domingo, 31 de outubro de 2021

pálpebras de neblina


foto Giuseppe Rotunno

Na foto acima, Federico Fellini dirigindo os espíritos em Satyricon, 1969.

A adaptação da atmosfera onírica, o sonho descontínuo do clássico livro de Petrônio, do distante século I.
Em março de 1993 o cineasta recebeu o Oscar de Honra pelo conjunto de sua obra.
Em 30 de outubro do mesmo ano comemorou cinco décadas com a atriz Giuletta Masina, sua esposa.
No dia seguinte aos festejos, dormiu para sempre.
Cinco meses depois Giuletta torna-se "vídeo de uma outra luz." *
O cinema tornou-se um sonho descontínuo.
* verso, assim como o título da postagem, da canção Giulietta Masina, de Caetano Veloso, gravada no disco de 1987.

domingo com Drummond

 
foto © João Machado

Hoje nos 119 anos de nascimento de Carlos Drummond de Andrade, e diante o tempo em que vivemos, entre a pandemia e pandemônio, entre o caos e a esperança, entre a distopia e o sonho, recorro a uma colagem e ao colo dos versos de dois poemas, Consolo na praia e Poema da necessidade, respectivamente publicados nos livros Rosa do povo, 1945, e O Sentimento do mundo, 1940.

Vamos, não chores.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
É preciso viver com os homens,
é preciso não assassiná-los.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Mas a vida não se perdeu.
Mas o coração continua.
É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus.
foto © João Machado

sábado, 30 de outubro de 2021

passeando com Belchior

 

“Vamos andar / pelas ruas de São Paulo / por entre os carros de São Paulo / meu amor, vamos andar e passear”

- versos de Passeio, Belchior, gravado em seu primeiro disco, 1974.
O fotógrafo e graphic designer paulista Pedro Banlian é um admirador do cantor cearense. Seu trabalho com imagens, fazendo ensaios, captando o interior das pessoas através de suas lentes, se estende pelos vieses das ruas, num diálogo necessário do artista com a metrópole, colocando o afeto de seu coração urbano na “eletricidade dessa cidade”, como diz Belchior noutro trecho da canção.
Pedro tem o projeto Colo Uns Belchior Pelas Ruas, com intervenções de suas colagens pelos muros, pelos postes, pelas galerias de metrô... onde o olhar alcançar e dizer que “me dá vontade de gritar / que apaixonado eu sou”.
Sua página no Instagram é um passeio de corações dados pelas ruas São Paulo: @alecrinpe.
Desde o dia 30 de abril de 2017 que Belchior continua pelas ruas de todos nós.

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

sós

 
Foto Acervo Instituto de Estudos Brasileiros

“Eu estou só. O gato está só. As árvores estão sós. Mas não o só da solidão: o só solistência*.”

- Guimarães Rosa em Ave, palavra, capítulo Do diário em Paris, página 64.
Publicado postumamente em 1970, com organização do tradutor e crítico Paulo Rónai, o livro reúne notas de viagens, reportagens, páginas de diários, contos, poemas, meditações, que o escritor mineiro, de forma descontínua e esporádica, escreveu para revistas e jornais no período de 1947 até pouco antes de sua morte, em 1967.
*Termo usado para definir a solidão da existência de tudo que vive.
Foto Acervo Instituto de Estudos Brasileiros

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

em busca do tempo perdido

foto Danny Clinch

"Tempo é memória misturado com desejo" / “Time is memory mixed with desire”.

- Verso da canção The part you throw away, de Tom Waits, do álbum Blood Money, 2002. As 13 faixas do disco fazem parte da trilha sonora que o cantor californiano compôs para o musical teatral Woyzeck, de Georg Büchner, adaptado e dirigido por Robert Wilson no final do ano 2000.
Baseada na história real de Christian Woyzeck, jovem alemão que no final do século 18 perde os pais e para escapar da fome entra no exército, a peça é a obra inacabada de Büchner, dramaturgo que morreu precocemente aos 23 anos. Com influências indiretas da commedia dell'arte italiana, Woyzech, escrita em 1836, apresenta elementos narrativos que só apareceriam nas vanguardas um século depois.
Foi adaptado para o cinema em 1979, por Werner Herzog, com Klaus Kinski no papel-título, e em 1994, produção húngara dirigida por János Szász.
A história do jovem que trazendo o trauma da perda dos pais e é um humilhado pelo seu oficial comandante, tem nessas transposições para teatro, cinema e ópera, uma espécie de sequência e conclusão nas reflexões que as adaptações apresentam. Memória misturada com o desejo que Georg Büchner deixou nas entrelinhas do tempo.

sós

 

"Estoy tan solo como este gato, y mucho más solo porque lo sé y él no".


- Julio Cortázar em Las armas secretas, contos, 1959.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

conselho de amigo

 

"Aproveita esse bando de saudades que se agitam em teu espírito".

- Esse foi o conselho que Graciliano Ramos deu a um amigo que desabafa suas dores e quer escrever poemas.
O trecho está no livro póstumo Cartas, publicado em 1980, pela Editora Record. Nele estão cartas enviadas pelo escritor alagoano a amigos e familiares, no período de 1910 a 1952.
A leitura proporciona uma relação íntima entre o autor e o leitor, numa curiosa simetria entre o missivista e seus destinatários.
A respeito do amigo poeta que tem um "bando de saudades" no peito, Graciliano reforça dizendo: "espero que me mandes em breve uma chusma de sonetos"...Deve ter mandado. Saudade dá muita poesia.
Hoje 129 anos de nascimento do velho Graça.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

canto buliçoso

 

Por volta de 1969, Belchior iniciou a composição Aguapé. A inspiração foi o poema A cruz na estrada, de Castro Alves, escrito por sua passagem em Recife, em 1865, e publicado em seu terceiro livro, Os escravos, 1883.

O cantor cearense colocou um trecho da obra do poeta baiano, como epígrafe:
“Companheiro que passas pela estrada / seguindo pelo rumo do sertão / quando vires a ‘casa’ abandonada / deixe-a em paz dormir / na solidão. / Que vale o ramo do alecrim cheiroso / que lhe atiras no ‘seio’ ao passar / vai espantar o bando, o bando buliçoso / das ‘mariposas’ que lá vão pousar”.
Na transposição, Belchior, com compreensível licença poética, trocou do original “a cruz” por “a casa”, “nos braços” por “no seio” e “borboletas” por “mariposas”.
A música foi gravada inicialmente em 1979, no LP Soro, projeto de Raimundo Fagner, que participou da faixa com Belchior, cantando e tocando viola e violão.
No ano seguinte, em seu sexto álbum de estúdio, Objeto direto, Belchior grava novamente Aguapé, repetindo o duo com Fagner, e acrescentando, logo na abertura, trechos do conto A madrasta, do escritor e pesquisador sergipano Silvio Romero, publicado no livro Contos populares do Brasil, de 1885:
“Capineiro de meu pai / não me corte os meus cabelos / minha mãe me penteou / minha madrasta me enterrou / pelo figo da figueira que o passarim beliscou”.
O canto é belíssimo, num lamento sertanejo entoado por Belchior, Fagner e uma discretíssima participação de Fausto Nilo. E em alguns momentos do arranjo do maestro P. C. Wilcox, alinhavando-se com viola, triângulo e acordeom, trecho do Canto Gregoriano Salmo dos Exilados.
Ao contrário do poeta abolicionista Castro Alves, o trecho de Silvio Romero não está creditado no encarte.
Aguapé é uma das mais belas composições de Belchior, que hoje faria 75 anos de sonho, de sangue e de América do Sul.
fotos da capa e encarte do LP: Maurício Albano

domingo, 24 de outubro de 2021

sonhar e escrever

 
foto Daniel Mordzinski

"A atividade de sonhar é a que mais se parece com a de escrever, exceto que a literatura vem a ser como um sonho que alguém dirige."

- Jorge Luis Borges, em entrevista ao jornal espanhol La Opinión, 1976.

lá vai uma vela aberta

 


“Por muito tempo tentaram nos estigmatizar com essa corrente, restringir o nosso público, sendo que, aonde vamos, o teatro lota, com pessoas da minha geração e uma juventude muito curiosa e ávida”, disse o compositor e cantor Walter Franco, em entrevista ao site O Tempo, há seis anos.

O artista referia-se ao título de “maldito”, que a imprensa rotulou nas décadas de 70 e 80, colocando no mesmo escaninho das redações, ou no mesmo bloco na rua, Sérgio Sampaio, Macalé, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção...
À época da entrevista, Walter Franco estava numa movimentação de shows, num clima de “redescoberta” quando completou 70 anos, em 2015. Seu último disco de estúdio é Tutano, de 2001, e o primeiro em formato CD. Suas obras máximas, Ou Não, Revolver, Respire Fundo, Vela Aberta, são da década de 70, e mais “Walter Franco”, 1982. Mesmo sem gravar há quase vinte anos, Walter Franco nunca parou, dizia que era de uma “geração que não tem pressa nem demora”, estava sempre no momento de plugar as canções, e afirmava que no tempo “não coloco prazo para nada, as coisas nunca estão na prateleira, prontas.”
Esse pulsar de Walter Franco, essa forma de ser e estar, se expressa visivelmente em suas composições, nas letras minimalistas, mas de mergulho profundo, lentamente profundo, na concisão de um haicai, que diz muito num piscar de olhos ao ouvido e coração.
Ao renegar o carimbo de “maldito”, Walter Franco está mais para a vanguarda, que foge do óbvio, do lugar-comum da mesmice institucionalizada. O eterno se faz a partir de pequenos gestos, de momentos inesperados e não programados.
Filho do poeta, radialista e vereador socialista Cid Franco, Walter homenageou o pai musicando quatro poemas. A parceria mais conhecida é Vela aberta, gravada no disco homônimo, em 1979, com arranjos do pianista Eduardo Assad e participação do guitarrista dO Terço, Sérgio Hinds. Cid foi perseguido e cassado pela ditadura militar, morreu em 1971, bem antes de ser anistiado.
No começo de outubro de 2019 Walter Franco sofreu um AVC, no dia 24 faleceu. O filho, Diogo Franco, anunciou que o pai “partiu tranquilamente” – uma alusão de saudade e perenidade a sua canção que diz que “tudo é uma questão de manter / a mente quieta / a espinha ereta / e o coração tranquilo”.
Acima, Walter Franco em show no Centro Cultural São Paulo, 2015. Foto de Jairo Lavia

sábado, 23 de outubro de 2021

tempo certo

 

"Nenhum artista está adiante do seu tempo. Ele é o seu tempo; o que acontece é que os outros estão atrasados no tempo."

- Martha Graham (1894-1991), bailarina e coreógrafa norte-americana.
Revolucionou a história da dança contemporânea. Ela está para a dança como Picasso para a pintura e Stravinsky para a música.
A artista fotografada por Barbara Morgan durante a apresentação de Celebration, New York's Guild Theatre, 1934.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

o imortal


 “O cinema brasileiro foi elevado a uma categoria semelhante à da literatura, que é a mais tradicional das formas de identidade da nossa cultura.”

O cineasta Nelson Pereira dos Santos, explicando sua eleição à Academia Brasileira de Letras, em 2006, ocupando a cadeira nº 7, na vaga deixada pelo embaixador Sérgio Corrêa da Costa, cujo patrono é Castro Alves. Foi o primeiro cineasta brasileiro a se tornar membro da Academia.
À época Nelson era autor de um único livro, Três vezes Rio, onde reúne os roteiros dos filmes Rio 40º, de 1954, sua estreia em longa, Rio Zona Norte, 1957, e O amuleto de Ogum, 1974. Entusiasmado com a "imortalidade", preparou uma série de livros com roteiros filmados...
O cineasta partiu para outros sets em 21 de abril de 2018... O cinema em lágrimas. A tenda sem milagres. A vida mais seca.
E numa curiosa simetria do tempo, Nelson, antes de vestir o fardão, lançou o filme Brasília 18% no dia 21 de abril daquele ano, por ocasião do aniversário da Capital.
Foi seu último trabalho de ficção, e narra uma história de amor tendo como pano de fundo uma situação da política nacional. A porcentagem do título não se refere a algum acordo de propina, ou coisa parecida, e se fosse faria sentido, levando em conta a ambientação do enredo naqueles tempos de mensalão... O título remete à umidade relativa do ar, que no meio do ano, fica bastante abaixo do normal em Brasília. E foi o 18º longa do cineasta.
93 anos hoje de seu nascimento. O cinema brasileiro elevado a uma categoria imortal.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

um cineasta apaixonado


foto Joe Gaffney, 1977

Em 25 anos ininterruptos de trabalho, François Truffaut dirigiu 26 filmes, conseguindo de maneira inteligente conciliar um grande sucesso de público e de crítica.

Em toda sua rica cinematografia, Truffaut amava a infância, o cinema, as mulheres - não necessariamente nessa ordem, mas tentando aqui sintetizar em três grandes filmes:
- transformou sua traumática infância em um dos mais belos filmes de sempre, Os incompreendidos (Les 400 coups), longa de estreia, em 1959;
- traduziu a sua paixão como cineasta no único e definitivo filme sobre os bastidores de uma produção, o metalinguagem A noite americana (La nuit américaine), em 1973;
- expressou sua paixão pela alma feminina em O homem que amava as mulheres (L'homme qui aimait les femmes), de 1977.
Em 1983 o cineasta lançou De repente, num domingo (Vivement dimanche!), um policial com ótimo enredo de suspense, com Jean-Louis Trintignant e Fanny Ardant, com quem estava casado há três anos. Truffaut comemorava a boa repercussão do filme e o nascimento de sua filha Josephine, quando numa manhã queixou-se de fortes dores de cabeça que continuaram pelos meses seguintes. Em 1984 foi diagnosticado câncer no cérebro e começou o tratamento.
Na tarde de 21 de outubro Truffaut faleceu no leito do histórico Hospital Americano de Paris, quando começava a escrever a autobiografia, com a ajuda do amigo roteirista Claude de Givray.
Jean-Luc Godard, com quem rompera em 1982, sentiu-se abalado com a notícia, e não conseguiu ir ao enterro do colega no Cimetière de Montmartre. Soube-se que o cineasta passou semanas entristecido, convivendo com as lembranças, quando os dois, garotos apaixonados pelos mesmos filmes, partilharam emoções escrevendo críticas, idealizando projetos no começo da carreira.
Godard expôs essas memórias e reconhecimento num longo artigo no número especial do Cahiers du Cinéma, em dezembro de 1984, onde diz que “existiu Diderot, Baudelaire, Elie Faure, Malraux, após François, nunca existiu outro crítico de arte."
E um surpreendente sentimento de desamparo Godard expressou numa entrevista em janeiro de 1985: "Ele conseguira o que ninguém entre nós havia conquistado ou buscado: ser respeitado. A partir dele, a Nouvelle Vague era respeitada. Éramos respeitados graças a ele. Ele desapareceu, não somos mais respeitados. Ele me protegia da sua maneira e eu deveria ter muito medo, pois essa proteção não existe mais."
Truffaut partiu na juventude da maturidade, aos 52 anos. Não teve tempo de escrever sua biografia, mas sua vida está claramente exposta e compartilhada em seus filmes.
O ator Jean-Pierre Léaud é nitidamente o alter ego do cineasta desde quando interpretou o menino Antoine Doinel em Os incompreendidos. O personagem praticamente cresceu na pele de Léaud, passando pela adolescência até a idade madura, em mais quatro filmes, O amor aos vinte anos (L'amour à vingt ans), Beijos roubados (Baisers volés), Domicílio conjugal (Domicile conjugal) e Amor em fuga (L'amour en fuite), do começo dos anos 60 ao final dos 70.
Mesmo trabalhando em vários filmes importantes de outros cineastas, Jean-Pierre Léaud traz no rosto a expressão, os traços, a história de seu amigo diretor. Até quando contracenou com o próprio Truffaut em A noite americana, parecia o personagem duplicado em espelho. Um caso raro na história do cinema.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

o poeta

 

— papai o que é poeta?

os bagunceiros e arruaceiros, filho!
uns sonhadores que rasgam dinheiro
desconcertam a linguagem
na lagoa no lugar do lambari
colocam um violino nadando
no céu o pampa verdejante
na planície o mar azulante
e na lapela um girassol gigante
dizem coisas inesperadas
inventam ritmos alucinantes
às vezes até sem rima
atropelam o alexandrino
contrariam as leis dos sentidos
mais confundem que esclarecem
abusam do mistério
nas suavidades e nas asperezas
da luz sob as transparências
e do vento desenhando com nuvens
formas inexatas de bichos
tornam coisas abstratas
em ideias concretas imprevisíveis
são capazes de transfigurar
qualquer lógica ou limite
para declarar o amor a paz
imprescindível e intransferível
e ao final ainda confessam
que o poema não serve para nada
assim como as auroras as utopias
o perfume das cigarras na hortelã
e a trilha das formigas cortadeiras
no jardim depois da chuva
– papai, quando crescer
posso ser poeta?
Do livro O unicórnio do sul e outras lendas poéticas, de José Couto, publicado pela Autografia Editora, RS, 2018, com ilustrações de Luíza Maciel Nogueira.
O lirismo dos poemas e desenhos resgatam a beleza urgente e necessária das lendas, estórias, do lúdico para todas as idades, como encanto e reflexão na contramão desses tempos ditos pós-modernos, no contrafluxo do caos e da esperança, no adestramento tecnológico, no fast food dos afetos.

a mais completa definição

 
foto Arquivo Prefeitura de Monteiro, PB

Ser poeta é tirar de onde não tem e colocar onde não cabe.

- Severino Lourenço da Silva Pinto, mais conhecido como Pinto do Monteiro, repentista paraibano (1895-1990).

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

retas


Talvez as praias
não sejam retas,
porque as marés
trazem saudades desiguais.
- Fábio Renato Vilella, do livro Versos & Reversos, 2010.
O poeta mineiro partiu para outros mares em 2016, aos 65 anos.

domingo, 17 de outubro de 2021

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

o educador

Nos muros do país um trecho de Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, página 61, última obra do patrono da Educação brasileira, lançada pela Editora Paz e Terra, 1996.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

ele tinha um sonho


MKL Photo

“Digo-lhes hoje, meus amigos, que, apesar das dificuldades e frustrações do momento, eu ainda tenho um sonho.”

- Trecho do célebre discurso de Martin Luther King em frente ao Memorial Lincoln em Washington, no dia 28 de agosto de 1963. Mais de 250 mil pessoas lotaram o espaço e ouviram líderes civis, sindicalistas, religiosos, políticos progressistas e artistas discursarem e cantarem por liberdade, trabalho, justiça social e fim da segregação racial. A luta de Luther King pelo fim da desigualdade através da não violência, e contra a guerra do Vietnã, outorgo-lhe o reconhecimento de liderança.
Em 14 de outubro de 1964, quatro anos antes de ser assassinado, recebeu o Nobel da Paz. Aos 35 anos, foi o mais jovem a receber o prêmio.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Bandeira do Brasil


Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

- Manuel Bandeira e seu poema-apóstrofe Consoada, publicado em Opus 10, 1952.

A iniludível desceu com seus sortilégios dezesseis anos depois no começo da tarde de 13 outubro. Veio-lhe dura, com uma hemorragia gástrica, aos 82 anos. Mesmo assim, Bandeira não teve medo, o poeta sorria uma carinhosa e consoante evocação. A Indesejada encontrou o campo lavrado em uma vasta obra com cada coisa em seu lugar, coroada com poesia, prosa e traduções.
Otto Lara Resende em uma crônica sobre Bandeira, de 1976, publicada no livro póstumo O príncipe e o sabiá, 1994, diz em um trecho que “o melhor da pátria, quem sabe, são os poetas, a quem se fecham todas as portas, para que eles sejam mais livres e vejam mais longe. Sonham Pasárgada.”
Manuel Bandeira foi da geração de 1922 do Modernismo, mas teve desavenças com Oswald de Andrade. Recusou-se a assinar o Manifesto da Poesia Pau-Brasil e chegou a escrever um artigo detonando. Oswald, notório piadista, arriscava perder um amigo, mas não a oportunidade de uma brincadeira. E no embate entre os gênios, teria dito que “um poeta é sempre bem-vindo, e mais bem-vindo se é Manuel, Bandeira do Brasil”.
Chiste ou não, já saudara com distinção o que Lara Resende escreveu com louvor em sua crônica.

terça-feira, 12 de outubro de 2021

infância

foto Diogo Freitas

 Me perdi numa infância

que sobreviveu a mim.
- Alexandre Marino, em Os vastos horizontes do meu silêncio, livro Hiatos, Editora Patuá, 2017.

foto Diogo Freitas

prece


Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do Brasil, me disseram que viesse aqui, pra pedir de romaria e prece, paz nos desaventos... ilumina a mina escura e funda em que estamos vivendo...

Como eu não sei rezar, só quero mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar aflito, entre o medo e a esperança.
Senhora da cor de Marielle, de Mestre Môa, de todas as cores, de toda a gente, derrama Sua benção no coração dos que estão em paz porque merecem, dos que estão com ódio porque precisam.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

85 tons de Zé

 

Há 85 anos o Zé está fora do tom da mesmice, na contramão da música pra pular brasileira.

Parabéns, eterno garoto do sertão de Irará.

bate outra vez


Há 113 anos nascia Cartola.

Há 113 que as rosas falam na música brasileira.
O mundo é um moinho, este país está um moinho, 'seu' Agenor, estão triturando nossos sonhos. Mas nosso coração sempre bate outra vez com esperança quando ouvimos suas canções.

domingo, 10 de outubro de 2021

o olhar de Martine

                                                             

 foto Alan Mendonça

Nirton Venancio, a sua poesia provisória

Explorar as tardes, recomenda o poeta
mas o poema tem espírito de contradição
diz não ao ponto que enclausura
à maiúscula que atrofia
e sim ao que lhe convém,
silêncios e pontos quando pontes
o poema coa versos
tricota o tempo
eco enviesado do poeta transitório contraventor de setas
o poema se põe em pé
plumas entre veias e nervos
faz o ninho na retina
bica o corpo-semente
fura o crânio do poeta, barril de sonhos, pipas sem fios, desbussolados
o poema espera nas dobras da pele
do outro lado da rua
no lusco-fusco
ele é águas-claras na soleira da noite
o poema espia
desnuda
da sola dos passos ao crespo do cabelo
o poema faz o poeta
levanta veredas verticais
mastiga seu hálito.
É preciso reconstruir as nuvens
o poeta não cabe no tempo
de ruas, ofícios e calendários
ele anda entre as nuvens
e de cima
acalenta as rugas dos homens
olha o planeta pela luneta
e diz
vermelho-sangue
a poesia é urgente
ele sacode a poeira de galáxias
quer a mão quer o lábio
a virilha e o ombro
a solidão da gente
soltar o cheiro do silêncio
a carne do grito e a tarde que cai.
O poeta quer o futuro de seu coração sitiado
sabe que partir é se partir
partir é ficar no cais
mas o vento acaricia a pedra
a nuvem se move
e o poema passa levado pela correnteza
o poeta no seu encalço
ele fala de afeto e de volta, de temporais e amanheceres, de asas e de nó
leva seu coração entre as mãos
oferece
estranha eucaristia
um lençol de carne viva
seu corpo vaza outro
o infinito é aqui
o eterno é pra já
a pressa dos amantes estorva a marcha do tempo
os ponteiros caíram
na página em branco
inúteis.
- Martine Kunz
Em seu livro Cherrizinho, Armazem da Cultura, 2014, a escritora Martine Kunz, uma francesa-cearense desde 1979, faz um belíssimo relato sobre o olhar de seu coração no encontro com uma cidade, Fortaleza, que a esperava para acolhê-la de mares abertos, e o amor para sempre, o jornalista Claudio Pereira, que a aguardava para nele morar de braços abertos.
A narrativa é de uma beleza poética cativante. E tem a escrita de um roteiro cinematográfico digno de validação pelo mestre Jean-Claude Carrière, seu compatriota.
A certa altura do livro, na página 65, numa das tantas belezas de suas descrições, ela diz que "Não é a luz que torna visíveis as coisas, mas o olhar sobre elas." E aqui extraio esse todo verso no meio da prosa para agradecer o que ela escreveu na verticalização-mergulho de um poema sobre o meu livro Poesia provisória, Editora Radiadora, 2019.
Meu coração abraça o seu, Martine: a luz de seu olhar permanente sobre minha poesia provisória.

sábado, 9 de outubro de 2021

vida e morte cabralina

 


foto Bob Wolfenson

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

Trecho da fala final do personagem Joaquim, do poema Os três mal-amados, publicado no livro homônimo, 1943, de João Cabral de Melo Neto, o mais milimétrico de nossos poetas.
2020 foi o centenário de seu nascimento, 9 de janeiro.
E num mesmo dia 9, na sequência do mês 10, em 1999, o poeta partiu para a pedra do sono. Tinha 79 anos.
Mais do que uma sucessão de datas, uma aliteração numérica, é uma arquitetura de um poema a palo seco, com o mesmo rigor estético de sua poesia. É um poema avesso como um cão sem plumas, uma rima toante de versos feito lâminas, o dia e a noite de sua vida, o inverno e o verão de sua existência nos agrestes de Recife, o começo de tudo e o fim do nada.
Há 22 anos João Cabral livrou-se de uma vez por todas das aspirinas que tomava diariamente, desde a juventude, para uma dor de cabeça do medo morte.
foto Bob Wolfenson

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

dia do nordestino

 

8 de outubro, data instituída pela lei nº 14.952, de 13 de julho de 2009, na cidade de São Paulo, foi escolhida em homenagem a dois nordestinos:

Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, poeta popular, compositor e músico cearense, pelo centenário de nascimento naquele ano.

Catulo da Paixão Cearense, poeta, músico e compositor maranhense, autor da célebre “Luar do Sertão”, pelo aniversário de nascimento nesse dia.

foto de Patativa, © Tiago Santana
foto de Catulo, Acervo MIS-RJ