sábado, 31 de agosto de 2024

o cheiro da película


A película no chassi, o barulho das engrenagens movendo o negativo, o peso da câmera... Não há digital que supere essa magia!

Acima, a partir de imagens do making of de Ana Vasconcelos, o clipe editado por Joe Pimentel do meu primeiro filme, Um cotidiano perdido no tempo, 1988.
Produção e distribuição da então Embrafilme, o curta em 35mm foi rodado no casarão onde nasci, em Crateús, Ceará.
Recebeu os prêmios:
- Troféu Tatu de Ouro de melhor filme, Troféu Tatu de Bronze de melhor fotografia e Menção Honrosa da Organização Católica Internacional de Cinema (OCIC) na 17ª Jornada Internacional de Cinema e Vídeo da Bahia;
- Troféu Guarnicê, melhor curta-metragem e Menção Honrosa, da OCIC, na 11ª Jornada de Cinema e Vídeo do Maranhão;
- Margarida de Prata, melhor curta-metragem de 1988, pela Conferência Nacional dos Bispos dos Brasil – CNBB.
Foi representante brasileiro no 35º Internationale Westdeutsche Kurzfilmtage Oberhausen, Alemanha; 10º Festival del Nuevo Cine Latino-americano, Cuba; Simpósio de Cinema e Video de Montreal, Canadá; e 4º Festival Internacional de Cine, Viña del Mar, Chile.
Prêmio mesmo foi estrear no cinema com uma equipe de profissionais amigos: Ronaldo Nunes (diretor de fotografia), Jefferson De Albuquerque Junior (direção de arte), Almiro Santos Filho (produção), Maurício Albano (foto de cena), Chico Bororo (técnico de som), Rachel Gadelha (continuidade), Dami Cruz (figurinos e maquiagem), Carlito Almeida (elétrica), Claudio Heitor, Joe Pimentel e Marcos Guilherme (assistentes de fotografia), Ricardo Guilherme (direção de elenco), as atrizes Jacy Fontenele, Antonieta Noronha, Seny Furtado.
O clipe vai mesmo na arqueologia de um VHS precário, achado numa tarde de sábado, onde o tempo se mantém nos riscados e granulação da película e da memória.

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

cometa


Arte urbana com a imagem de Rimbaud, de Ernest Pignon, Paris, 1978.

"De vez em quando, isto é, de quatro em quatro séculos, aparece um Rimbaud."
- Nelson Rodrigues, na crônica Da linha chinesa, publicada em 20/6/1968 no jornal O Globo, inserida no livro A cabra vadia, 1970. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

na parede da memória



"O há de vir da ausência une a imagem
à artéria da memória"
- Lina Tâmega Peixoto, do livro Alinhavos do tempo, poesia, 2018.
Acima, foto de meu sobrinho Rubens Venâncio, 2017, de uma foto de minha tia-avó, feita por mim em 1984.
Os afetos se ligam.
Os parentes se reencontram.
O tempo atravessa os olhares.
Os olhares atravessam o tempo:
a simetria da fotografia.

 

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

ofertório


Foto de Carla Camuso, 2017.
 
Trago um terço pra Das Dores
Pra Reimundo um violão
E pra ela, e pra ela
Trago eu e o coração
A poesia de Humberto Teixeira na valsa-toada de Luiz Gonzaga, Légua tirana, 1949.
Pintura rupestre da Serra da Capivara, Piauí.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

o mundo desde o fim

Ilustração: Steve Cutts, 2016

Uns anjos tronchos do Vale do Silício
Desses que vivem no escuro em plena luz
Disseram vai ser virtuoso no vício
Das telas dos azuis mais do que azuis
- Trecho de Anjos tronchos, de Caetano Veloso, disco Meu Coco, 2021.

sábado, 24 de agosto de 2024

não fosse tanto e era quase


Foto: Lani Góes

“um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto”
com Paulo Leminski
que numa tarde de 1988, no chão da sala com Alice Ruiz, juntou este com outros poemas avulsos para o livro La vie em close.
Mas subscreveu que
“não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino”
e partiu um ano depois, que nem era como
“antigamente” quando “Morria-se praticamente de tudo.”
O poeta se foi aos 44, “com a intensidade da arte”, e os poemas da vida de perto publicados em 1991, afinal,
“Se tudo existe
para acabar num livro,
se tudo enigma
a alma de quem ama!”.
Leminski,
com “saudade do futuro que não houve”,
escriturou que
“quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta adolescência
vou largar da vida louca
e terminar minha livre-docência"
não imaginaria que neste sábado do oitavo mês do ano que soma 8 faria 80 anos de adolescência tardia.
Mas nunca se vai saber
“o que vem depois de sábado
quem sabe um século
muito mais lindo e mais sábio
quem sabe apenas
mais um domingo”
quem sabe mais 80 aos para aparecer outro Leminski.
Um bom poeta leva anos. 

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

caminhando sobre a água

Foto: Mauricio Albano

Uma comunidade de catadores de lixo vivencia uma situação relacionada com a parábola da ovelha desgarrada.
Esse é o storyline de um dos episódios da série Walking on Water, produzido pela TV inglesa HouseTop, em 1990, coprodução da Verbo Filmes do Brasil. O objetivo do seriado era mostrar como diferentes culturas de classes sociais da periferia de países da América do Sul vivem o cristianismo.
A partir do roteiro do escritor Hubert De By, o episódio no Brasil seria rodado numa comunidade nos arredores da capital paulista.
Convidado que fui para dirigi-lo, transferi as locações para Fortaleza, ambientando o enredo no Lixão do Jangurussu, Favela do Gengibre e ruas do bairro Cocó.
Escolhi equipe e elenco cearenses. Fotografia de Ronaldo Nunes, produção de Almiro Filho, direção de arte de Jefferson De Albuquerque Junior e todo o suporte de assistentes do cinema local. Dezenas de atores e atrizes do teatro incorporam os personagens que contracenam com catadores de lixo de Jangurussu.
De todo esse elenco do meu convívio, afeto e admiração, a amiga Aida Marsipe, que partiu ontem para outras caminhadas.
Na cena abaixo, na comissão de frente de trabalhadores que reivindicam seus direitos, a partir da esquerda: Francisco Peres, Aída Marsipe, Marta Aurélia, Marcus Miranda, Ângela Escudeiro, Hiramisa Serra, Jacy Fontenele, Robério Freire, Graça Freitas e Elisabete Chaves.
Com os direitos reservados a Housetop Internacional Production, a série não está mais no site da emissora, por motivos que desconheço.
À Aída, com saudade. 

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

a casa


Trem da memória

poesia, 2022

À venda pelo site www.radiadora.com.br e com o autor.
Em Fortaleza: Livraria Leitura (Shopping Iguatemi) e Livraria Arte E Ciência (av. Treze de Maio, 2400).
Em Brasília: Livreiro da 214 Norte (SCLN 214 - Bloco C - loja 64) e Sebo do Ismar (216 Norte, Feira da Ponta Norte).

simetria do tempo


Um dos maiores sucessos da cantora Diana foi Ainda queima a esperança, canção composta por Raul Seixas e Mauro Motta, gravada inicialmente no compacto de 1971. Um ano depois no LP Diana, também produzido pelo futuro Maluco Beleza.
Depois de passar fome por dois anos na Cidade Maravilhosa, Raulzito conseguiu emprego de produtor na CBS, que no período pós-Jovem Guarda, investia em cantores populares. Além de coordenar toda a produção dos discos, Raul abastecia o repertório de Jerry Adriani, Balthazar, José Roberto, Odair José, Leno (da dupla com Lilian), Renato e Seus Blue Caps...
Diana faleceu hoje, aos 76. Mesmo dia em que completam 35 anos que Raul partiu na sombra sonora de um disco voador.
Na foto, acervo CBS, 1971, Raul no estúdio da gravadora.
 

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

olhar


"Não há nada a dizer. Temos que ver, olhar. É tão difícil fazer isto. Estamos acostumados a pensar, todo o tempo. É um processo muito lento e demorado, aprender a olhar. Um olhar que tenha um certo peso, um olhar que questione.”

- Henri Cartier-Bresson

19 de agosto, Dia Mundial da Fotografia.
A data foi escolhida em alusão à apresentação pública do Daguerreótipo, o antecessor das câmeras fotográficas, na Academia de Ciências da França, Paris, em 1839.
Abaixo, o olhar de Cartier-Bresson sobre os olhares no Moscow Circus, União Soviética, 1954. Vê-se o espetáculo pelos tatos das retinas que a fotografia flagra.

sábado, 17 de agosto de 2024

sou mais José Celso

Foto: Carl de Souza, 2019

"Eu não sou de resistir, eu sou de reexistir."
- José Celso Martinez Corrêa em entrevista à revista Sesc TV São Paulo, edição 123, junho de 2017.
O nosso mais belo e visionário Xamã começou a reexistir no dia 6 de julho do ano passado, quando se foi aos 86 anos.
Ele, que dizia que o teatro era o seu corpo e o levava para qualquer lugar; corpo que tem a função de virar tudo pelo avesso, comunicar-se com toda a humanidade.
Corpo que tudo na alma incorpora, as ciências, as artes plásticas, a literatura, as religiões, a bruxaria e nenhuma igreja.
Corpo-teatro-terreiro sacro, profano, desfazendo a ditadura da lógica e da cultura ocidental capitalista cristã, e fez, desde 1958, um vento forte para o seu papagaio subir nos céus de sua Araraquara.
Ele, como na obra do pintor William-Adolphe Bouguereau, do século 19, O jovem Baco e seus seguidores, reproduziu no corpo-teatro os rituais em homenagem a Dioniso, deus do vinho, dos grãos, da fertilidade e da alegria.
Para ele salamaleikum, carinho, bênção, axé, shalom, e ficar pensando em tudo que é bom que ele viu, fez e nos deixou pra trilha clara do Brasil, apesar da dor lá no anhangabaú da infelicidade. 

domingo, 11 de agosto de 2024

pais no cinema

Acima, a sequência final do filme Ladrões de bicicleta (Ladri di biciclette), de Vittorio De Sica, 1948: na Roma pós-guerra, cansado de procurar por sua bicicleta roubada, o desempregado Antonio Ricci decide furtar uma em frente a um estádio.

A câmera ali centralizada na aflição do pai, sob o olhar confuso, triste e complacente do filho Bruno.
Clássico do neorrealismo, é um dos filmes mais importantes da história do cinema e da minha vida. Direcionou o meu olhar e a forma de fazer cinema, deu início a minha devoção pela cinematografia italiana, que tão bem sabe contar histórias sobre núcleo familiar.
Em Ladri, o garoto, ao mesmo tempo que está perdido, contorna situações através de seu ponto de vista e de sua sensibilidade de criança observadora. O personagem é o fio condutor do filme, sua ligação com o pai é o que enlaça a construção narrativa. O mesmo fez Pietro Germi em O ferroviário (Il ferroviere), de 1956. O diretor, ao centralizar toda dramaticidade na relação do pai maquinista com o filho que vai sempre esperá-lo na estação, declaradamente, nessa intertextualidade afetiva, homenageou o pequeno ator Enzo Staiola por sua atuação no filme de De Sica.
E eu, ao estrear no mundo como pai, dei ao meu filho o nome Enzo. De forma invertida, no olhar contre-plongée do filho, uma homenagem também ao ator Lamberto Maggiorani, que lembra muito meu pai, pelo rosto esculpido de operário, o paletó roto e as mãos dadas. Meu filho olha para mim, que olho para meu pai.
Entre trens e bicicletas, entre a Itália pós-guerra e o Brasil pós-golpe, o cinema na trilha dos corações paternos. 

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

pedestrian crossing

Foto: Carl de Sousa, 2009

"eu sou da América do Sul, eu sei, vocês não vão saber..." *
Hoje, 55 anos da famosa capa do LP Abbey Road, dos Beatles, com a foto de Iain Stewart Macmillan.
* verso da canção Para Lennon e McCartney, de Fernando Brant, Marcio Borges e Lô Borges, gravada por Milton Nascimento no disco Milton, 1970.
Do Cavern Club ao Clube da Esquina, a música sintoniza e atravessa todas as faixas do coração.

sábado, 3 de agosto de 2024

sabbatum


 
você nunca vai saber
o que vem depois de sábado
quem sabe um século
muito mais lindo e mais sábio
quem sabe apenas
mais um domingo

Segunda parte do poema Objeto sujeito, de Paulo Leminski, publicado em seu último livro, Distraído venceremos (Editora Brasiliense, 1987).
Foto: grafite na parede do bar O Torto, em Curitiba, 2013