
De uns três anos pra cá venho ouvindo uns discos que não me cansam. Pelo contrário, quanto mais ouço mais neles me hospedo. Uma dessas moradas é o cd, aliás, os dois álbuns do grupo franco-argentino Gotan Project, "La revancha del tango" e "Lunatico". Em junho passado eles estiveram aqui em Brasília, e ao ar livre na Concha Acústica, fizeram um show inesquecível para um público imenso e hipnotizado com a mistura do tango com o eletrônico.
Ontem foi a vez do grupo uruguaio Bajofondo Tango Club, encerrando a programação do Mercosul Musical, um bem bolado projeto do cantor e compositor Paulinho Moska, patrocinado pelo Centro Cultural Banco do Brasil. O show, dividido com o excelente músico gaúcho Vitor Ramil, é anunciado com o nome do pianista Luciano Supervielle. Mas é o Bajofondo, pois estão lá no palco o contra-baixista Gabriel Casacuberta, o exímio Martin Ferres no seu bandoneon, e o argentino Javier Luis Casalla vibrando no violino. O Bajofondo, segue a mesma linha do Gotan, assim como o portenho Tanghetto, grupos que estão colocando o tango no século 21 de uma maneira alegre e inovadora.
Supervielle tem 31 anos, e no Bajofondo, além de arranjador, é autor de quase todas as composições. Um DJ que com seus scratches sabe muito bem misturar os estilos dançantes do hip hop e a ancestralidade dramática do tango. Um bom exemplo é faixa "Miles de Pasajeros", do cd "Supervielle.
Sobre o show, é um desses para se ver e rever. O idealizador e mestre de cerimônia Moska, com sua simpatia e voz afinada, abre o show cantando "Elegia", música de Péricles Cavalcanti com letra de Augusto de Campos, que ficou conhecida na interpretação de Caetano Veloso. Mas o grande momento de Moska no palco é a sua versão de "Carlos Gardel", de David Nasser e Herivelto Martins imortalizada na voz de Nelson Gonçalves. E isso com o arranjo de Luciano Supervielle!

Vitor Ramil é uma das raridades da música brasileira. Sempre lembrado como o irmão da dupla Kleiton & Kledir ("deu pra ti / baixo astral / vou pra Porto Alegre, tchau!"). Mas o cara tá muito mais além dessa relação consaguínea. Não exatamente melhor que os irmãos. É diferente. Seus discos merecem uma melhor divulgação. No começo dos anos 80, Gal Costa em seu lp "Fantasia" gravou a lindíssima "Estrela, estrela". Última faixa do lado B. E estourou nas paradas, como se dizia. E Vitor Ramil começou a aparecer. Contando já são sete bons discos, oito com o lançado neste ano, "Satolep Sambatown", um álbum duo com percussionista (ou pandeirista?) Marcos Suzano, que também está brilhando nesse show mercosul. Ramil é tão bom músico quanto escritor. Vale uma olhada no site dele pra se inteirar das coisas sem haver engano. Livros, textos esparsos, prefácios - a literatura de um músico.
Luciano Supervielle, Vitor Ramil, Paulinho Moska, Marcos Suzano... Jorge Drexler e Arnaldo Antunes, Kevin Johansen e Paula Toller, Pedro Aznar e Celso Fonseca, todos esses que estiveram nas semanas anteriores por aqui, provam a riqueza musical de nossa música latina. Nosotros brasileños nos distanciamos por causa da língua portuguesa, mas a alma é uma só nessa diversidade de ritmos no sul das Américas.