quarta-feira, 30 de novembro de 2022

poemas na ANE


 

trindade em Pessoa

 

Colagem: sitio catedrapessoa.uniandes.edu.co

“Vivemos da memória, que é a imaginação do que morreu; da esperança, que é a visão no que não existe; do sonho, que é a figuração do que não pode existir. Nesta trindade de vácuo.”
- Trecho de Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Bernardo Soares, uma espécie de diário íntimo poético, ou "uma autobiografia sem fatos", como ele denomina o primeiro capítulo. Fragmentado e reflexivo, curiosamente aproxima-se da prosa de um romance. Publicado em 1913, tem a atualidade das inquietações humanas.
Pessoa viveu dos sete anos de idade até a adolescência em Durban, na África do Sul. Foi para lá em virtude do segundo casamento da mãe com o cônsul de Portugal. Aprendeu inglês e era visto como um rapaz esquisito. Preferiu voltar para a terra natal, morar com a avó, criar seus heterônimos e fingir que o poeta é um fingidor.
Hoje 87 anos que Fernando e os Pessoas Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares viraram memória. Eternos no desassossego dos seus livros.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

ofertório

Pintura rupestre da Serra da Capivara, Piauí

 
Trago um terço pra Das Dores
Pra Reimundo um violão
E pra ela, e pra ela
Trago eu e o coração

A poesia de Humberto Teixeira na valsa-toada de Luiz Gonzaga, Légua tirana, 1949.


domingo, 27 de novembro de 2022

meu projeto Brasil chama-se Gilberto Gil


 foto Marcelo Hallit

Dos tantos que me preferem calado
poucos deles falam em meu favor
a maior parte adere ao coro irado
dos que me ferem com ódio e terror
já para os que me querem mais ativo
mais solidário com o sofrer do pobre
espero que minha alma seja nobre
o suficiente enquanto eu estiver vivo

- Trecho de Ok, ok, ok, canção de Gilberto Gil, que abre o disco homônimo de composições inéditas.
Lançado em 2018, o álbum que tem faixas em parcerias com seu filho Bem Gil e o amigo Jorge Bastos Moreno, falecido um ano antes, traz nas letras o que o autor chama de “papo reto” sobre a vil situação que o país vivia naquela data, as consequências do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a nuvem sombria que ameaçava e o que veio a acontecer com a eleição do verme: concretização da pessoa nefasta, que tem a aura da besta, uma alma bissexta, uma cara de cão.
Ontem, acompanhando a Copa no Catar, o cantor e sua esposa Flora Gil foram covardemente insultados, agredidos pela corja delirante de fascistoides, pelo coro irado de usurpadores das cores verde e amarelo. Gente estúpida, gente hipócrita.
Do alto dos seus 80 anos, a simplicidade e elegância de Gil foram a reação desse grande artista e cidadão brasileiro, nosso Buda Nagô. De toda Bahia, de todo Brasil lindo e trigueiro, de todos nós mulatos inzoneiros, a moça da favela, todo mundo da Portela, que à merencória luz da Lua sabemos cantar canções de amor, alargamos nossos corações naquele abraço de solidariedade.
Em breve será extirpada a besta-fera do Cerrado e botaremos o Rei Congo no Congado.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

entre o céu e o mar


foto ©Nirton Venancio, 2011

- Don'Ana, a senhora já viajou de avião?
- Não, meu filho. Não é da minha natureza.
- Mas avião é seguro, Don'Ana.
- Avião com pouco já tá aqui no chão, com pouco já sobe, quando a gente 'oia' já tá nesse mundo de Deus. Viajar de avião tá difícil... no chão viajo de qualquer coisa!
- E o mar, Don'Ana?
- Quando você entrar no mar, você vai andando, andando, maré seca... que quando você 'oiá' pra trás onde você foi daqui pra lá, e ver a água espumando, espumando... pode sair! Pode sair que na mesma hora vai tudo embora!

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Don'ana, nonagenária moradora de Santa Cruz de Cabrália, Bahia, é uma das personagens do meu livro em preparação Pequenas anotações de viagem.
Carismática em sua simplicidade e raciocínio rápido, Don'ana é a extensão de Guimarães Rosa no chão de Jorge Amado.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

com a força do seu canto


 foto Indie Records 

“...descobrir onde o mal nasce e destruir sua semente...”

Os versos de Cordilheira, de Paulo César Pinheiro, canção lamentavelmente cabível nestes tempos temerosos, foram musicados por Sueli Costa, por volta de 1977. A intenção era passar para Erasmo Carlos gravar, cantor e compositor que sempre esteve além das inocentes composições das jovens tardes de domingo, com discos primorosos onde faz incursões na black-music, no soul, no samba-rock.
Erasmo nunca quis ficar para sempre sentado à beira do caminho. Com sua fama de “mau”, queria mais era arrombar a festa e descolar o necessário da parceria Carlos com o dito “rei” da juventude.
Louvou as mulheres e as mulheres: de sua Narinha à Roberta Close, o doce grandalhão Erasmo achava um absurdo quando as chamavam de sexo frágil. Com a alma atarantada, o cantor atravessou umas barras pesadas, com o suicídio da ex-mulher (1995), a morte da mãe (2004) e do filho em acidente de moto (2014).
Sobre a composição Cordilheira, a censura proibiu à época, claro. Além da letra direta aos ditadores de plantão, tinha o lado comportamental do Tremendão que incomodava os militares, ao contrário do "ar de moço bom" do parceiro Roberto. Os autores foram à Brasília tentar a liberação e nem sequer foram recebidos pelos “zelosos guardadores” da moral e bons costumes impostos. Somente em 1979 a música foi liberada e gravada por Simone no disco Pedaços. A única gravação de Erasmo Carlos está na caixa Mesmo que seja eu, com quinze CDs comemorativos a sua carreira, lançada em 2002.
Erasmo se manteve autêntico, com boas letras, boas melodias, e sobreviveu ao natural apagão do iê-iê-iê, com bons discos nas décadas de 70 a 90, com um e outro não tão inspirados. Carlos, Erasmo, de 1971 é um álbum essencial, assim como Banda dos contentes, seis anos depois. São mais de 30 discos desde 1965, quando lançou o aparentemente ingênuo A pescaria, onde tem a famosa Festa de arromba e algumas versões de rock cinquentista, como de Chuck Berry. É desse LP a faixa Minha fama de mau, título também da autobiografia lançada em 2009 que Erasmo preferia dizer que é um livro memórias em que evoca histórias divertidas ao longo de sua carreira musical de 50 anos. Mesmo que o Tremendão, com sua cabeça de homem e coração de menino, tente não ir fundo nos relatos, sempre tem algo novo para se conhecer de sua trajetória, o seu olhar, o seu ponto de vista sobre pessoas e fatos.
Pelo menos ele teve a franqueza de conversar com os fãs através de um livro, dizendo a verdade com frases abertas, ao contrário do amigo de fé, de tantos caminhos e tantas jornadas, que mandou tocar fogo na sua biografia, Roberto Carlos em detalhes (Editora Planeta, 2006), escrita por Paulo César de Araújo.
E hoje, quando se comemora o Dia do Músico, Erasmo Carlos falece aos 81 anos. Ainda choramos Gal. E começamos a manhã de olhos marejados com a partida de Pablo Milanés. 2022, o ano em que vivemos entre o perigo e a esperança, pisa devagar.
Toca Raul! Toca Belchior! Toca Gal! Toca Erasmo! Para sempre! Tornamo-nos eternos no coração de que nos quer bem.

Santa Música


Pela crença cristã, Santa Cecília, uma abnegada mocinha de família nobre romana, cantava para Deus quando estava morrendo. Em sua homenagem é considerada a Padroeira dos Músicos. Ou da Música Sacra, como preferem os estudiosos no assunto.

No calendário litúrgico da Igreja Católica, por uma possível data relacionada ao dia de sua morte, foi escolhido 22 de novembro para a festa em sua louvação.
No Brasil comemora-se o Dia do Músico. Parabéns a todos que são músicos todo santo dia! Só eles sabem quanta abnegação para afinar e sobreviver com as cordas que o demo amassou neste país.

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E justamente na madrugada de hoje, em seu dia todos os dias, falece o lendário cantor e compositor Pablo Milanés, um dos fundadores da Nueva Trova cubana. Milanés tinha 79 anos e morava em Madrid.

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St Cecilia, óleo sobre tela de Guido Reni, 1606. O quadro encontra-se no Norton Simon Museum, Califórnia.

domingo, 20 de novembro de 2022

no meio da capital

 

"O menino ainda
meio sertão
no meio da capital"
- É uma poética transida de lembranças, como num caleidoscópio, ou melhor, num cinematógrafo, ou lanterna mágica, emendando na coladeira do tempo imagens esparsas que vão costurando uma narrativa testemunhada pelo poeta Nirton Venancio
Luiz Carlos Lacerda, cineasta e poeta
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Trem da memória
Editora Radiadora, 2022
Coordenação editorial: Alan Mendonça
Prefácio: Valdi Ferreira Lima
Posfácio: Mailson Furtado
Lançado no dia 12
Disponível no estande Quadra Literária
XIV Bienal Internancional do Livro do Ceará
11 a 20 de novembro

sábado, 19 de novembro de 2022

o menino e o homem


 
"Se não trago o menino de volta
alcanço o homem e sua revolta."
"Trem da memória"
Editora Radiadora, 2022
Lançado dia 12
Disponível no estande Quadra Literária
XIV Bienal Internacional do Livro do Ceará

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

paráfrase


 

Eu não devia te dizer
mas esse calor
mas essa poesia
botam a gente desprovido como sempre!
sensibilidade, forma, musicalidade, desenho, inspiração para todo nosso versejar. Nirton Venancio , é sem dúvida, um grande poeta!
- Váldima Fogaça, poeta (Brasília)
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Os versos citados são do poema Paráfrase, do livro Poesia provisória, lançado pela Editora Radiadora em 2019.
Imensamente grato, Váldima. Poetas auscultam poetas.

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

ensaio sobre o amor - centenário de Saramago


“Vivi tudo o que vivi para poder chegar até ela. A Pilar deu-me aquilo que eu já não esperava vir a ter”.

Assim se expressou José Saramago sobre o grande amor de sua vida.
A jornalista, escritora e tradutora espanhola Pilar Del Rio tinha 36 anos quando conheceu e casou-se com o escritor português. Leu todos os seus livros e apaixonou-se pelo escritor. Pediu para conhecê-lo e amou homem.
Por 24 anos viveram um para o outro e os dois para a literatura.
O ótimo documentário José e Pilar (foto), de Miguel Gonçalves Mendes, lançado cinco meses depois da morte de Saramago, em 2010, é um ensaio sobre o amor de personagens que são o amor por si só.
16 de novembro: 100 anos de Saramago para a literatura, para amor, para a vida.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

que trem é esse


Não por acaso o cineasta e poeta Nirton Venancio realiza há alguns anos o filme Pessoal do Ceará – Lado A Lado B, registro da música cearense moderna, num trabalho solitário e de dedicação quase religiosa, num país onde impera a amnésia oficial. Sua ”matéria de memória” (alusão ao romance de Carlos Heitor Cony, faço eu) estende-se à poesia escrita, reunida no excelente Trem da memória, seu mais recente livro (Editora Radiadora, Fortaleza, 2022).

Esse trem não é da mesma conexão ferroviária do que apita, autoritário, na preocupação exclusivamente social da poesia de Solano Trindade, ou do singelo poema de Manuel Bandeira, enumerando o que seu olhar de passageiro elege da paisagem em movimento que se descortina da janela.
É uma poética transida de lembranças, como num caleidoscópio, ou melhor, num cinematógrafo, ou lanterna mágica, emendando na coladeira do tempo imagens esparsas que vão costurando uma narrativa testemunhada pelo poeta.
Opta pela simplicidade – a mesma encontrada nos pequenos vilarejos do Brasil - que nos remete aos poemas inaugurais dos primeiros dos nossos modernistas. Sem os artifícios gongóricos da Geração de 45, que reabriu as portas do Parnaso para suas medusas e apolos invadirem novamente a nossa literatura. No Nordeste não tem disso não!
“No quintal da grande casa
os verões passavam como nuvens
e sombreavam os gestos de menino
que se perdia na altura das formigas”
Teria escrito Graciliano Ramos em seu Infância (memórias, 1942), se mestre Graça descesse de seu agreste estado de espírito e se permitisse abrir o coração (e o verbo). Ou Manuel Bandeira, ainda pelas ladeiras do Recife.
“O nome do lugar está em mim
como topônimo neste poema
o logradouro onde me cabe...”
Associo à Itabira na parede de Drummond (“está em mim”); e o latifúndio (“que me cabe”) de João Cabral de Morte e vida Severina.
Esse trem poético de Nirton não para em nenhuma estação. Vai recolhendo da poesia brasileira e do cinema as referências que o seu inconsciente erudito e sensível sopra no seu ouvido. E retira de seu baú as joias da sua coroa particular e as expõe:
“focava sua luz neorrealista
no quintal em mim
para o dia que começava
no sertão sem fim”
Vejo logo a imagem do plano final de Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber, com Othon Bastos levando pela mão Yoná Magalhães (Corisco e Rosa), correndo pelo sertão seco e "sem fim" com a trilha composta por Sérgio Ricardo.
Ou:
“Na tela de reboco,
esse recorte é o quadro que brilha mais
no meu cinema paradiso”
E vai declinando sua história – como um filme, autobiografia em forma de relato:
“Fortaleza seria logo além
da saudade do quintal de Ibiapaba
da lembrança da cancela na fazenda
da memória da casa amarela de oitão.”
E desagua nessa obra-prima de verso que reúne toda amorosa memória olfativa jamais descrita:
“o aroma de leite de rosas de minha mãe
(sempre gotas entre os seios e o coração)”.
Entre a herança das rimas dos cordéis do sertão e sob a sombra que a nossa antropofagia mastigou dos hai-kais orientais, ousa dizer que
“Cada verso me arreda.
Cada palavra me envereda”
Ao enveredarmos por essa viagem, como seu trem e serpente de chocalho sibilino e canto de sereia, dessas que surgem entre as pedras e os mandacarus das secas milenares e, hipnotizados pelos zóios da cobra verde de seus versos, nos ajoelhamos, gratos, com a consciência que essa poesia inoculada não tem cura. Nem nunca terá.
Nirton dedica as três últimas páginas de seu livro enumerando nomes e lugares – numa lista interminável, como os agradecimentos nos filmes brasileiros.
- Luiz Carlos Lacerda, cineasta e poeta (Rio de Janeiro)
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Em meados da década de 70, eu adolescente na capital cearense, vindo do interior, inocente, puro e besta, escrevendo escondido poemas e diários, vendo um filme atrás do outro, um dia saí fascinado de uma sessão no cine Diogo: “Mãos vazias”, primeiro longa de Luiz Carlos Lacerda. Aquele filme de narrativa irregular e ousado na sua postura e linguagem transgressora, deu uma sacudida em minha forma de ver cinema brasileiro. E tudo que eu queria era conhecer o diretor. E ser também cineasta.
Dando um salto no tempo, como numa elipse cinematográfica, porque a história é comprida, há mais de 30 anos proximidade e amizade se fizeram, mesmo com encontros esparsos.
Seu olhar sensível e afetuoso sobre Trem da memória é um prêmio na fortuna crítica do livro. Imensa gratidão pelo texto, caro amigo. Esse trem que o título indaga é o que leva a mesma estação dos que se querem bem. Abraço-te.

domingo, 13 de novembro de 2022

encontros marcados

 


"Estive com Nirton Venancio muito menos vezes do que gostaria. Foram encontros culturalmente intensos, em cinemas e festivais do nordeste e de Brasília. Encontros marcados por um número grande, embora nunca unânime, de afinidades eletivas.

Vi praticamente o cineasta nascer, constatando em seus filmes a poética de imagens que hoje me surgem aos olhos em forma de literatura. Sempre generoso, Nirton fez chegar às minhas mãos seu livro de poesia memorialista 'Trem da Memória' (Editora Radiadora, 2022), percurso de sua pequena Cratéus, Ceará, aos grandes centros cosmopolitas, nos quais o cineasta/poeta se viu fisgado pelos '24 quadrinhos' das imagens em movimento.
Nirton confirma minha tese de que nossa geração foi uma das últimas que chegou às salas de exibição pelo afeto familiar e muito antes da fúria digital ser a porta de entrada às imagens para os miúdos.
'Trem da Memória' resume seus intuitos num verso citado de Narlan Matos que descortina o porvir e sintetiza a matéria da qual é feita o cinema e a literatura de Nirton, sempre indissociáveis: “um dia minha vida / foi ao cinematógrafo / e nunca mais voltou para casa.” A minha também, camarada."
- Ricardo Cota, jornalista, crítico de cinema (Rio de Janeiro).
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Trem da memória foi lançado ontem na XIV Bienal Internacional do Livro do Ceará, e encontra-se disponível no estande da Editora Radiadora, na Quadra Literária.

encontro de poetas


À esquerda - sempre - os poetas
Alan Mendonça e Mailson Furtado, respectivamente, editor e posfaciador do meu livro Trem da memória (Editora Radiadora, 2022).

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

nos trilhos da Bienal


O trem chegou à estação João Felipe
e continua nos trilhos de minha vida.
Na capital
as bancas com suas notícias
a Cruzeiro com a miss na capa
os cowboys destemidos da EBAL.
Puxo os vagões da memória até quando?
O poema não acaba nunca.
O que escrevo são incompletudes:
há sempre quem lembro
e volto a sua casa
peço água e pergunto se sabe de mim
- o neto da costureira, o filho do bodegueiro
há sempre quem deslembro
e bate a minha porta
nada pede e pergunta se conheço quem foi
- o pai de lourim, o avô de fransquim.
Vocês não sabem
o peso e a pluma que são?
o chão e o pássaro que vão?
- Trecho do meu livro Trem da memória (Editora Radiadora, 2022), que será lançado na XIV Bienal Internacional do Livro do Ceará.
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Coordenação editorial: Alan Mendonça
Prefácio: Valdi Ferreira Lima
Posfácio: Mailson Furtado
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No lançamento:
Leitura de poemas: Alan Mendonça e Nirton Venancio
Apresentação musical: Charles Wellington, com a composição Se eu me chamasse Drummond, letra de um trecho do livro

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

meu bem


Maria da Graça, parafraseando Caio Fernando Abreu, de quem tanto você gostava: na minha memória – tão congestionada – e no meu coração – tão cheio de saudades – você ocupa um dos lugares mais bonitos de minha discoteca básica.

sábado, 5 de novembro de 2022

a cachoeira que me banhou quando cresci

Em 1997, quando eu estava rodando o curta O último dia de sol, em Baturité, interior do Ceará, o rapaz que fazia o making of, estreando e entusiasmado na função de registrar os bastidores de uma filmagem, não deixava escapar nada.
No primeiro dia de trabalho, a equipe de produção foi fazer locação em algumas ruas da cidade e na região serrana. À noite, quando nos reunimos para ver as imagens, uns 80% das cenas eram de uma belíssima cachoeira.
Acho que ele quis traduzir, literalmente, a definição do mestre Humberto Mauro: "cinema é cachoeira".
Mauro, pastor de nosso cinema campesino, santo de todas as cachoeiras, faleceu na manhã de 5 de novembro de 1983. Afastado do cinema desde 1974, morava em seu sítio Rancho Alegre, na cidade natal Volta Grande, a 90 quilômetros de Cataguases, Minas Gerais, onde fundou a produtora Phebo Sul América, em 1925, dando início aos mais seminais filmes da cinematografia brasileira.
O cineasta tinha 86 anos. Abatido por uma forte pneumonia, estava praticamente cego quando faleceu. Mas ouvindo as cachoeiras. 

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Pietà de Pasolini

 

Na manhã fria do Dia de Finados de 1975, um domingo, em uma tranquila praia italiana em Ostia, a 30 quilômetros de Roma, uma senhora se chocou com o aparecimento de um corpo desfigurado. Por um instante, antes do espanto e grito, pensou tratar-se de um amontoado de lixo, tamanho o entulho em volta. Era o cineasta e poeta Pier Paolo Pasolini.

Segundo a versão oficial, o cineasta, comunista declarado e homossexual assumido, foi assassinado pelo garoto de programa Giuseppe “Pino” Pelosi. Tão controversa quanto sua vida, sua morte tem até hoje mistérios difíceis de decifrar. Pasolini era uma figura incômoda na cena cultural e política do país. Meses antes de sua morte realizou o perturbador Salò, ou os 120 dias de Sodoma, baseado no livro 120 dias de Sodoma, ou Escola de Libertinismo, do nobre francês Donatien Alphonse François de Sade, o Marquês de Sade, escrito em 1785. O cineasta ambientou a história entre 1944 e 1945, durante a ocupação nazifascista, num castelo no norte da Itália. Governo, igreja, nobreza e magistratura são poderes representados por personagens doentios da estrutura fascista. Pasolini, com sua criatividade de adaptações de fatos históricos, relaciona esse período a uma conjunção de fatores com o surgimento nos anos 70 da juventude neofascista e governos totalitários.
Em 2015, para lembrar os 40 anos de sua morte, uma série de pinturas em homenagem ao cineasta apareceu em áreas ao redor do centro turístico de Roma e Ostia. O autor é o artista plástico francês Ernest Pignon-Ernest, e essa abaixo simboliza um duplo retrato de Pasolini carregando a si próprio, vivo e morto, modelado à maneira de Pietà, de Michelangelo.