terça-feira, 31 de dezembro de 2024

dois mil e vinte e cinco


A relatividade do tempo. É começo da tarde do último dia de 2024 quando redijo esta postagem e no Japão, Hong Kong, Tailândia, Nova Zelandia, Austrália e outros países do lado emborcado de nós, os fogos já saúdam o Ano Novo.

O tempo é essa abstração do Agora que molda o rosto para amanhã e apaga os passos de ontem.

ABSTRATO

No tempo tudo cabe
tudo muda de lugar
tudo some
não ficam parados no espaço
o gosto das frutas
e o cheiro dos homens.
O tempo dispensa a vontade alheia
impõe-se sobre a selva e a cidade
e destas nascem as folhas e os filhos
que o próprio tempo amadurece e faz saudade.
O tempo – enorme! – eleva os deuses
arrasta os homens
e espalha o mistério de uns
sobre a solidão dos outros.
De muito longe
o tempo caminha
não como um velho
tão pouco uma criança:
unicamente caminha
- e sugere a esperança
e adormece as rugas.
O tempo não é o mesmo
sobre os aviões e os pássaros:
nas asas de um
é tudo muito rápido
nas asas do outro
é tudo muito livre.

(Do meu livro Poesia provisória, Editora Radiadora, 2019)
Acima, o tempo rei na beleza de Gilberto Gil, nosso Buda Nagô.
Em 2025 pessoas até muito mais vão lhe amar.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

duas mulheres do rock


Mona Gadelha, cantora, compositora, jornalista. A história do rock, do blues e das canções cearenses não só passa por ela: está nela. Nos anos 70, 80, as emoções perigosas de quem fazia música na contramão dos bons costumes do lugar, tinham em Mona a postura e o comportamento feminino de quem pinta com talento e ousadia a cor do sonho que a música nos traz em seus sete discos e dois livros.

Patti Smith, cantora, compositora e escritora estadunidense. Com seu disco de estreia, Horses, 1975, que Mona segura nas mãos e no coração, deu largada ao movimento punk com o canto feminino, a postura da mulher no comportamento do rock, o intelecto das canções nos movimentos políticos. Suas letras contestam, discordam, avançam na via contrária das setas estabelecidas.
Pontos simétricos entre duas artistas.
A escorpiana Mona fez aniversário no final de outubro.
Patti Smith completa hoje 78 voltas ao redor do sol de capricórnio.

domingo, 29 de dezembro de 2024

ainda sou uma garotinha


Em 1999, o baterista João Barone, do Paralamas do Sucesso, idealizou e organizou o projeto Submarino Verde e Amarelo, para arrecadar fundos para a Associação dos Amigos do Instituto Nacional do Câncer – AMINCA.
O show, realizado em 14 de julho, no Teatro da Lagoa, Rio de Janeiro, reuniu várias cantoras e cantores brasileiros interpretando canções emblemáticas dos Beatles: Zélia Duncan, Flávio Venturini, Zizi Possi, Beto Guedes, Zé Ramalho, Fernanda Takai, Frejat, Samuel Rosa...
A participação de Cássia Eller foi um dos destaques. Aliás, o destaque. A eterna garotinha cantou Golden slumbers, Carry that weight e The end, as três penúltimas faixas (a última é Her Majesty) do lado B do álbum Abbey Road, que em setembro daquele ano comemorou três décadas do lançamento. O evento foi lançado em CD e DVD em 2000.
A interpretação de Cássia imanta nosso olhar e coração. É visceral, anímica e orgânica ao mesmo tempo, naquele seu jeito de disfarçar a timidez encantando com a coreografia de menina sapeca, no palco como estivesse na calçada da infância.
Revendo esse vídeo, canto com ela e para ela um trecho de Golden slumbers:
"Sleep, pretty darling, do not cry
And I will sing a lullaby"
23 anos hoje que Cássia não morreu. 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

um anjo mineiro




No final de 1982 o poeta Cacaso esteve em Fortaleza para participar de eventos literários.

Acompanhado do poeta Adriano Espínola e do ator de teatro Ximenes Prado, segui para o Colonial Hotel, onde estava hospedado, levando de presente o meu primeiro livro de poemas, Roteiro dos pássaros.
Ao lado de sua namorada Rosa Emília, cantora e compositora baiana, Cacaso nos recebeu com um sorriso tímido, braços abertos e o coração ondulado de simpatia como as montanhas de suas Minas Gerais.
O que seria um encontro rápido, a conversa atravessou a tarde e encostou no começo da noite sob a brisa da Praia de Iracema.
Rosto juvenil nos seus 38 anos de idade, calça jeans, camiseta branca, chinelos de coro, cabelos longos e óculos de John Lennon, estávamos diante de um dos mais representativos nomes da chamada geração mimeógrafo, da poesia marginal, que agregava pensadores da escrita alternativa, como Chacal, Ana Cristina César, Geraldo Carneiro, Eudoro Augusto, Chico Alvim, Carlos Saldanha, e tantos outros que naquele terrível período da ditadura militar, da década de 70 aos vindouros esperançosos anos 80, articulavam movimentos artísticos em resistência e combate à repressão, mesclavam a alegria, a ironia e deboche criativos em suas obras.
Professor de Teoria Literária da PUC/RJ, Antônio Carlos de Brito, seu nome de batismo, era considerado o teórico daquele movimento de pensamento e desbunde, o que se revela tanto em livros de poesia quanto nos ensaios publicados em jornais e revistas.
Cacaso transitava com naturalidade no meio musical de um dos períodos mais inventivos e férteis da denominada MPB. Entre dezenas de parceiros que musicaram seus poemas, a mais constante foi a cantora e compositora Sueli Costa, que gravou em 1975 Dentro de mim mora um anjo, tema da novela Bravo, da Globo, e depois por Fafá de Belém, no disco Banho de cheiro, 1978.
No início de 1983 chegou ao meu endereço um exemplar do seu livro recém lançado. Na primeira página, uma carta escrita em papel fino por onde a luz atravessa e diminui as distâncias: “Meu caro Nirton, não esqueci da promessa que fiz de te enviar o meu ‘Mar de mineiro’...”, iniciava, com letra delicada e vertical. Lá pelo meio, entre relatos de viagens que estava fazendo, partilha afetuosamente: “Este ano quero ver se trabalho num livro de artigos e ensaios, coisas que publiquei na imprensa, revistas, e que agora quero reunir". Não deu tempo naquele ano nem nos seguintes. Um infarto no miocárdio o tirou de cena duas noites após o Natal de 1987.
Mar de mineiro, que se tornou seu último livro publicado, é de uma preciosidade de ver, pegar, ler e se encantar. As 224 páginas, em suave papel rústico que imita pergaminho, espraiam poemas em fontes itálicas, como manuscritos de um diário, entre ilustrações de pássaros, peixes, paisagens, e fotografias da infância e flagrantes de ruas. A beleza artesanal, com a pureza, coletividade e simplicidade de outros tempos, identifica a poesia, o poeta e a obra sem o padrão numérico de ISBN.
Cacaso tinha 43 anos quando partiu com o anjo que morava dentro dele.
Quando eu soube da notícia, lembrei-me de seu desejo manifestado na carta, que eu guardava no livro como um marcador especial. Naquele dia peguei o exemplar na estante e vi que, numa de minhas releituras, a folha ficou na página 37, onde tem o poema Máquina do tempo. Com saudade, li como um epitáfio:
"E com respeito àquele problema do
futuro acho que vou ficando por aqui..."

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

salve a batida do bispo Tutu


Foto: Hassan Ammar / AP

Na festa de abertura da Copa do Mundo de 2010, em Johanesburgo, o que surpreendeu e superou todas as apresentações foi o discurso do arcebispo da Igreja Anglicana, Desmond Tutu, Nobel da Paz em 1984.

"Bem-vindos ao solo sagrado da África do Sul!", saudou, vestido com a camisa da seleção da casa e um cachecol dos Bafana Bafana.
Desmond foi o primeiro negro a ocupar o cargo de arcebispo da Cidade do Cabo, e também o Primaz de sua igreja por dez anos, a partir de 1986. Junto com Nelson Mandela, foi uma das figuras centrais do movimento contra o Apartheid, liderando protestos em locais públicos contra o governo. Soube muito bem vestir-se com indumentárias de altas posições no clero para lutar contra a segregação racial em seu país e no mundo.
Dizia que a fé e compreensão bíblica sem trabalho e coragem é uma crença morta. Nas últimas décadas Desmond Tutu assumiu abertamente pautas atuais e falava sobre a ocupação do território palestino por Israel, os direitos da população LGBTQIA+, as mudanças climáticas e tantos outros temas urgentes.
Desmond Tutu faleceu na manhã de 26 de dezembro de 2021, aos 90 anos.
O título da postagem é um verso da canção Oração pela libertação da África do Sul, de Gilberto Gil, disco Dia Dorim Noite Neon, 1985.
Foto: Hassan Ammar / AP

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

santa amada da purificação

Foto: Christian Cravo

Há 12 anos, sob as luzes natalinas, Dona Canô dormiu seu sono centenário poucos meses depois de completar 105 anos.

Canonizada pelo bem querer do povo brasileiro.

as últimas luzes de Carlitos


Com o mítico personagem Carlitos, Charles Chaplin criou um estilo de mímica que se refere mais ao conteúdo do que ao comportamento.

Carlitos é o espelho e efígie do ser humano, com sua alegria, dores e esperança. O riso de Carlitos é a gargalhada da alma. A tristeza de Carlitos é a lágrima da alma. O abraço de Carlitos é o aconchego da alma.
Luzes da ribalta (Timelight), de 1952, é o que melhor sedimenta tudo que deu origem a sua criação. É o mais puro e o mais profundamente pessoal filme de Chaplin.
Ambientado em Londres no começo do século passado, às vésperas da I Guerra Mundial, a história conta a trajetória de um famoso palhaço, Calvero, uma espécie de Carlitos envelhecido, e em conflito com seu alcoolismo, com autoestima e outras encucações. Mesmo assim, salva uma bailarina amargurada, desiludida com sua arte, preste a cometer suicídio. Salva e lhe repõe a autoconfiança, fazendo-a voltar à dança. Uma relação amorosa começa a se delinear, a diferença de idade entre ambos assusta, e Calvero some, vivendo como um artista de rua. Ao voltar à ribalta, por insistência da bailarina, o palhaço sofre um infarto em cena, aos pés de sua protegida.
O filme é cheio de simbologia em todos os sentidos:
- O personagem Calvero é baseado no próprio pai de Chaplin, que faleceu vítima da bebida.
- A jovem bailarina é uma alusão à esposa e atriz Oona O’Neill, 36 anos mais nova, e uma menção da preferência do ator por mulheres mais jovens. Oona e quatro de seus onze filhos estão no elenco, em papéis secundários.
- O cineasta não somente ambientou o enredo em sua terra natal como datou no mesmo ano quando começou sua carreira circense na Inglaterra, 1914.
- Chamou para contracenar o seu rival da época do cinema mudo, Buster Keaton, como uma forma de “fazerem as pazes”, embora se diga que foi para subestimá-lo mesmo, fato que levantou suspeita pela afirmação dos estudiosos da obra de Keaton, apontando que Chaplin cortou as melhores cenas entre os dois.
- Foi o último trabalho de Chaplin nos Estados Unidos, pois ao viajar para Londres para o lançamento, decidiu não retornar. Por suas posições políticas de esquerda, era visado pelo macarthismo, e diretamente perseguido pelo chefão do FBI, Edgar Hoover.
Depois de Luzes... Charles Chaplin dirigiu apenas dois filmes na Inglaterra, o irônico Um rei em Nova Iorque e o crepuscular A condessa de Hong Kong, onde faz apenas uma aparição, como mordomo, deixando o papel principal para Marlon Brando.
Chaplin apagou as luzes da ribalta, definitivamente, enquanto dormia, ao lado de Oona, na noite de Natal de 1977, aos 88 anos.

o aniversariante do dia


 

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

o espírito natalino de Fellini

Foto Paul Ronald

Acredito em Jesus: que ele não é apenas o maior personagem da humanidade, mas que continua a sobreviver no ser que se sacrifica por seu próximo. Sou ignorante a respeito dos dogmas católicos. Talvez seja herético. Meu cristianismo é bruto. Não pratico os sacramentos, mas penso que a prece poderia ser considerada como uma ginástica que nos levaria cada vez mais perto do sobrenatural.”
- Federico Fellini em sua biografia Fellini por Fellini (L&PM Editores, 1983).
Acima, Marcello Mastroianni em uma cena de Oito e meio (8½), 1963. O ator interpreta um diretor de cinema em crise, Guido Alsemi, sem inspiração para o próximo filme, pressionado pelo produtor, esposa, amigos e quem olhar para ele.
Misturando ficção com realidade, passado com presente, o que foi com o que poderia ter sido, Fellini usa o exercício de metalinguagem para contar o que ele mesmo estava passando naquele momento, depois de ter dirigido apenas um episódio no longa Boccaccio 70, após a pulsação criativa de La dolce vita, de 1960. Alsemi é alter ego de Fellini.
Na cena o cineasta-personagem, como Noel vindo de uma atmosfera onírica típica de seus filmes, chega a sua casa trazendo presentes e pingos de neve sobre a roupa. Em seu “cristianismo bruto”, o simbolismo é uma prece que o leva cada vez mais perto do Jesus que acredita.
Foto Paul Ronald

 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

em Minas com o poeta


Em 23 de dezembro 2012 eu estava em Araxá, interior de Minas Gerais, quando li a notícia da morte do poeta alagoano Lêdo Ivo, aos 88 anos. Ousei um trocadilho infame desejando que fosse um ledo engano. E saí para andar e fotografar pelo verde da Estância do Barreiro, nas redondezas do Grande Hotel Termas.

Na caminhada silenciosa pela mata me deparei com as ruínas do Hotel Rádio. Na década de 1930 o prédio sofreu um incêndio. Consta que uma hóspede, em lua de mel, depois de encontrar o marido com a camareira, indignada e enfurecida, suicidou-se tocando fogo no quarto. Com a repercussão negativa, o hotel perdeu clientela e encerrou as atividades. O local voltou tempos depois como uma clínica de reabilitação e em 1960 definitivamente abandonado.
A vegetação tomou conta de todo o hotel. Raízes e troncos serpenteando nos corredores, alcançando as paredes, ocupando os quartos. Passei pela recepção, subi sob riscos para achar o local onde o fogo começara. O silêncio do tempo em volume reflexivo.
Desci e fiquei a admirar e fotografar a estranha beleza mumificada em verde que se renovava no orvalho de cada manhã.
Numa holografia da imaginação, vi os hóspedes que chegavam e saíam; o porteiro sorridente que dava passagem; o rapaz atencioso que carregava malas; o marido adúltero com o olhar oblíquo; a camareira enaltecida que disfarçava; a esposa traída riscando o fósforo.
Depois de fotografar alguns ângulos das ruínas, lembrei de um poema-prosa de Lêdo Ivo, A escada, publicado no livro Mar Oceano. Os versos analógicos tracejavam na minha cabeça como legenda para a foto digital. De volta ao quarto no Termas, procurei na Internet o poema. Cabia como epígrafe para minha visita ao fogo passional do passado, aos cômodos retorcidos do presente:
“Desde o início aboli a possibilidade de estar sendo conduzido para o Inferno ou o Paraíso, essas fictícias paragens finais que, não pertencendo à geografia terrestre, não se incluem entre os sítios prometidos aos meus passos futuros.”
Lêdo Ivo me acompanhou naquele dia. E não foi engano.

domingo, 22 de dezembro de 2024

Joe e a tempestade



No começo de 1969 o cantor e compositor Joe Cocker e sua The Grease Band viajaram da Inglaterra para os Estados Unidos para divulgar o primeiro disco lançado. Com a repercussão nos circuitos de pequenos festivais, de imediato o produtor Artie Kornfeld o convidou para o Woodstock Music & Art Fair, de 15 a 18 de agosto daquele ano, na região de uma distante e extensa fazenda de gado leiteiro, na cidade de Bethel, estado de Nova York.
Agendou a apresentação de Cocker para o último dia, um domingo como hoje, abrindo a programação, que fecharia com Jimi Hendrix, o maior cachê do evento, 18.000 dólares. O cantor inglês e sua banda receberam 1.375.
Joe Cocker começou seu repertório cantando faixas do disco e alguns covers de Bob Dylan, Pete Dello e Ray Charles. A plateia aplaudia sem muito entusiasmo, ainda ressacada do dia e noite anteriores, que teve Janis Joplin, Creedence Clearwater Revival, Santana, Jefferson Airplane...
Sempre que leio sobre isso e o revejo no filme Woodstock, imagino que deve ter pensado: “É hora de mudar isso”, antes de falar sobre a próxima e última música do setlist de 13: With a little help from my friends, composta por John Lennon e Paul McCartney, do álbum dos Beatles de 1967, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, na voz de Ringo Star.
“Simplesmente alucinante, transformou totalmente em um hino do soul, fiquei eternamente grato a ele”, disse Paul ao ouvir a gravação no disco, que tem a guitarra e arranjo de Jimmy Page.
A apresentação naquela tarde no palco do Woodstock foi ainda mais alucinante. Durante oito minutos Joe Cocker magnetizou a multidão com sua voz gutural, seus movimentos espasmódicos, sua performance energética. A personalíssima versão da canção superou a de Richie Havens, que abriu o Festival dois dias antes, e vestindo uma longa bata alaranjada, cantou só com violão e sentado num banquinho.
Ao final Cocker agradeceu ao público extasiado e retirou-se. Não houve tempo de gritarem por sua volta. Uma grande tempestade começou nos contornos da fazenda. Em poucos minutos ventos fortes trouxeram muita chuva, inundando e encharcando de lama o chão de Woodstock. Os céus, como em reverência, estavam só aguardando Joe terminar. Ninguém se feriu, as enormes torres de iluminação oscilaram e resistiram, muitos curtiram, outros, compreensivelmente assustados, foram embora.
A partir daquele dia Joe Cocker não parou. Gravou quase 30 discos e fez shows pelo mundo todo. Esteve no Brasil em 1977, em 1991 no Rock in Rio, 2012 em Sâo Paulo, Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre. Sempre magnetizante vê-lo ao vivo. Com sua postura tônica no palco e sua voz grave, era doce na mesma proporção quando, em entrevistas que assisti, falava das origens das canções, da infância de família operária, e como conseguiu superar os problemas com álcool e drogas nos anos 70.
Morava com a esposa em um rancho perto de montanhas no Colorado, Estados Unidos, quando faleceu aos 70 anos na manhã de 22 de dezembro de 2014. Não resistiu à tempestade de um câncer no pulmão.
Acima, fotograma do documentário Woodstock, de Michael Wadleigh, 1970. 

 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

amor que serena


A poeta portuguesa Matilde Campilho em entrevista ao programa Sangue Latino (Canal Brasil, 2020), responde a pergunta do jornalista Eric Nepomuceno: "Amor que serena, termina?" (título de um poema do argentino Juan Gelman).

Hoje Matilde completa 42 anos de poesia e beleza serena.

postal de amor


 "Eu todo cheiroso a Lancaster e você a Chanel..."

- Reginaldo Rossi, em A raposa e as uvas, gravada no disco homônimo, 1982.
O chamado "rei do brega" imitava Elvis Presley em Recife no começo dos anos 60, influenciado pelos Beatles criou The Silver Jets e abria os shows de Roberto Carlos na época da Jovem Guarda.
Mas foram as canções de apelo popular, diretas na veia dos excluídos pela mulher amada, que fizeram a marca e notoriedade do cantor, em quase quarenta discos, principalmente nos anos 70 e 80.
Depois de um tempo afastado do que se chamava "hit parade", o retorno nos anos 2000 veio com tudo, trazendo o sucesso de 1987, Garçom, aquela canção que reverencia o santo paciente, que ouvia e consolava no confessionário do balcão de bar os bebuns apaixonados, os maiores abandonados, os chatos reincidentes.
A música além de ser trilha de uma novela na Record, foi regravada por cantores que deram uma aura "cult" na interpretação, como Otto, no álbum Reginaldo Rossi - Um Tributo, 1999, e Filipe Catto, no disco Fôlego, de 2011, que chegou a cantar no palco do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, acompanhado pela Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e Coral Lírico, na comemoração dos 45 anos da Fundação Clóvis Salgado, em 2015.
Reginaldo teria adorado ver e ouvir seu garçom em ambiente tão requintado, numa interpretação afinadíssima de Filipe Catto. Mas o cantor faleceu em 20 dezembro de 2013, aos 69 anos.
E no clima de requinte, Reginaldo merece esse postal francês dos anos 20, todo cheiroso a Lancaster.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

elogio ao poeta


Foto Stevan Kolumban Hess, 2010
 

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.
― Manoel de Barros, poema Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo, publicado no livro homônimo, 2001.
Hoje, 108 anos significantes de seu nascimento.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Marisa Paredes, pienso en ti


Cenas de um dos melhores de tantos belos filmes de Pedro Almodóvar, De salto alto (Tacones lejanos), 1991.

A reconciliação de uma mãe, quinze anos depois, com a filha que abandonou, agora casada com seu ex-amante.
As cores marcantes de uma comédia dramática com a maestria do cineasta espanhol.
A canção do mexicano Agustín Lara, Piensa em mi, 1953, legendando as inquietações dos corações na interpretação de Marisa Paredes, dublando Luz Casal, na gravação de 1991, do disco A contraluz.

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

os sonhos de Nélida


“Somos mentirosos de nascença, Breta. E fadados a verdades que nós mesmos não compreendemos. Como se nossas verdades saíssem da sucata, do ferro velho. Somos assim, habitantes de um cemitério de navios, revestidos de melancolia e ferrugem. Os únicos que se salvam desta oxidação são os artistas. Talvez porque iluminem parcialmente os nossos túneis, sem temor de enfrentar detritos, monstros, e formas estranhas sem nome, que Eulália chama de alma”.
- Fala de Madruga em A república dos sonhos, romance de Nélida Piñon, lançado em 1984, Troféu Associação Paulista de Críticos Teatrais e Prêmio PEN Clube do Brasil. A autora passou praticamente três anos trancada numa pensão em Congonhas, Minas Gerais, para escrevê-lo.
De sua vasta bibliografia, entre romances, crônicas, contos, memórias, infanto-juvenil e ensaios, esse foi o que mais me impressionou, pela fina elaboração técnica narrativa nas suas quase 800 páginas. Nélida, filha de emigrantes da Galícia, parte de suas lembranças de infância para reconstituir a história fictícia de uma família de imigrantes que aportam no Rio de Janeiro na virada do século passado. O livro é uma metáfora do Brasil.
Considero uma obra tão memorialista quanto os biográficos Coração andarilho, O livro das horas e Uma furtiva lágrima, pois encontramos Nélida nas vidas dos dezesseis personagens que se entremeiam, recriando assim sua realidade a partir do próprio discurso. Não à toa, Nélida é um anagrama do prenome de seu avô, Daniel Cuiñas. O parágrafo que destaquei acima é um dos pontos reflexivos entre autora, personagens e obra.
Primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras (1996 a 1997), Nélida Piñon faleceu no final da tarde de 17 de dezembro de 2022, um sábado, aos 88 anos, no leito de hospital em Portugal. ao lado de sua assessora e companheira de vida por 25 anos, a psicóloga Karla Vasconcelos, que lhe segurava a mão. Poucas horas antes, recebeu a visita de Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. "Agora já posso ir embora", disse-lhes.
Seu corpo foi trazido para o sepultamento no São João Batista, Rio de Janeiro. De volta à América do Sul, à república dos seus sonhos, onde começou a escrever a história do patriarca Madruga.
Artistas como Nélida Piñon nos salvam dessa oxidação de melancolia e ferrugem, da verdade que nós mesmos não compreendemos.

domingo, 15 de dezembro de 2024

o trem em Maracanaú


 O Trem chega às mãos do poeta Fred Cavalcante na estação de Maracanaú, Ceará.

"Puxo os vagões da memória até quando?

O poema não acaba nunca.

O que escrevo são incompletudes"

Trem da memória (Editora Radiadora, 2022)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

que nem Distraido


A narrativa poética Que nem marsupial surge no retiro solitário do autor numa cabana da zona rural de Pirenópolis, nas lonjuras dos Goyazes, outono de 2022.

A choupana abrigou seu corpo, seus livros, seus temores, seus desejos, sua expressão. A pirâmide do sótão abriu a janela para a grota do mais central dos sertões.
Assim apresenta o autor, Adriano Distraído, em terceira pessoa, o seu livro. Tudo original, tudo autêntico, tudo único. Ele, poeta. Ele sendo visto por ele mesmo. E o livro. Três. O vértice. A pirâmide.
Caro poeta, quando terminei o meu retiro lendo seu livro, fiquei em estado de perplexidade e encantamento. Que nem seus olhos nos olhos do marsupial. A cada página adentrava onde tudo parece natural sem o homem. Seu escritogente nos torna hóspede nesse tão profundo e reflexivo isolamento.
Lê-se no silêncio da mata para não macular a legitimidade dessa natureza.
Sinto meu-querer de outra leitura, outra visita, outro retiro. Mais.
Aguardo o sinal para que eu possa voltar. E sinto perto. Levarei sementes.
No aconchegante espaço Jobim Brasilia (704/705 Bloco E Loja 51) Adriano lançará seu livro, terça-feira, 10, 19h.
Nas consoantes das ruas reencontrarei as vogais do seu interior.
HáBraços!