O crítico Luís Miguel Oliveira definiu muito bem a belga Chantal
Akerman ao dizer que era 'filha' do casamento entre a Nouvelle Vague e a
vanguarda americana.
Cineasta de uma contemporaneidade inovadora impressionante, Chantal se foi ontem aos 65 anos.
Um dos seus filmes mais conhecidos, e que de certa forma lhe projetou
como uma realizadora singular, Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce,
1080, Bruxelles, ilustra adequadamente a definição acima: o cruzamento
de influências de Godard e Jonas Mekas. Da mesma forma, exemplifica o
ótimo News from home, de 1977, do qual o cineasta e professor Marcelo Ikeda postou em sua página no Facebook a sequência final, como uma das mais belas da história do cinema.
Chantal Akerman, muitas vezes rotulada de cineasta feminista, pela
constelação de personagens com seus conflitos, perplexidades e
determinações comportamentais, fez um cinema sem concessões, sejam
estéticas e muito menos mercadológicas, mesmo quando fez sua ousada
incursão numa produção como Um divã em Nova Iorque, comédia romântica
com Juliette Binoche e William Hurt, gênero por ela revisitado com
autenticidade.
O seu cinema sempre se manteve marcado por uma
perfeita rigidez de composição cênica, principalmente nos documentários,
onde seu estilo pessoal, ao tratar de temas recorrentes como solidão,
sexo, religião, lhe fez uma autora inquieta, reflexiva, que soube
experimentar com propriedade todos os cinemas de todos os lugares em
todos os tempos.
No home movie, seu último filme, apresentado
no Festival de Locarno este ano, trata dos meses finais de vida de sua
mãe em Bruxelas, uma sobrevivente de Auschwitz, assunto que sempre
marcou a vida da cineasta. Logo após a exibição do documentário,
Chantal disse, como uma premonição, que “depois desse filme, não há
praticamente mais nada a dizer.”