Foto ©Rogério Cassimiro
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Trecho do longo poema, quatro páginas, No caminho, com Maiakovski (assim mesmo, com a vírgula), do niteroiense Eduardo Alves da Costa, 87 anos.
Erroneamente atribuído ao poeta russo mencionado no título, e também a Bertold Brecht, o poema está publicado no segundo livro de Alves da Costa, Poesia Viva, 1968, editado pela Civilização Brasileira, e posteriormente em No caminho, com Maiakovski, pela Nova Fronteira, 1985, onde reúne toda sua poesia até essa década.
O autor escreveu nos conturbados anos pós-64, como manifestação de revolta à intolerância e violência impostas pela ditadura militar.
O equívoco da autoria começou na época da campanha das Diretas Já, com os versos estampados em camisetas, pôsteres e até em cartões postais, declamados em protestos nas ruas, assembleias de estudantes e sindicatos, sempre creditados a Vladimir Maiakovski ou ao dramaturgo alemão. Um primeiro alguém achou que fosse, os 'alguéns' seguintes não confirmaram e deu-se a largada ao erro.
A Internet, através das sempre apressadas redes sociais, no fast-food tópico das postagens, só fez aumentar a confusão, assim como fazem com textos atribuídos a Clarice Lispector, Mário Quintana, Jorge Luis Borges...
.
Muitos duvidaram que os versos de Alves da Costa, que têm na narrativa uma força e a beleza da vanguarda soviética, pudessem ser de um brasileiro. No máximo ele seria um tradutor de Maiakovski.
O autor, que tem 24 livros publicados entre poesia, contos e romances, em entrevista à revista ÉPOCA em 2014, com alegria e lamento disse que a atribuição ao famoso poeta foi “uma maldição, ajudou a chamar a atenção para minha poesia, mas ocultou toda a minha obra.”
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