fechar em seu próprio quarto sem nunca mais sair.”
- Marco Bellocchio, cineasta italiano, em entrevista à revista CULT, edição 179, 2013.
Pode parecer um presságio sobre os tempos em que estamos vivemos, mas ele se referia à realidade que inspira a criação de seus filmes, em particular “Vincere” (foto), que lançara quatro anos antes.
O filme conta a história de Ida Irene Dalser, que morreu sozinha tentando convencer que foi esposa de Benito Mussolini, com quem teve um filho, em 1915. O então soldado reconhece a paternidade, mas não dá assistência e parte para a guerra contra o império austro-húngaro. Quando volta está casado com outra. Ida Irene se desespera, é perseguida pelo partido fascista que se firmava, e a internam em hospitais psiquiátricos. Perde a guarda da criança e enlouquece.
Ao analisar a relação pessoal da personagem com o líder fascista, Bellocchio aborda a relação da Igreja com o Estado na Itália, discute e critica as promiscuidades institucionais entre religiosos e políticos.
De certa forma, a fala do cineasta na entrevista é sobre a infecção dos vermes que exercem seus podres poderes no mundo ao redor, em todos os tempos.
quinta-feira, 24 de junho de 2021
São João, Xangô Menino
Na fé cristã hoje celebra-se o nascimento de João Batista, aquele que não somente previu o advento do Messias na pessoa de Jesus, como teve a prerrogativa de batizá-Lo. Pelas Escrituras, Batista nasceu apenas seis meses antes de Cristo.
Juntamente com Antonio e Pedro, João compõe a tríade dos Santos Populares. O título desta postagem é da música de Gilberto Gil e Caetano Veloso, gravada no disco Doces Bárbaros – ao Vivo, 1976.
Os autores, de maneira livre, alegre e criativa, incorporam na letra o imaginário religioso, em combinação sincrética do local à transcendência da religiosidade cristã e o mito africano. Uma saudável manifestação de panteísmo múltiplo, com suas simbologias e expressões culturais.
Acima, reprodução do belíssimo quadro Nascimento de São João Batista, do pintor italiano Tintoretto, 1578. A obra encontra-se no Museu Hermitage, em São Petersburgo.
quarta-feira, 23 de junho de 2021
Ícaro
Dimas Macedo é um dos maiores poetas cearenses da minha geração. Seu trato fino de ourives nos versos e seu olhar rigoroso quando analisa poesia e prosa em textos magníficos, dão-me não meramente um convencimento, mas a consciência de que o meu fôlego nos meus escritos expressa "exatamente / aquilo que não permito / que me empreendam: / o recolhimento do meu voo, a desfaçatez de dizerem / que o Ícaro em que acredito / não pode / seguir / viagem", como fecho na quarta capa de Poesia provisória, lançado em 2019 pela Editora Radiadora.
Grato por voar comigo, caro amigo poeta!
sábado, 19 de junho de 2021
evoé, jovem artista!
Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, faixa dois do lado A do disco Chico Buarque, de 1978, em dueto com Milton Nascimento, foi composta em 1973, nos últimos anos da ditadura Médici, e tornou-se um clássico da canção de resistência ao regime militar.
As metáforas dos versos que passavam o recado e denúncia de um governo autoritário, repressor, violento em todos os sentidos, vão além da figura de linguagem.
O recurso da citação da Paixão de Cristo, a partir do título, para fazer uma analogia com a repressão que passava o país naquele momento, é de uma preciosidade poética marcante na história da música brasileira. Chico Buarque, além de recorrer ao imaginário bíblico na narrativa sobre o terror que vivíamos, pontua, por exemplo, com citações de lendas como “monstro da lagoa” quando se refere aos corpos “sumidos” que por vezes emergiam de águas de rios.
A análise de toda a letra é longa, é uma canção cheia de lucidez humana e política na grandiosidade lírica de cada verso.
Em 2011 o rapper paulistano Criolo postou em sua conta no YouTube, uma versão de Cálice, aparentemente despretensiosa, mas com necessário e preciso incremento de uma realidade social pulsante nas favelas, na abordagem denunciante do preconceito com nordestinos, negros, pobres... Nesse diálogo entre o original e a releitura “atualizando o aplicativo”, o jovem cantor, que dizia que não existe amor em SP, apresenta-se e diz que “a ditadura segue, meu amigo Milton / a repressão segue, meu amigo Chico / me chamam Criolo e o meu berço é o rap”.
Chico Buarque ouviu, gostou e reverenciou Criolo em um já histórico show naquele mesmo ano, em Belo Horizonte (vídeo abaixo), citando trechos da versão, cantando mais um desdobramento da composição no ritmo discursivo do rap.
Completando hoje 77 anos de idade, o jovem Chico Buarque de todos os tempos.
123 anos na tela
Em 19 de junho de 1898 o italiano Afonso Segreto registra as primeiras imagens em movimento do território brasileiro: a entrada da baía de Guanabara, a bordo do navio francês Brésil.
Comemora-se hoje o Dia do Cinema Brasileiro, apesar dos canalhas da distopia.
Cinema guerreiro contra o dragão da maldade no Brasil em transe.
sexta-feira, 18 de junho de 2021
a última madrugada
"Cada coisa chegará no tempo próprio, não é por muito ter madrugado que se há de morrer mais cedo. (...) Vivi desde aqui até aqui."
- Fragmento de um parágrafo de Ensaio sobre a cegueira, página 169, de José Saramago, 1995.
Possivelmente o livro do escritor que melhor simboliza a imagem de um mundo imundo e bárbaro. A obra foi um dos principais motivos para o Nobel de Literatura, em 1998, o primeiro autor de língua portuguesa a ganhar o Prêmio.
Numa tarde de setembro de 1991 Saramago sofreu um deslocamento da retina, e aquela dolorosa experiência o acompanhou como uma luz de inspiração. Dias depois, enquanto aguardava o almoço no restaurante Varina da Madragoa, no centro de Lisboa, o escritor “como sempre, pensava em coisas vagas. De repente, surgiu-me o título ‘Ensaio sobre a cegueira’...”, disse em entrevista ao Jornal Lusitano, na edição de 27 de novembro de 1995.
O diário registra também um trecho de seu discurso de apresentação na noite do lançamento. Saramago afirmou que “Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso.”
Esse desejo do autor é uma consequência inevitável que a narrativa provoca, pelo incômodo e reflexão, a abstinência moral humana, a urgência de resgatar o afeto diante do caos e escuridão.
Adaptado para o cinema em 2008, por Fernando Meirelles, o romance distópico é a atualíssima imagem aterradora destes tempos sombrios em que sobrevivemos: na névoa de uma pandemia em volta do planeta, e aqui, na cerração de um pandemônio em volta do planalto.
Na foto de Pedro Walter, o escritor na ilha espanhola Lanzarote, onde viveu até madrugar em 18 de junho de 2010, aos 87 anos.
quarta-feira, 16 de junho de 2021
o outro lado da montanha
"Há uma forma de literatura em que o 'eu' não existe. Onde estamos mergulhados no desconhecido, do outro lado da montanha. Gostaríamos de poder voltar para casa e dizer 'eu'. Ou mesmo 'nós', porque uma mulher espera lá, por nós. Vamos chamá-la de Penélope.
A viagem é longa, talvez sem fim, continuamente perigosa. Cruzamos com todos os tipos de criaturas. Inclusive sereias.
Vocês reconheceram Ulisses e a Odisseia? Para voltar para casa Ulisses navega de ilha para ilha, em um mundo perigoso e incerto.
O preceito de James Joyce para escrever com sucesso foi: 'silêncio', 'exílio' e 'astúcia'.
- E o amor, onde fica? – pergunta um aluno.
- O amor não tinha sido inventado ainda."
* Trecho de Incidences, 2010, romance de Phillppe Djian, através do personagem Marc, professor de Literatura.
Ulisses, de 1922, é reconhecidamente a obra mais importante do irlandês James Joyce. Sua literatura se estende no princípio do modernismo poético. O romance, ambientado em 1904, faz uma série de analogias, através de 18 episódios, do personagem Leopold Bloom ao narrar durante 19 horas seguidas acontecimentos de sua vida, com o personagem Ulisses do clássico poema épico de Ilíada e Odisseia, de Homero, século 8 a.C.
A menção dos dois autores de séculos tão distantes no livro do contemporâneo escritor francês Phillippe Djian, é interessante pela contextualização que faz do fluxo de consciência dos personagens, a concepção de múltiplos aspectos do ser humano, a força e a fraqueza de toda a humanidade. Leopold Bloom é o Ulisses moderno, herói e covarde, prudente e impetuoso.
No livro de Joyce, Bloom faz seus relatos no dia 16 de junho. Por conta disso é comemorado hoje na Irlanda o Bloomsday. É o único feriado do mundo que é dedicado a um livro. Amantes da literatura promovem diversos eventos em Dublin, muitos caracterizados com as roupas do personagem, em desfile pelas ruas, encontros nas livrarias e clubes de leituras.
Essa curiosa celebração a um personagem da literatura acontece desde os anos 50, embora alguns estudiosos afirmem que iniciou após a morte de Joyce, em 1941, ou até bem antes, logo depois da publicação do livro.
Desde o ano passado, pelas limitações causadas pela pandemia, homenagens foram canceladas. Provavelmente farão em 'lives' para não deixar Leopold Bloom em exílio do outro lado da montanha. O amor precisa sempre ser reinventado.
Na foto James Joyce e uma edição do jornal com a data do Bloomsday.
segunda-feira, 14 de junho de 2021
depois da revolução
- Sim.
- Num filme onde está Che, ele sempre será protagonista.
O diálogo ocorreu entre o cirurgião dentista cubano Dr. Luis Carlos García Gutierrez ‘Fisin’ e a cineasta Margarita Hernandez, também cubana, radicada no Ceará, no primeiro dia de filmagem do documentário Che, memórias de um ano secreto", onde refaz os passos do líder revolucionário em 1965, em plena Guerra Fria, quando desapareceu sem deixar vestígios.
Dr. Luis García foi responsável por mascarar o rosto de Che Guevara para despistar os serviços de inteligência em suas missões secretas. Após a guerrilha no Gongo, Che foi transferido para Praga e de lá partindo para a Bolívia. Esse relato e mais outros valiosos testemunhos de sua experiência clandestina em mudar a aparência dos camaradas, estão no livro O outro lado do combate (La outra cara del combate), que o dentista lançou em 2008, ponto de partida para o filme de Margarita.
Realmente, Dr. Luis tinha razão. Nos avanços das pesquisas e na feitura do roteiro, a cineasta definiu seu documentário em um recorte específico na figura política de Che, sem explorar o antes, suas origens, e o que o levou à vitória da revolução em Cuba ao lado de Fidel Castro, e sim, centralizando a narrativa no que lhe aconteceu depois, as suas angústias, as inquietações de um líder carismático que não se acomodava, preocupado em manter sempre acessa a luta, como um paladino, e algumas vezes sem alcançar seus objetivos.
O filme integrou as competições Brasileira e Latina no 23º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, São Paulo, em 2017, e foi exibido em 2018 no 28º Cine Ceará Festival Ibero-americano de Cinema, Fortaleza.
Conheci Dr. Luis García em 2009, durante o 19º Cine Ceará. Tinha 92 anos e de uma lucidez e memória impressionantes. Com muito bom humor nas palestras, contou várias de suas histórias com Guevara, cativando a todos. Faleceu em 2015.
Se tivesse assistido ao filme de Margarita Hernandez, veria que a cineasta atendeu ao seu conselho e que mesmo sem ser o protagonista, está ali onipresente, “mascarado” em toda trajetória do ilustre paciente Che Guevara, que hoje faria 93 anos.
domingo, 13 de junho de 2021
Pessoa sem fingimento
Respostando para celebrar hoje os 133 anos de nascimento de um dos maiores poetas da língua portuguesa.
O texto integra um dos capítulos do meu livro Crônicas do Olhar, que será lançado pela Editora Radiadora.
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PESSOA SEM FINGIMENTO
O poeta Fernando Pessoa levantava-se diariamente de sua mesa de trabalho na Editora Olisipo, pegava o chapéu, ajeitava os óculos e seguia em passos cadenciados até o Abel, tradicional casa comercial produtora e distribuidora das melhores bebidas à margem do rio Tejo. Lá tomava lentamente um cálice de aguardente e saía pelas ruas de sua Lisboa. Esse hábito Pessoa manteve por um longo tempo em seus curtos e intensos 47 anos de vida.
Em uma dessas tardes de bebericar seu veneno antimonotonia, em 1929, o poeta pediu que lhe fizesse uma foto saboreando a bebida. Dias depois pegou uma cópia, escreveu atrás a dedicatória "Fernando Pessoa em flagrante 'delitro'" e enviou para sua amada Ophelia Queiroz, com quem reatara depois de nove anos de rompimento e muitos poemas e muitas cartas ridículas - ou não seriam cartas de amor, preconizava. Mas o namoro com o ainda donzelo e múltiplo poeta terminou novamente em 1931. As caminhadas ao Abel continuaram, claro.
A moça, professora de Instrução (algo como o Primário), ficou na história como o único amor do reservado Fernando Pessoa, ou de seus heterônimos - ela já não sabia mais quem namorava. O poeta não fingia, seu coração, sabia, um comboio que gira, mas não entretinha sua razão e nunca frequentou a casa de Ophelia, resistia a conhecer a família. Como bem observou o ensaísta moçambicano José Gil, Pessoa revelou incapacidade de amar Ophelia à maneira de Ophelia, de aceitar a máscara correspondente a um homem “comum”. Pois é, lembremos que em Lisbon Revisited, poema de 1925, o poeta já questionava, na pele de Álvaro de Campos, também sem fingimentos, o que deveras sentia: “Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?” Nem a Ofélia de Shakespeare, em Hamlet, aguentaria essas esquisitices de poeta.
No final de 1935 Fernando Pessoa é internado diagnosticado com cólica hepática e falece. Um ano antes publicara Mensagem, o derradeiro livro onde no poema Mar português leem-se os conhecidos versos-espólio: “Quantas noivas ficaram por casar / para que fosses nosso, ó mar! / Valeu a pena? / Tudo vale a pena / se a alma não é pequena.”
sábado, 12 de junho de 2021
sexta-feira, 11 de junho de 2021
a ídola
Quando se retirou do cinema, o mundo inteiro ficou vivo nela.
Tinha nascido com outro nome, e graças à sua beleza gélida mereceu ser chamada de Divina, Esfinge Sueca, Vênus Viking...
Meio século depois do adeus, Justo Jorge Padrón, poeta espanhol que falava sueco com sotaque das Ilhas Canárias, estava olhando uma vitrine de uma loja de discos em Estocolmo, quando o vidro descobriu o reflexo de uma mulher alta e altiva, envolta em peles brancas, parada às suas costas.
Ele deu meia-volta e viu a mulher, queixo erguido, grandes óculos escuros, e disse que sim, era, disse que não, não era, que era, que não era, que podia ser, e por pura curiosidade perguntou a ela:
- Desculpe, mas... mas... a senhora não é Greta Garbo?
- Fui – disse ela.
E com lentos passos de rainha, se afastou.
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Do livro póstumo de Eduardo Galeano, O caçador de histórias, 2016, uma compilação de mais de duzentos textos curtos, que mesclam relatos de amigos e autobiográficos.
O escritor uruguaio trabalhava nos últimos retoques do livro antes de falecer, aos 74 anos, numa manhã de abril de 2015.
Imagem ilustrativa para esta postagem:
Garbo no Club St. Germain, Paris, anos 50, fotografada por Georges Dudognon (1922-2001).
quarta-feira, 9 de junho de 2021
poesia na Radiadora
Clube Radiadora de Leitura
Editora Radiadora
live-convite
hoje, 9 de junho, 20h
@editora_radiadora - Instagram
livro Poesia provisória, 2019
mediação: Alan Mendonça, poeta, editor
terça-feira, 8 de junho de 2021
segunda-feira, 7 de junho de 2021
então você abrirá suas asas e irá para o céu
foto ©Nirton Venancio
No próximo dia 11 completarão 13 anos que o cantor Serguei esteve em Brasília e fez um show histórico. Ele tinha 76 anos. A paleontóloga apresentação dessa lenda do rock brasileiro foi num galpão “customizado” de pub underground na cidade-satélite Taguatinga, numa via com oficinas de carros, borracharias 24 horas, boates decadentes e fundos de supermercados, ao lado da linha de metrô pra Samambaia e vista para os prédios crescentes da “emergente” classe média alta Águas Claras. Local lateral apropriadíssimo para as escavações e exibição do panssexual roqueiro.
Assistir a um show de Serguei é sempre um show à parte, na mais completa tradução. Só vendo. E ouvindo. Mesmo que a voz rouca não tenha sido mais essas rouquidões todas, Serguei foi reverenciado, apalpado, beijado, por um seleto e eufórico grupo de fãs, como se fosse um Mick Jagger descamisado de Iggy Pop com estampa de Jim Morrison no peito feito porta de percepção. A postura outsider cada vez mais reincidente.
Com problemas cardíacos, pneumonia, fibromialgia e complicações de senilidade com início de Alzheimer, Serguei, ou Sérgio Augusto Bustamante, faleceu no final de tarde de 7 de junho de 2019, aos 85 anos, depois de onze dias internado num hospital em Volta Redonda, RJ, a duzentos e poucos quilômetros de Saquarema, onde vivia desde 1972. Nos últimos anos queixava-se de desnutrição e solidão.
Naquela noite fria em Brasília, Serguei, entre tantos covers de seu set list, com um telão ao fundo com imagens do filme Woodstock, ovacionou com a esperada Summertime, clássico jazz standard de George Gershwin e DuBose Heyward, de 1935, eternizado em 1969 pela versão blues de Janis Joplin, com quem ele assegurava ter rolado sexo, drogas e rock and roll – não necessariamente nessa 'desordem'. Ou sim.
Em 2017, em pleno período pós-golpe, com Temer, o vampiro do Jaburu, no Planalto Central do país, Serguei como sua admirável irreverência escreveu em sua página no Facebook:
"Indicações ministeriais são sempre polêmicas. Eu mesmo já propus a criação do Ministério da Psicodelia e até agora, nada."
A provocação foi por conta dos nomes dos ministros do governo golpista. Serguei foi poupado de ver o pior: a despsicodelia tosca da Esplanada dos Ministérios no desgoverno da alma sebosa e seus bichos escrotos, cruéis, cafonas, milicianos institucionalizados, uma trupe de gambás presigárgulas que se instalou no começo do ano de sua partida, com o resultado fatídico das eleições de 2018.
"Eu não volto mais / eu não quero mais / vou fazer assim / eu prefiro a morte sorrindo...", diria ele, como em seu rock Eu não volto mais, do compacto As alucinações de Serguei, de 1966.
E arremato com o título da postagem, uma tradução livre de um trecho de Summertime: “then you'll spread your wings and you'll take to the sky”.
sábado, 5 de junho de 2021
“la poesía no quiere adeptos, quiere amantes"
O título da postagem é um das célebres frases do poeta espanhol Federico Garcia Lorca, que fez da poesia sua companhia por todos os seus curtos e intensos 38 anos de vida, até ser assassinado pelo regime fascista de Francisco Franco em 1936. Na Espanha católica reacionária e do machismo patriarcal da época, ele foi perseguido por suas posições políticas, pelo seu pensamento libertário e por sua homossexualidade.
Sua obra de beleza e resistência está magnificamente bem expressa em poesia, prosa e teatro, como, por exemplo, no ótimo Poeta em Nova York, publicado postumamente em 1940, em que manifesta em versos cortantes a repulsa à brutalidade da “civilização mecanizada” da metrópole da América do Norte. Lorca estudou por nove meses, entre 1929 e 1930, na Universidade de Columbia. Foi o tempo suficiente que suportou viver na cidade que ele chamava de uma “Senegal com máquinas”, pois, como escreveu em carta aos familiares, “Paris causou uma grande impressão em mim, Londres muito mais e agora Nova York me atingiu como um golpe na cabeça."
Uma suposta foto de Lorca sendo fuzilado no pátio da cadeia, replicada há tempos pela internet, vai na contramão dos fatos que estudiosos, pesquisadores e biógrafos defendem. Nem sequer o físico do homem recitando o último poema antes de ser abatido condiz com o do poeta de Andaluzia. Para os historiadores é uma aberração com a história de Lorca. Os franquistas não o expuseram como fizeram com outros intelectuais. Prenderam-no na surdina da madrugada, mataram-no e jogaram o corpo em vala comum para que a memória seguisse junto.
A foto acima é umas das colagens feitas pelo poeta, exposta na Fundação que leva o seu nome, em Madri. Presidida por sua sobrinha, Laura Garcia-Lorca de los Rios, a organização reúne mais de duas mil páginas manuscritas de poesia, prosa e drama, centenas de cartas, milhares de fotografias, uma biblioteca pessoal de 5000 volumes, e uma expressiva quantidade de recortes de jornais.
123 anos hoje de seu nascimento.
Ao contrário da vala comum onde estão os adeptos da estupidez, a poesia se eterniza no coração dos que amam.
o Brasil como personagem
Os senhores da terra, 1970, Sagarana, o duelo, 1974, Soledade, 1976, A batalha dos Guararapes, 1978, Águia da cabeça, 1984, Jorge, um brasileiro, 1989, são alguns dos filmes dirigidos pelo cineasta Paulo Thiago nessas duas décadas produtivas do cinema brasileiro. Nos anos 90 e 2000, Vagas para moças de fino trato, Policarpo Quaresma, herói do Brasil, Poeta de sete faces, O vestido, Orquestra dos meninos, Doidas e santas, Memórias do Grupo Opinião, mesmo entre altos e baixos como produto final criativo em relação aos títulos anteriores, Paulo Thiago manteve, em documentários e ficção, o Brasil como personagem principal em sua filmografia, adaptando obras da literatura de Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, dramas históricos, alegóricas histórias inspiradas em fatos do interior de sua natal Minas Gerais e adaptações de peças teatraisse.
O documentário Coisa mais linda - História e casos da Bossa Nova, de 2005, destaco como um ótimo painel informativo sobre o nascimento desse movimento de renovação do samba irradiado a partir da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro no final da década de 1950.
O filme é praticamente conduzido pelos compositores Roberto Menescal e Carlos Lyra, que percorrem lugares por onde o movimento surgiu e se desenvolveu, e teve seu ponto alto em 1962, quando os seus principais e seminais representantes apresentaram um show no Carnegie Hall, em Nova Iorque. O disco de João Gilberto, Chega de saudade, 1959, a sofisticação do piano de Tom Jobim, a poesia de Vinicius de Morais, são alguns outros itens abordados para a compreensão do que é classificado como a modernização da música brasileira.
Entre vários entrevistados, há declarações reveladoras como a de Cacá Diegues, “Enquanto o Cinema Novo tentava registrar aquele Brasil que a gente não gosta de ver, a Bossa Nova registrava o Brasil que a gente gostaria de ser”, e curiosa (ou exagerada?), como a de Nelson Motta, "João Gilberto é nosso pastor. Nada nos faltará! O Salmo 23 em versão Bossa Nova." O ponto de vista de cada um converge para o olhar atento, analítico e contemplativo do cineasta sobre esse período importante e mostra àqueles que não pressentem que no peito desses “desafinados” inovadores também bate um coração.
O cineasta faleceu nesta madrugada de sábado aos 75 anos, de uma parada cardíaca após uma doença hematológica. Não conseguiu concretizar os projetos Rabo de foguete, filme baseado na obra de Ferreira Gullar, e um documentário sobre o grupo MPB4.
A esses personagens brasileiros, filmados e não filmados, a câmera de Paulo Thiago revelou sua enorme gratidão.
sexta-feira, 4 de junho de 2021
a viagem de volta
Repostando para sempre lembrarmos do que o nazismo foi capaz. E que é preciso estarmos atentos e fortes.
O texto faz parte do meu livro ©Crônicas do Olhar, Editora Radiadora.
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A VIAGEM DE VOLTA
No final da manhã de 4 de junho de 1939, o navio alemão MS St. Louis com 937 refugiados judeus alemães aproximava-se do porto em Florida, Estados Unidos. A embarcação, sob o comando do capitão Gustav Schröder, partira de Hamburgo no dia 13 de maio com destino a Havana, Cuba, onde faria escala, pois os passageiros estavam em lista de espera oficial para a obtenção dos vistos de entrada em terras norte-americanas. Os refugiados sequer desceram. O governo de Federico Laredo Brú, do Partido União Nacional, mudou de ideia na última hora e ordenou que partissem.
Na costa da Florida, o St. Louis foi recebido com tiros, disparados como advertência para voltarem. O presidente Franklin D. Roosevelt, do Partido Democrata, impediu, argumentando que os passageiros não podiam desembarcar com vistos de turistas, pois não tinham endereço de retorno. A Lei de Imigração de 1924 restringia o número de imigrantes do leste e sul da Europa. Ou seja, não previa a entrada de refugiados. Ou seja mais ainda, a burocracia draconiana acima de decisões humanitárias. O capitão Schröder tentou convencer o primeiro-ministro canadense, já que estavam a apenas dois dias daquele país, mas foi igualmente hostil com os exilados. E na lista de passageiros, nomes das mais variadas classes sociais, famílias pobres, comerciantes, advogados, professores, e até uma condessa, Denise Kreisler. Há relatos de um militar desertor do exército nazista nos porões. Todos fugindo das garras de Hitler.
Seguindo de volta à Europa, o St. Louis tomou rumo incerto à procura de países que pudessem aceitar os refugiados. Depois de muita negociação por quinze dias, com grandes dificuldades de comunicação por rádios transmissores nas águas agitadas do Atlântico, o navio aportou na Bélgica, Reino Unido, Países Baixos e França, distribuindo os passageiros. No decorrer da Guerra e invasões das tropas nazistas em alguns desses países, 227 dos refugiados foram presos e assassinados nos campos de concentração de Auschwitz e Sobibor, no que Hitler se vangloriava como “solução final” para a pureza da raça ariana. Os que conseguiram escapar serviram de testemunhas, relatando nas décadas seguintes as expectativas dentro do navio e os dias de insegurança pela sobrevivência escondendo-se dos algozes.
Em 1974 o jornalista Gordon Thomas e o produtor de televisão Max Morgan-Witts, ingleses, publicaram Voyage of the damned, depois de longas pesquisas sobre o fato, possivelmente o livro que mais aprofunda o que aconteceu naquela viagem do St. Louis, e os desdobramentos trágicos na volta ao continente europeu. Há outro, que ainda não li, The saddest ship sfloat": The tragedy of the MS St. Louis, da jornalista canadense Allison Lawlor, lançado em 2016.
A publicação de Thomas e Morgan-Witts serviu de base para o roteiro de A viagem dos condenados (Voyage of the damned), produção britânica de 1976, dirigida pelo norte-americano Stuart Rosemberg, com elenco de peso, Max Von Sydow, Faye Dunaway, Orson Welles, James Mason, Oskar Werner, Malcolm McDowell, Ben Gazzara , Fernando Rey, José Ferrer.
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Na foto ilustrativa para esta postagem, do acervo da SZ Photo, Munique, o momento da chegada do St. Louis em Antuérpia, Bélgica, 21 de junho de 1939.
quinta-feira, 3 de junho de 2021
quarta-feira, 2 de junho de 2021
navio espacial
Ana Cristina César em A teus pés, publicado em 1982.
A poeta nascida em Niterói é uma das mais importantes da chamada geração do mimeógrafo na década de 70.
Em 2016 foi a homenageada na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), no mês em que faria 64 anos. Hoje seriam 69 junhos de vida.
Partiu ainda na adolescência de seus 31 anos.
terça-feira, 1 de junho de 2021
il partigiano
Repostando para sempre lembrarmos do que o fascismo é capaz.
O texto faz parte do meu livro Crônicas do Olhar, Editora Radiadora.
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IL PARTIGIANO
No começo do ano de 1924 o deputado italiano Giacomo Matteotti, do Partido Socialista Unitário, publicou o livro Os fascistas expostos: um ano de dominação fascista, em que denuncia a política de Mussolini em seu primeiro ano de poder como primeiro-ministro.
Como um acréscimo de sua luta contra o autoritarismo, Matteotti faz, em 30 de maio, um corajoso e histórico discurso no parlamento, apontando com provas a falsificação dos resultados das eleições daquele ano.
No mês seguinte, o deputado foi sequestrado e assassinado por milicianos fascistas. Seu corpo encontrado uma semana depois, nos arredores de Roma. Foi jogado de um carro depois de esmurrado e apunhalado. Os executores foram seis integrantes do comando paramilitar Camisas Verdes, oficialmente denominada Milícia Voluntária Para a Segurança Nacional, sob o comando do general Emilio De Bono, uma espécie tanto quanto asquerosa de Brilhante Ustra. A organização miliciana era uma ferramenta de repressão política de Mussolini, que, além de compartilhar a ideologia com o nazismo, inspirou grupos de extrema direita na Inglaterra, União Britânica de Fascistas, nos Estados Unidos, Legião Prateada da América, na Espanha, Falange Espanhola, na Irlanda, Canadá e França, Camisas Azuis, no México, Camisas Douradas, e no Brasil, Camisas Verdes, do integralista Plínio Salgado.
Giacomo Matteotti era apelidado “A Tempestade”, por sua impetuosidade em bater de frente com o Partido Nacional Fascista e seu líder. Soube-se que após o discurso Mussolini teria dito ao chefe da polícia secreta que o deputado não deveria “seguir em circulação”.
O parlamentar, advogado conceituado, que abdicara dos bens de sua família rica, doando seu patrimônio a um orfanato, sabia dos riscos que corria por sua militância, e internamente entre os seus pares, estimulava que os partidos de esquerda precisariam deixar as divergências de ramificações e unirem-se contra o mal maior: a extrema direita.
Naquele dia de maio, ao terminar o discurso, com uma oratória vibrante, sob aplausos de progressistas e vaias de fascistas, Giacomo Matteotti, antes de descer da tribuna disse: “Já fiz o meu discurso, agora compete a vocês preparar o discurso fúnebre em meu enterro”.
A canção popular Bella Ciao, composta no final do século 19, que expressava o canto de trabalhadores rurais italianos, e se tornou uma canção de protesto na Primeira Guerra e um hino de resistência na Segunda, tem em sua letra, a presença e a coragem de todos os Giacomos.
"E quest'è il fiore del partigiano / morto per la libertà"
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