domingo, 7 de julho de 2019

cartão de memória

O cineasta Steven Soderbergh é um dos competentes cineastas do cinemão industrial norte-americano. Com mais de 30 títulos em sua filmografia, destacam-se produções que equilibram perfil autoral com fórmula comercial, revertendo-se em reconhecimento da crítica e do público com bilheteria rendosa.
Os dramas biográficos, suspense em Kafka, força-feminina em Erin Brockovich, uma mulher de talento e épico mítico revolucionário em Che, o relato sobre narcotráfico em diversas perspectivas em Traffic, a refilmagem de Oceans's eleven, dos anos 60, de Lewis Millestone, desdobrada na trilogia Onze homens e um segredo aumentando o número de personagens e segredos, a versão audaciosa de Solaris, clássico da ficção científica orbital-existencial de Andrei Tarkovski, 1972, são alguns de seus filmes em paralelo com produções sem marca própria no cardápio fast-food do cinema hollywoodiano, como Contágio, Magic Mike...
E eis que Soderbergh lançou em 2018, com primeira exibição no Festival de Berlim, Distúrbio (Usename), um suspense sobre uma jovem, interpretada por Claire Foy (foto abaixo), que se diz vítima de um stalker virtual, e ao fazer uma consulta médica sobre a perseguição, é internada contra sua vontade em uma clínica psiquiátrica. O desenrolar da trama é delineado pela ambiguidade das ações e personagens, em um jogo psicológico característico em roteiros do gênero, que envolve o espectador na ansiedade de solução e alívio. Até aí nenhuma novidade. O que tornou atrativo foi a informação de ter sido filmado com um celular iPhone 7 Plus, iluminação natural, um cronograma intenso de dez dias e recursos limitados.
Para um diretor que tem a disponibilidade de produção utilizando equipamento de ponta em seus projetos, sua atitude pode parecer um pouco blasé, quando, na verdade, é um exercício válido de experimento de uma tecnologia cada vez mais avançada em suas possibilidades, mas nem sempre utilizada com criatividade. Com uma ideia na cabeça e um celular na mão, Soderbergh mostra que não precisa de malabarismos de movimentos de câmeras nem de efeitos especiais para impressionar, e sim saber usar as limitações para contar uma história, ir além da acessibilidade tecnológica, recriar a partir de algum tipo de insuficiência técnica, e como auto desafio, ”encontrar projetos que revelem novos aspectos de sua personalidade, senão você vai rodar sempre o mesmo filme”, como disse em entrevista quando Distúrbio foi lançado em plataformas de streaming em meados do ano passado.
Com sua nova produção, o cineasta faz um link, diametralmente no tempo e no espaço, com seu segundo filme, de 1989, Sexo, mentiras e videotape, um curioso drama sobre uma mulher que se trata com um psicanalista, e na família convive com um amigo de infância que tem a mania de gravar em vídeo depoimentos de mulheres sobre sexo. De um filme ao outro, é como se as personagens se encontrassem atualizando o aplicativo.
Do VHS ao iPhone, do analógico ao digital, Soderbergh é um atento observador das inquietações humanas.

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