O cantor e compositor Rodger Rogério conta em entrevista para o meu documentário em andamento Pessoal do Ceará – Lado A Lado B, que durante o programa Proposta, na TV Record, em 1973, conheceu e ficou amigo do compositor paulista Paulo Vanzolini, autor do clássico samba-canção Ronda, aquele do andarilho à procura de quem não o quer mais.
Rodger, físico de formação, e Vanzolini, zoólogo reconhecido, tinham longas e divertidas conversas além da música que os apresentou. Certa vez, ao ouvi-lo falar muito e com bastante propriedade sobre o Pantanal, da beleza da extensão estépica no coração do Brasil, Rodger curioso perguntou se ele conhecia o Nordeste. “Meu filho, eu palmilhei aquele chão sagrado!”, respondeu, surpreendendo Rodger, que confessa, rapaz da cidade, o mais longe que alcançou foi nas viagens à fazenda da família de Flávio Torres, nos monólitos de Quixadá. “Pois de Quixadá, eu conheço até os bodegueiros”, arrematou Vanzolini, citando fulano, sicrano e beltrano.
Dessa conversa Rodger se inspirou para compor Chão sagrado, em parceria com Belchior, que desenvolveu a letra, sabendo da história do provedor do mote, e com a vantagem de ter palmilhado o sertão natal de Sobral às margens do Acaraú.
Gravado no disco homônimo de 1974, com
Téti
, a canção, segunda do lado A, é uma radiografia afetiva do chão de Morro Branco e Quixadá, de “sol quente pra todo lado”, como diz um dos versos, na alma do nordestino.Assim como, por exemplo, os escritores Pedro Nava e Moacir Scliar sobreviviam e felizes viviam (até onde se sabe) de suas profissões de reumatologista e sanitarista, respectivamente, Paulo Vanzolini curtia demais seus afazeres diários no ramo da biologia estudando os répteis e anfíbios, sua especialização.
Mas compor música não era um hobby. Até porque não se trata a arte como passatempo. E tempo não se passa: se vive. Vanzolini criava como prolongasse sua formação para entender esse bípede chamado homem e sua complicada alma anfíbia. Com certeza, os animais tinham mais definição e uma convivência aprazível.
Volta por cima, na voz de Noite Ilustrada, Na Boca da Noite, que compôs com Toquinho, são outras de tantas canções que se consagraram também pelo conteúdo dramático dos enamorados, dos amantes e seus abismos.
Ronda, de 1953, gravada inicialmente por Inezita Barroso, é uma crônica de amor e morte nos bares e ruas de São Paulo. Apesar de não ser sua canção preferida - como revelou certa vez em uma entrevista - é a que melhor resume esse olhar analítico dos queixumes das almas penadas nos centros urbanos.
No mesmo mês de abril, Vanzolini veio e foi embora. Hoje faria 97 anos. Partiu três dias depois em 2013 para outras rondas, outro chão sagrado.
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Com adaptações para esta postagem, texto do meu livro em preparação Crônicas do Olhar, Editora Radiadora.
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