Quando ele nasceu, um anjo torto, desses que viviam entre as serras do seu pequeno Cachoeiro, disse “vai, Sérgio, ser gauche na vida”. Parafraseio o trecho do clássico Poema de sete faces, de Drummond, porque todos os dândis enviesados cabem neste mundo, vasto mundo, e mais vasto é o coração dos poetas.
Sérgio Sampaio, de certa forma, foi ofuscado pelo próprio sucesso de Eu quero é botar o meu bloco na rua, involuntariamente lançada como uma moderna marcha-rancho de carnaval, em 1973, e por outro lado, sem muito interesse da mídia que o via como um magrelo esquisito, largado na vala comum dos malditos em plena ditadura militar, mais condescendente ao romantismo nem bossa nova nem rock-and-roll do epônico rei da juventude, seu conterrâneo.
De 1982, quando lançou seu último disco de estúdio, Sinceramente, até os anos 90, Sérgio Sampaio viveu totalmente afastado da mídia, em autoexílio reflexivo, quieto em suas perplexidades, morando nesse período crepuscular entre Brasília, Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Uma de suas mais belas composições, Ninguém vive por mim, penúltima faixa do lado B do seu segundo disco, Tem que acontecer, de 1976, é uma espécie de manifesto íntimo, uma cartografia de seu perfil, um mapeamento do coração como artista neste país sempre ameaçado pelo memoricídio.
Em 1993 o cantor realizou um dos seus últimos shows no palco do Cine Metrópolis da Universidade Federal do Espírito Santo. Sozinho, num banquinho e violão, acompanhado em três músicas pelo amigo Zé Moreira, apresentou dezessete canções de seu rico repertório. Gravado em mídia VHS pelo cinegrafista Talmom Jr., é um dos mais importantes registros de Sérgio Sampaio.
Animado com uma certa repercussão de seu trabalho, regravações por outros cantores, preparava o retorno com um disco de canções inéditas, que seria gravado pela paulista Baratos Afins, em 1994. Mas no dia 15 de maio daquele ano, com a saúde agravada por pancreatite, o cantor faleceu aos 47 anos.
Acima, um trecho do show. O “boêmio cantor da lua / doido que não se situa” e a sintomática canção que citei. “Fui procurar viver além de mim”, diz em um dos versos.
Íntegro, não se entregou. Foi o melhor dos nossos temporais.
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