domingo, 21 de julho de 2019

guarde uma frase pra mim dentro de sua canção

Em meados dos anos 90 a cantora Amelinha encontrou com Belchior nos bastidores de uma emissora de televisão em São Paulo. Na alegria das conversas abraçadas de conterrâneos quando se encontram, o cantor comentou que gostaria muito de ouvir na voz dela uma canção que gravou em 1987, De primeira grandeza, no disco Melodrama.
O tempo passou. Em 2000 a cantora pensou em incluir a canção no CD Ednardo, Amelinha & Belchior - Pessoal do Ceará, mas não cabia dentro da proposta do disco.

Belchior sumiu em seu exílio voluntário e voltou de uma forma que não desejávamos. “Fiquei sete dias muda, quieta, chocada e com um vazio enorme no meu peito”, disse Amelinha, expressando um sentimento de todos nós.
Em agosto de 2017, quatro meses depois da morte de Belchior, a convite do produtor Thiago Marques Luiz, Amelinha segue para a cidade Piracaia, São Paulo. No Estúdio Canto da Coruja, situado num bucólico sítio, passa quatro dias gravando o álbum “De primeira grandeza – as canções de Belchior, com direção musical de Estevan Sincovitz. O disco é belíssimo, um dos melhores de Amelinha, com sua voz cada vez mais afinada e anímica. Estão lá dez canções preciosas, incluindo uma das poucas conhecidas de Belchior, Incêndios, parceira com Petrúcio Maia, gravada por Fagner no disco Romance no deserto, 1987.
Belchior estava certo na intuição: a interpretação de Amelinha em De primeira grandeza é de uma beleza e simetria impressionantes, condizendo com a letra quando o autor diz “Quando eu estou sob as luzes / não tenho medo de nada / e a face oculta da lua - que é a minha! / aparece iluminada. / Sou o que escondo - sendo uma mulher / igual a tua namorada / mas o que vês quando me mostro – estrela / de grandeza inesperada.”
Hoje é aniversário de Amelinha. Ontem estreou em Niterói o show com as canções de disco. Um presente de primeira grandeza de Belchior para a amiga.
Parabéns pelo seu dia todos os dias, Amelinha, flor da paisagem das canções cearenses nordestinamente brasileiras.

poesia na cidade

"Meu irmão, acabei de ler tua 'Provisória poesia', permanente!
Feliz demais de conhecer teus versos, e poder ser marcado pelo teu lirismo seco.
Gratidão, Nirton"
- Mailson Furtado, Prêmio Jabuti de Poesia 2018
Meu caro Mailson, sua leitura é meu prêmio Jabuti. Gratidão!

sexta-feira, 19 de julho de 2019

turnos da poesia

"Um dos meus deleites, no meu quarto, é recitar poesias deitado na cama, antes de dormir. Procuro fazer ecoar as palavras de modo a encontrar a sonoridade delas; sua musicalidade nas frases e adequá-las ao sentido que elas parecem revelar.
Meu amigo e poeta Nirton Venancio publicou este ano mais um de seus livros de poesias: 'Poesia Provisória', da Editora Radiadora.
São versos de uma clareza, de uma espontaneidade que parece ter sido cautelosamente pensados e sentidos.

As emoções do poeta que revelam uma solidão com riso n’alma.
Percebe-se que há uma vontade dele brincar com a 'forma' das palavras, embora o sentimento deve exprimir a ideia de cada estrofe num tema proposto dos insights que tocaram o autor, exigindo do poeta a autenticidade daquelas palavras ao conteúdo do tema que elas brotaram com vidas próprias. Tive a liberdade de recitar uma, de tantas que me afinei."

- Fernando Rocha, antropólogo

quinta-feira, 18 de julho de 2019

balcão de negócios

"É uma forma de se desresponsabilizar pelo financiamento público do ensino superior", disse o sinistro da deseducação ontem no lançamento do "projeto" Future-se.

a voz de Billie

A cantora fotografada por William P. Gottieb, 1947
O que particulariza o estilo de Billie Holiday é a essência de sua interpretação. Sua conturbada vida parece desfolhar-se em cada canção, não somente pelas letras das músicas, mas pela maneira como essas melodias saem da sua alma, são extraídas lá do mais íntimo do coração. "My heart is sad and lonely", "my life a wreck you're making", "life's dreary for me", como canta em Body and soul, de 1957, uma das mais amarguradas e expressivas de sua vida, não à toa, regravada por Amy Winehouse em Lioness: Hidden Treasures, disco póstumo de 2011, em duo com Tony Bennett. Era a música e o cantor preferidos da mãe de Amy. Era a música com a cantora preferida de Amy.
Quando Billie Holiday nasceu, seu pai, um tocador de banjo, tinha apenas quinze anos de idade e sua mãe não mais do que treze. O pai abandonou a família e a mãe deixava a filha bebê com parentes. Negra, pobre, desamparada, Billie amargou infortúnios logo cedo. Foi violentada aos dez anos de idade por um vizinho. Internou-se em casa de correção, lavou chão de prostíbulo, e virou prostituta aos catorze anos, em Nova Iorque. Isso nos anos 20. Na década seguinte começou como cantora, quando foi descoberta por um pianista em um bar do Harlem. Sua voz conquistou nomes como Benny Goodman, Count Basie, Artie Shaw, Duke Ellington e Louis Armstrong. Fez concertos com todos eles.
Nos anos 40, Billie entrou numa de ruim pra pior. Passando por vários momentos de depressão, afundou-se no álcool e drogas pesadas. Um caminho sem volta. Morreu com apenas 44 anos de idade.
Muitas dessas revelações corajosas, sem autocomiseração, estão na autobiografia Lady sings the blues, publicada pouco antes de sua morte, que hoje completa 60 anos.

terça-feira, 16 de julho de 2019

aparelhamento do Estado

Presidente do STF atende pedido do filho 01 e suspende apurações com dados do Coaf e do Fisco sem aval judicial. Aqui.

sem aspas

Nunca pensei que um dia compartilharia uma fala de Reinaldo Azevedo...

mediocridade procede ao desmonte de conquistas

foto ©Bob Sousa
Lúcido, oportuno e urgente artigo de Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Dilma Roussef, professor titular de Ética e Filosofia Política da USP, publicado hoje na Folha de São Paulo:
A FLIP E O FASCISMO
Vários amigos, embora tenham horror ao atual governo, não se preocupam muito: pensam que em quatro anos as eleições o substituirão. Alguns acrescentam que o Brasil assim aprenderá melhor o valor da democracia.
De minha parte, entendo que eles subestimam a destruição do tecido social e político, a liquidação da vida inteligente e da vida mesma, que está sendo efetuada prioritariamente nas áreas da educação e do meio ambiente.
Debate-se muito o que é fascismo. Porém alguns pontos são fundamentais nesse regime, talvez o mais antidemocrático de todos, que não é apenas um exemplo de autoritarismo.
Primeiro, o fascismo conta com ativo apoio popular. Tivemos uma longa ditadura militar, mas com sustentação popular provavelmente minoritária e seguramente passiva. Mesmo no auge de sua popularidade — o período do “milagre”, somando general Médici, tortura e censura, tricampeonato de futebol e crescimento econômico — não houve movimentos paramilitares ou massas populares saindo às ruas para atacar fisicamente os adversários do regime.
Hoje, há.
Daí, segundo, a banalização da violência. Elas deixam de ser, na frase de Max Weber, monopólio do Estado, por meio da polícia e das Forças Armadas: os próprios cidadãos, desde que favoráveis ao governo, sentem-se autorizados a partir para a porrada.
O ataque à barca em que estava Glenn Greenwald em Paraty é exemplo vivo disso.
O que distingue o fascismo das outras formas de direita é ter uma militância radicalizada, ou seja, massas que banalizam o recurso à violência. O fascismo já estava no ar uns anos atrás quando um pai, andando abraçado com o filho adolescente, foi agredido na rua por canalhas que pensavam tratar-se de um casal homossexual.
Terceiro: essa violência é usada não só contra adversários do regime — a oposição política— mas também contra quem o regime odeia. Não foca apenas quem não gosta do governo. Mira aqueles de quem o governo não gosta. No nazismo, eram judeus, homossexuais, ciganos, eslavos, autistas. No Brasil, hoje, são sobretudo os LGBTs e a esquerda, porém é fácil juntar, a eles, outros grupos que despertem o ódio dos que se gabam de sua ignorância (‘fritar hambúrguer’ é um bom exemplo, até porque hambúrguer não se frita, se faz na chapa).
Quarto: o ódio a tudo o que seja inteligência, ciência, cultura, arte. Em suma, o ódio à criação. Não é fortuito que Hitler, que quis ser pintor, tivesse um gosto estético tosco, e que o nazismo perseguisse, como “degenerada”, a melhor arte da época. É verdade que os semifascistas Ezra Pound e Céline brilham no firmamento da cultura do século 20 —mas são agulha no palheiro.
Antonio Candido uma vez escreveu um manifesto dos docentes da USP criticando a “mediocridade irrequieta” que comandava a universidade. Um colega discordou: a mediocridade nunca é irrequieta! Mas Candido tinha razão. A mediocridade procede hoje, sem pudor, ao desmonte de nossas conquistas não só políticas e sociais, mas culturais e ambientais.
A irracionalidade vai a ponto de algumas dezenas de paratienses tentarem sabotar a Flip, que dá projeção e dinheiro para a cidade. Essa é uma metáfora de um país que namora o suicídio.
Salvemos a vida, salvemos a vida inteligente! Construamos alternativas e alianças para enfrentar essas ameaças. Não temos tempo de sobra.
foto ©Bob Sousa

sambista de valor

"Não tenho veia poética, mas canto com muita tática,
não faço questão de métrica, mas não dispenso a gramática"

Trecho com muita poética de O que vier eu traço, samba de 1926, de Alvaiade, batizado Oswaldo dos Santos, um dos maiores compositores brasileiros, carioca da gema, sambista de primeira ligado a Portela, exímio orador, tocava vários instrumentos, do cavaquinho a percussão.
A composição, em parceria com Zé Maria, ficou célebre com a ótima interpretação de chorinho apressado de Ademilde Fonseca, em gravação nos anos 40. As novas gerações conhecem a versão em “beat acelerado”, também admirável, de Baby ainda Consuelo, em disco que tem o título da música, de 1978. E, entre outras interpretações, a turma mais recente, das rodas de bamba e plataformas digitais, ouviu na simpática voz da sambista Teresa Cristina.
Clássicos como esse dignificam nossa rica música brasileira. E por trás de tanta beleza, métrica e gramática, muitos de nossos artistas do passado sobreviveram traçando com muita tática o que viesse de trabalho. Alvaiade segurava a onda e o tamborim do dia a dia, com um salário de tipógrafo.
Como bem cantou Paulinho da Viola em 14 anos, "sambista não tem valor nesta terra de doutor", quando faleceu em 1981, aos 68 anos, Alvaiade passava dificuldades, tinha uma aposentadoria mixuruca.
Seu corpo permaneceu dois dias no IML antes de ser reconhecido. E seu nome continua pouco reconhecido.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

presente indicativo

foto Lyubomir Bukov
Um amigo me perguntou se já baixei o aplicativo de envelhecimento, para eu ver como serei daqui a não sei quanto tempo.
Não tenho a menor curiosidade em saber como serei bem velhinho, nem o que dizem as cartas do tarô, o desenho dos búzios, o que a cigana lê nas linhas de minha mão, nem como e quando partirei de vez na sombra sonora de um disco voador. E só irei porque não há outro jeito, por mim ficaria por aqui mesmo, apesar desses tempos.
Meu tempo é aqui e agora. Já me bastam no hoje as marcas do pretérito, as lembranças, principalmente as boas. Como disse o jornalista Alessandro Porro em sua biografia Memórias do meu século, “o passado é minha certeza.”

os bons companheiros


ao vivo é muito pior

charge Andre Dahmer
39 quilos de cocaína no avião da comitiva presidencial
Presidente faz propaganda de colar de nióbio no Polishop
Juiz da Lava Jato troca mensagens com procuradores da Força Tarefa
In Fux we trust
Estado Maior do Exército homenageia oficial nazista
Reforma da Previdência é aprovada em 1º turno na Câmara
Presidente promete um ministro "terrivelmente evangélico" no STF
General ministro da Secretaria de Governo diz que é uma soma de Davi, Salomão e José do Egito
Presidente defende trabalho infantil
Chapeiro de hambúrguer é indicado para a Embaixada do Brasil nos EUA
Procurador usa Lava Jato para lucrar com palestras
MEC anuncia privatização das universidades públicas
Aha! Uhu! O Fachin é nosso!
Etc etc etc...
charge Andre Dahmer

domingo, 14 de julho de 2019

o palestrante de 400k

Chats privados mostram que procurador debateu com colega a criação de empresa no nome de familiares.

nas asas da imaginação

Na lateral esquerda do encarte do vinil Cabelos de Sansão, de Tiago Araripe, há uma frase, que mesmo na descrição e discrição das letras miúdas, tem um significado de grandiosidade e definição da proposta desse álbum, um dos mais importantes da música brasileira: “O exercício da liberdade começa com a imaginação.”
Lançado em 1982, produzido pela Lira Paulistana Gravadora e Editora, o disco apresenta o cantor, compositor e instrumentista cearense, do Crato, como uma das grandes revelações de uma música inovadora, pulsante em pleno caldeirão caleidoscópico da Vanguarda Paulistana. Através de Tom Zé, Tiago logo foi reconhecido pelos poetas concretistas que permeavam as raízes daquele período da cena musical, como Décio Pignatari e os irmãos Campos, Haroldo e Augusto, e consequentemente pelos compositores Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, a turma do Premeditando o Breque...

Conceitual, o LP apresenta seis faixas de autoria de Tiago, três em parceria com Jorge Alfredo, José Luís Penna, Cid Campos, e uma versão de Little wing, clássica balada de Jimi Hendrix, do disco Axis: Bold as love, 1967. Com letra para o português de Augusto de Campos, a interpretação do Tiago adquire um ar de autenticidade pela maneira como entra nas asas da imaginação da canção. E assim é o disco todo.
O álbum foi relançado em CD em 2008, pelo selo Saravá Discos, de Zeca Baleiro, e recentemente disponibilizado em plataformas digitais.
Tiago Araripe passou um longo tempo noutras atividades ligadas a publicidade, e em 2013 lançou outro ótimo disco, Baião de nós, gravado em Recife, onde morou. Antes de seguir para Portugal ano passado, o compositor retomou o convívio em terras caririenses. A cearensidade está na alma de sua voz, nos acordes de suas canções.
Hoje, Tiago Araripe faz show em Fortaleza, trazendo na mala as viagens que fez pela música nesse tempo todo.

sábado, 13 de julho de 2019

marchinhas talquey

Familia Passos, talquey?,é um grupo composto por, como o nome diz, uma família: senhora Marília, professora aposentada, senhor Nilson Reni, metalúrgico aposentado, e as filhas Ísis, funcionária pública, Lígia, violonista e professora.
Eles moram em Curitiba, têm um canal no Youtube e uma página no Facebook com criativas paródias sobre a situação política.
O deboche crítico e saudável
No vídeo, uma compilação de marchinhas de carnaval atualizadas com os personagens almas sebosas.

o nome da pessoa

foto João Lima

"Lula recebe visita da viúva do escritor José Saramago"
- revista ISTOÉ, UOL Notícias

"Viúva de escritor José Saramago visita Lula em Curitiba"
- Metrojornal

"'Vi Lula como o líder que ele sempre foi', diz viúva de Saramago sobre visita ao ex-presidente"
- Folha de São Paulo

"Viúva de Saramago visita Lula"
- Jornal da Chapada, Bahia

As pessoas têm nome!
Respostando para contrapor às manchetes do patriarcado incrustado:
POR SI MESMA
"Não gosto que me chamem ‘viúva de’ porque ninguém me chamou ‘mulher de’ enquanto Saramago foi vivo. Isto por duas razões: porque tinham de enfrentar Saramago e tinham de me enfrentar a mim. Cada um de nós é o produto de si próprio. Não somos nem do pai nem do filho. Somos o que queremos ser. Nunca fui a mulher de Saramago nem serei a viúva dele, por respeito a Saramago e a mim própria."
- Pilar del Río, jornalista, escritora, tradutora espanhola, preside atualmente a Fundação José Saramago, em entrevista ao site Expresso, 2017.

rock perfumado

Na sequência da primeira foto, Ronald de Carvalho (baixo), Milton Rodrigues, o Mocó (bateria), Lucio Ricardo (voz), Siegbert Franklin (guitarra) Nélio Perfume (guitarra): eles formavam o Perfume Azul, a seminal banda de rock de Fortaleza. Som, pauleira, ousadia, nos anos nada dourados, 1976 e 1977.
Não gravaram LP, não registraram shows, mas estão cristalizados na lembrança de muitos que, como eu, não perdiam uma apresentação.
A cantora e compositora Mona Gadelha, que é igualmente parte importante desse período na história da música cearense, escreveu O Perfume Azul, artífice da ruptura: transgressão na cena rock de Fortaleza nos anos 70. dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará, requisito à obtenção do título de Mestre, apresentada ano passado. Pelo valor da pesquisa, registro e conhecimento de todos, espero que seja publicada em livro.
Hoje, quando se comemora O Dia Mundial do Rock, data escolhida em referência ao evento Live Aid, minha homenagem ao Perfume Azul, uma banda-acontecimento na capital cearense.

reflexão sobre o caos

foto Eduardo Nicolau
Excelente, lúcida e oportuna reflexão do escritor Milton Hatoum sobre e sob esse pesadelo em que estamos vivendo no Ano I da Era Tosca, publicada em sua página no Facebook:

QUANDO O FOGO É PRISIONEIRO DA FOGUEIRA...

"O desgoverno é um caos calculado. Quase todos os dias é preciso plantar disparates, semear intrigas e gerar confusão. Essa lógica perversa é necessária para alimentar um incêndio sem fim, e fazer do fogo um prisioneiro da fogueira, como dizem os versos de João Cabral.
O antepenúltimo disparate do capitão reformado é a indicação de um ministro 'terrivelmente evangélico' da AGU para uma vaga no STF. Ou seja, o fanatismo religioso como (anti)critério de excelência profissional. Resta saber como um magistrado 'terrivelmente evangélico' daria um parecer jurídico num Estado laico. Ou seria o despacho de um juiz em estado de transe com o divino?
O penúltimo disparate do capitão foi a indicação do filho 03 para ocupar o posto de embaixador do Brasil em Washington. A filiação é o critério principal. A embaixada mais importante e a mais estratégica sob todos os ângulos pode ser dirigida por um neófito de extrema-direita. Neste caso, extremismo rima com nepotismo. Uma das qualidades do 03 é ter 'fritado hambúrguer' no Colorado, como ele mesmo declarou.
Parece um pastelão filmado no submundo de uma republiqueta desta América. Mas não é um filme de quinta categoria. Não se trata de obra ficcional. Se essa indicação for aprovada pelo senado, poderá gerar graves consequências para o país. Além disso, seria um insulto ao Itamaraty e à esmagadora maioria de seu corpo diplomático. E um insulto também à memória de grandes intelectuais e escritores que trabalharam no Itamaraty e honraram a cultura brasileira: Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Antonio Houaiss, Vinicius de Moraes, entre outros. Sem falar dos romancistas, poetas e tradutores, na ativa e aposentados.
O caos, a desfaçatez, a provocação, as ameaças, a violência (não apenas verbal) e a arruaça são fundamentais para ofuscar o desgoverno e sua irrefreável sanha de destruição de algumas conquistas políticas, de bem-estar social e direitos humanos. Por isso, o incêndio não pode ser debelado.
No futuro, esse desgoverno será relegado à insignificância e à obscuridade. Quem interpreta e julga o passado não são legisladores divinos, e sim mulheres e homens no mundo terreno."
foto Eduardo Nicolau

quinta-feira, 11 de julho de 2019

vossas 379

Em 2005 a banda Titãs lançou o álbum MTV ao Vivo, em CD 20 faixas e no DVD, 25, onde reuniam composições dos três discos anteriores e mais algumas inéditas.
Uma delas, penúltima faixa do DVD, é a sintomática Vossas Excelências, composta em três dias por Paulo Miklos, Tony Bellotto e Charles Gavin, no auge do escândalo do mensalão.
À época algumas rádios em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro não tocavam a música por causa do palavrão no refrão que incomodou muitos parlamentares.
Em entrevista ao site Congresso em Foco, em 2006, Paulo Miklos disse que “o refrão indignado representa as palavras que todo mundo queria usar, expressa a vontade da população de xingar, botar pra fora o sentimento de indignação".
Atualizando o aplicativo da indignação, som nas caixas pras 379 vossas excelências que votaram a favor da “deforma” da Previdência.

aos 379

Festival de Música Popular da Rede Tupi, 1979, no Palácio das Convenções do Anhembi, SP.
Ziraldo apresenta o concorrente Walter Franco, com sua canção de revolta Canalha, um rock com sotaque de Black Sabbath, que ficou com o prêmio de 2º lugar. O 1º foi Quem me levará sou eu, de Manduka e Dominguinhos, interpretada por Fagner, e 3º, Bandolins, de Oswaldo Montenegro.

Walter Franco gravou Canalha no ano seguinte, no disco Vela aberta.
De lá pra cá, sempre oportuna. 
1979 > 2019 > 379 canalhas. 
É um grito que se espalha em primeiro lugar na transversal do tempo.

379


quarta-feira, 10 de julho de 2019

deforma da Previdência

Reforma da Previdência é aprovada em 1º turno na Câmara com 379 votos favoráveis e 131 contra

Os Sertões de todos os tempos

foto ©Eduardo Anizelli
Em palestra na sessão de abertura da Feira Internacional de Paraty – FLIP, hoje às 19h, a crítica literária e professora emérita da USP Walnice Nogueira Galvão, defende a leitura de Os Sertões, de Euclides da Cunha, 1902, para entender situação dos pobres no Brasil.
Alguns trechos de sua conferência:
“Enquanto o processo de modernização capitalista não acabar e se passar a uma nova fase histórica, o livro continua relevante para se pensar o país.”
“O livro serve para pensar na morte de jovens negros nas periferias do Brasil, no desastre em Brumadinho, ou na militarização do país.”
Fez um paralelo dos moradores de Canudos com o movimento dos sem-terra, que considera muito à frente do que Euclides da Cunha relatou no livro:
“Enquanto os moradores de Canudos, liderado por Antônio Conselheiro, se voltaram para dentro, os sem-terra invadem espaços dos outros e do poder. Eles são ativos.”
Apontou que a cobertura da Guerra de Canudos foi uma das maiores fraudes da história do Brasil, pesquisa que fez nos jornais da época e serviu de base para seu livro No calor da hora, publicado em 1994: “talvez tenha sido a primeira fraude, e vocês sabem que não foi a última”, disse, fazendo crítica ao Exército e à imprensa.
Walnice Nogueira é uma da maiores estudiosas de Euclides da Cunha e também de Guimarães Rosa. Além do livro citado, Euclidiana: Ensaios sobre Euclides da Cunha, de 2009, são leituras imprescindíveis para conhecer melhor, por um viés preciso, analítico, uma das obras-primas da literatura brasileira.
Euclides da Cunha é o autor homenageado na 17ª edição da Feira.

já que sou brasileiro




Repostando para sempre lembrar a beleza de nossos artistas:
A música não é dele, foi composta por sua esposa Almira Castilho e seu amigo Gordurinha, mas Chiclete com banana ficou como uma espécie de marca registrada de Jackson do Pandeiro.
O simpático e franzino paraibano já fazia sucesso no rádio e em shows, nas décadas de 40 e 50, com Sebastiana, A mulher do Aníbal, O canto da ema, e outros forrós aloprados, mas foi quando começou a mascar chiclete com banana que estourou definitivamente, e, pode-se dizer, criando de uma forma tosca e brincalhona o primeiro samba-rock.
Gravada em 1959, Chiclete com banana expressa em letra bem humorada e irônica a necessidade de manter a pureza da nossa música, sem influência de ritmos estrangeiros, mais exatamente da terra do Tio Sam, que só vai botar o bebop em nosso samba "quando ele tocar o tamborim / quando ele pegar no pandeiro e no zabumba / quando ele aprender que o samba não é rumba". Eles têm chiclete, e nós, yes! temos banana, que engorda e faz crescer. Então, cante lá, que eu canto cá.
À época da composição, o rock'n'roll reverberava pela América latina e Ocidente, refletindo não somente um gênero, também como comportamento de uma geração pós-Segunda Guerra, que veio explodir como um caleidoscópio cultural na década 60. As influências eram inevitáveis. Tanto é que o próprio Jackson do Pandeiro, batizado José Gomes Filho, logo no início da carreira adotou o "Jack" em homenagem a um ator de faroeste que ele adorava, Jack Perrin. O acréscimo do "son" foi ideia de um produtor, o Pandeiro, por ser o instrumento que ele começou a tocar, presente de sua mãe.
Alceu Valença costuma dizer que Luiz Gonzaga é o Pelé da nossa música, e Jackson, o Garrincha. E faz sentido essa analogia: os dribles e o domínio que o paraibano tem com os ritmos, ao longo de mais de trinta discos, é impressionante. Ele vai do forró ao samba, passando com a mesma verve de interpretação e personalidade, pelo baião, xote, xaxado, coco, arrasta-pé, quadrilha, marcha, frevo... Não à toa, ficou conhecido como "O Rei do Ritmo".
Em 1982, após um show em Brasília, Jackson sentiu-se mal no momento do embarque no aeroporto. Era diabético. Passou uma semana internado, faleceu em decorrência de embolia cerebral, no dia 10 de julho, em um hospital na W3 Sul.
E nosso samba ficou assim: "tururururururi bop-bebop-bebop / tururururururi bop-bebop-bebop /tururururururi bop-bebop-bebop..."

gracias, Mercedes

Gracias a la vida, que me ha dado tanto, Mercedes, me deu dois olhos que quando os abro distingo bem o bem do que não é bem, Mercedes, e do alto do céu estrelado, nas multidões a mulher que eu amo, Mercedes.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto, me deu ouvido para te ouvir, Mercedes, com toda tua extensão, noites e dias, grilos e canários, martírios, turbinas, ladridos, chubascos. E tua voz tão terna, minha bem amada Mercedes.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto, Mercedes, me deu o som e o abecedário, com ele as palavras que penso e declaro mãe, amigo, irmão e luz alumbrando a rota da alma do que estou amando, Mercedes.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto, me deu a marcha de meus pés cansados, com eles andei cidades e charcos, praias e desertos, montanhas e planos, e tua casa, tua rua e teu pátio, Mercedes.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto, Mercedes, me deu o coração que agita seu marco, quando olho o fruto do cérebro humano, quando olho o bom tão longe do mau, quando olho o fundo de teus olhos claros, Mercedes.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto, me deu o riso e me deu o pranto, assim eu distingo dita de quebranto, os dois materiais que formam teu canto, Mercedes, e o teu canto que é o mesmo canto, e o canto de todos que é teu próprio canto.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto, Mercedes, eu que tanto te ouvi, que tanto resisti trabajando duramente contra os anos de chumbo, ouvindo-te, ouvindo-te, ouvindo-te, Mercedes Sosa.
Gracias também, Violeta Parra, por tua canção.
Duerme, duerme, negrita Mercedes em seus 84 anos de nascimento hoje.
Na foto acima, de Orlando Brito, a cantora argentina em show no Teatro Nacional de Brasilia, 1982. Naquele ano, com o fim do AI-5 no período de Geisel e a Anistia com Figueiredo, estava em curso o processo de abertura política. Mercedes Sosa voltava do exílio na Europa e decidiu passar pelo Brasil. Ao final da apresentação, diante uma plateia que aplaudia de pé, disse:
- Amigos do Brasil, trago em minha voz a luta pela liberdade.

terça-feira, 9 de julho de 2019

na tonga da mironga do kabuletê

Repostando e atualizando para que sempre lembremos:
"Foi sacanagem a forma que me expulsaram do Itamaraty!", desabafou o poeta Vinicius de Moraes, lá pelos anos 70, a respeito de sua saída compulsória, definitiva e sumária dos quadros do Ministério das Relações Exteriores na época da ditadura.
Após 26 anos de serviços prestados ao Itamaraty, o poeta foi "aposentado" pelo regime militar em 1968, já como resultado da promulgação do AI-5. O general-presidente de plantão, Costa e Silva, exigia o desligamento do serviço público de "bêbados, boêmios e homossexuais". Brincalhão, Vinicius disse "eu sou o bêbado." O ministro Magalhães Pinto foi curto e grosso: "demita esse vagabundo!"
Com a exoneração, o poeta ficou muito magoado e deprimido. Extravasou seus sentimentos na poesia e na música.
Na língua nagô, a expressão "na tonga da mironga do kabuletê", segundo o Novo Dicionário Banto do Brasil, de Nei Lopes, 2003, significa 'força' (tonga), 'feitiço' (mironga), 'sujeito desprezível' (cabuleté). O poeta usou a sequência dos vocábulos na letra da canção homônima como um xingamento, pela sonoridade, mais pelo valor sugestivo que semântico. Algo como "vão todos à merda!" Curto e diplomático.
A letra foi musicada por Toquinho e gravada por Monsueto, Wilson Simonal e pelos autores na década de 70 – Toquinho, esse mesmo que no final do ano passado, após resultado das eleições, declarou apoio ao abjeto "capetão" e ao tal do excrescente juiz interceptado.
Em 2010, em Brasília, Vinicius foi promovido pelo então chanceler Celso Amorim, durante o governo Lula, à condição de Embaixador do Brasil, com a presença de parentes e amigos.
Em algum cantinho, em bom lugar, o nosso eterno poetinha deve estar curtindo, com seu uisquinho, essa tardia reparação, ao lado de Tom Jobim e do recém chegado João Gilberto.
39 anos hoje que ele se foi. E por ser imortal posto que é chama, peço-lhe a benção, meu mestre.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

crase

Ameaçam-me 
atear fogo
às vestes e às paixões


se não calo o canto
se não sigo as setas
se não cesso os beijos

isso quando mais ardem
fora e dentro de mim
as vestes e as paixões.

Jogo meu corpo 
em praça pública,
jogo minha alma
em graça pública.

Por isso,
dobro o canto,
e bêbado de beijos,
não me dobro às setas.

- do meu livro Poesia provisória, lançado em fevereiro em Fortaleza, Livraria Lamarca, março em Sobral, Livraria Pensar, abril em Brasilia, Bar Beirute, e junho na 35ª Feira do Livro de Brasília.
Próximos lançamentos:
- XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, agosto 
- II Festival Letras & Músicas em Pacatuba, CE, setembro

À venda:
- Livraria Lamarca, Fortaleza, Av. da Universidade, 2475 
- Livraria Pensar, Sobral, CE, North Shopping Sobral 
- Embaixada da Cachaça, Fortaleza, Rua João Brígido, 1245
- Editora Radiadora / Alan Mendonça, 85-999442220, também 
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- Diretamente com o autor pelo e-mail nirtonvenancio@gmail.com

domingo, 7 de julho de 2019

cartão de memória

O cineasta Steven Soderbergh é um dos competentes cineastas do cinemão industrial norte-americano. Com mais de 30 títulos em sua filmografia, destacam-se produções que equilibram perfil autoral com fórmula comercial, revertendo-se em reconhecimento da crítica e do público com bilheteria rendosa.
Os dramas biográficos, suspense em Kafka, força-feminina em Erin Brockovich, uma mulher de talento e épico mítico revolucionário em Che, o relato sobre narcotráfico em diversas perspectivas em Traffic, a refilmagem de Oceans's eleven, dos anos 60, de Lewis Millestone, desdobrada na trilogia Onze homens e um segredo aumentando o número de personagens e segredos, a versão audaciosa de Solaris, clássico da ficção científica orbital-existencial de Andrei Tarkovski, 1972, são alguns de seus filmes em paralelo com produções sem marca própria no cardápio fast-food do cinema hollywoodiano, como Contágio, Magic Mike...
E eis que Soderbergh lançou em 2018, com primeira exibição no Festival de Berlim, Distúrbio (Usename), um suspense sobre uma jovem, interpretada por Claire Foy (foto abaixo), que se diz vítima de um stalker virtual, e ao fazer uma consulta médica sobre a perseguição, é internada contra sua vontade em uma clínica psiquiátrica. O desenrolar da trama é delineado pela ambiguidade das ações e personagens, em um jogo psicológico característico em roteiros do gênero, que envolve o espectador na ansiedade de solução e alívio. Até aí nenhuma novidade. O que tornou atrativo foi a informação de ter sido filmado com um celular iPhone 7 Plus, iluminação natural, um cronograma intenso de dez dias e recursos limitados.
Para um diretor que tem a disponibilidade de produção utilizando equipamento de ponta em seus projetos, sua atitude pode parecer um pouco blasé, quando, na verdade, é um exercício válido de experimento de uma tecnologia cada vez mais avançada em suas possibilidades, mas nem sempre utilizada com criatividade. Com uma ideia na cabeça e um celular na mão, Soderbergh mostra que não precisa de malabarismos de movimentos de câmeras nem de efeitos especiais para impressionar, e sim saber usar as limitações para contar uma história, ir além da acessibilidade tecnológica, recriar a partir de algum tipo de insuficiência técnica, e como auto desafio, ”encontrar projetos que revelem novos aspectos de sua personalidade, senão você vai rodar sempre o mesmo filme”, como disse em entrevista quando Distúrbio foi lançado em plataformas de streaming em meados do ano passado.
Com sua nova produção, o cineasta faz um link, diametralmente no tempo e no espaço, com seu segundo filme, de 1989, Sexo, mentiras e videotape, um curioso drama sobre uma mulher que se trata com um psicanalista, e na família convive com um amigo de infância que tem a mania de gravar em vídeo depoimentos de mulheres sobre sexo. De um filme ao outro, é como se as personagens se encontrassem atualizando o aplicativo.
Do VHS ao iPhone, do analógico ao digital, Soderbergh é um atento observador das inquietações humanas.

João


sábado, 6 de julho de 2019

a saudade chegou

foto Marcos Hermes, 2008

"some may like a soft brazilian singer / but i've given up all attempts at perfection"
- trecho do texto-manifesto de um dos mais importantes discos dos anos 60, o conceitual Bringing it all back home, de Bob Dylan, 1965.
Exposto na contracapa do álbum, a longa apresentação do então jovem cantor, disserta sobre as composições, a estética, a introdução das guitarras, tornando um disco dividido entre o acústico e o elétrico.

Dylan reconhecia suas limitações vocais, não era nenhum, dizia-se, “soft brazilian singer”: não era nenhum João Gilberto, a quem fez referência e reverência no texto. O cantor brasileiro já conquistara o público americano em 1959 com o seminal da Bossa Nova Chega de saudade, e acabara de lançar, em 1964, o ótimo Getz/Gilberto.
Dylan sabia que não era “um agradável cantor brasileiro / mas estava dando tudo para alcançar a perfeição”.
Caetano Veloso termina a canção Pra ninguém, gravada no disco Livro, 1997, dizendo “melhor do que o silêncio só João”.
Um mês depois de completar 88 anos, o “bruxo de Juazeiro” partiu hoje para o silêncio.

além do nacionalismo

O escritor francês André Gide dizia que "tudo já foi dito uma vez, mas como ninguém escuta é preciso dizer de novo."
Repostando, para que sempre lembremos:
“A música brasileira do século 19, a dita do período romântico, amarga há muitíssimo tempo a condição de patinho feio da história da música no País. É vista como mera imitação dos europeus e simplesmente esquecida, marginalizada. Não chega às salas de concerto, não é gravada nem é objeto de estudos. Só é citada quando se encaixa na visão de que serviu de escada para o nacionalismo cujo esplendor aconteceu com Villa-Lobos, no início do século 20.”
Essa observação precisa e lúcida é do jornalista e crítico musical João Marcos Coelho, em artigo ao jornal O Estado de São Paulo, nos 150 anos de nascimento do compositor, pianista, organista e regente cearense Alberto Nepomuceno, em 2014.
Coelho aponta o músico como o mais consistente símbolo de virada de concepção sobre a música brasileira do século 19.
Nesse mesmo ano foi lançado o ótimo e oportuno livro A formação germânica de Alberto Nepomuceno, do pianista e escritor paulista João Vidal, que desmitifica o dístico de que o compositor cearense foi apenas o “precursor” no nacionalismo musical, revelando e relevando a importância de suas inúmeras peças inspiradas nas tradições e caracteres brasileiros, mas ofuscadas pelo lema e estereótipo de caráter nacional.
Maxixe, lundu, polcas, estão presentes na música de Nepomuceno, assim como habanera, tango e polcas, Wagner e Brahms.
Também, vale salientar, Nepomuceno não foi um imitador ou divulgador da música europeia, o que se compreende bem na pesquisa de João Vidal, curiosidade que o título do livro provoca. O autor coloca o compositor cearense como um grande e talentoso músico, que soube muito bem empregar a síntese de influências e ecletismo em suas criações.
Hoje, aos 155 anos de seu nascimento, Nepomuceno continua praticamente sem nenhuma grande comemoração no país.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

quadros de amor

A jornalista e crítica de arte Laura Cumming, do britânico The Guardian, elaborou uma lista em que considera as dez melhores pinturas de amor.
Numa constelação de obras que pintores criaram ao longo de séculos, é relativo, discutível e difícil fechar um índice tão moderado sobre o tema.

A seleção da crítica reúne quadros de artistas em períodos e movimentos estéticos diferenciados, colocados em ordem cronológica, do primeiro, o barroco A Noiva Judia, do holandês Rembrandt, século 17, ao décimo, o pop-art Love do norte-americano Robert Indiana, 1966, que virou uma icônica imagem reproduzida em esculturas, postais, camisetas, botons, estampa de selo, e até piso de quadra de tênis.
Destaco o curioso Autorretrato como Tehuana, de Frida Khalo, de 1943, que começou a pintar três anos antes, logo quando se separou de seu grande amor, o também pintor Diego Rivera. Frida tem um olhar tristonho... e sobre as características sobrancelhas espessas, a imagem de Rivera, como uma tatuagem na alma. Não à toa, a obra é também intitulada Diego em meus pensamentos. Não por acaso a autora vestida como uma devota, com o Tehuana, um traje típico regional dos mexicanos, muito usado em eventos religiosos.
Rembrandt foi um artista quase obsessivo pelo autorretrato em suas pinturas, talvez em uns cem quadros esteja presente. Mas desde a Renascença, quando essa representação de si mesmo passou a ser reproduzida na história da arte, Frida Khalo é a que mais disseca o próprio espírito nos traços e nas tintas, a que mais dilacera sua condição emocional, expõe as vísceras de suas dores, sem constrangimento e muito menos autocomiseração. A arte e o amor pelo avesso.