domingo, 24 de outubro de 2021

lá vai uma vela aberta

 


“Por muito tempo tentaram nos estigmatizar com essa corrente, restringir o nosso público, sendo que, aonde vamos, o teatro lota, com pessoas da minha geração e uma juventude muito curiosa e ávida”, disse o compositor e cantor Walter Franco, em entrevista ao site O Tempo, há seis anos.

O artista referia-se ao título de “maldito”, que a imprensa rotulou nas décadas de 70 e 80, colocando no mesmo escaninho das redações, ou no mesmo bloco na rua, Sérgio Sampaio, Macalé, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção...
À época da entrevista, Walter Franco estava numa movimentação de shows, num clima de “redescoberta” quando completou 70 anos, em 2015. Seu último disco de estúdio é Tutano, de 2001, e o primeiro em formato CD. Suas obras máximas, Ou Não, Revolver, Respire Fundo, Vela Aberta, são da década de 70, e mais “Walter Franco”, 1982. Mesmo sem gravar há quase vinte anos, Walter Franco nunca parou, dizia que era de uma “geração que não tem pressa nem demora”, estava sempre no momento de plugar as canções, e afirmava que no tempo “não coloco prazo para nada, as coisas nunca estão na prateleira, prontas.”
Esse pulsar de Walter Franco, essa forma de ser e estar, se expressa visivelmente em suas composições, nas letras minimalistas, mas de mergulho profundo, lentamente profundo, na concisão de um haicai, que diz muito num piscar de olhos ao ouvido e coração.
Ao renegar o carimbo de “maldito”, Walter Franco está mais para a vanguarda, que foge do óbvio, do lugar-comum da mesmice institucionalizada. O eterno se faz a partir de pequenos gestos, de momentos inesperados e não programados.
Filho do poeta, radialista e vereador socialista Cid Franco, Walter homenageou o pai musicando quatro poemas. A parceria mais conhecida é Vela aberta, gravada no disco homônimo, em 1979, com arranjos do pianista Eduardo Assad e participação do guitarrista dO Terço, Sérgio Hinds. Cid foi perseguido e cassado pela ditadura militar, morreu em 1971, bem antes de ser anistiado.
No começo de outubro de 2019 Walter Franco sofreu um AVC, no dia 24 faleceu. O filho, Diogo Franco, anunciou que o pai “partiu tranquilamente” – uma alusão de saudade e perenidade a sua canção que diz que “tudo é uma questão de manter / a mente quieta / a espinha ereta / e o coração tranquilo”.
Acima, Walter Franco em show no Centro Cultural São Paulo, 2015. Foto de Jairo Lavia

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